Em 1992 foi adotada no Rio de Janeiro a Convenção do Clima cujo objetivo é estabilizar a concentração de gases responsáveis pelo aquecimento global na atmosfera num nível que evite mudanças climáticas perigosas. Mais de cem chefes de Estado assinaram a convenção, numa época em que o fim da guerra fria e a globalização da economia mundial prenunciavam um período de paz e cooperação internacional.
Não há, contudo, penalidades previstas para o descumprimento de resoluções da Conferência das Partes (COP), que inclui mais de 190 países e onde as decisões precisam ser tomadas por unanimidade. A convenção é, portanto, como tratado internacional, considerada “fraca” na linguagem diplomática. Ela é no fundo uma convenção que reflete aspirações, mas não tem os instrumentos para atingi-las.
Isso foi conseguido no Protocolo de Kyoto, adotado com o objetivo principal de estabelecer metas concretas de redução das emissões dos gases causadores do aquecimento global. O principal deles é o CO2, resultante da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), responsável por cerca de 80% de toda energia consumida no mundo.
O protocolo determinou que 40 países industrializados deveriam reduzir suas emissões totais de gases de efeito estufa em 5,2% abaixo das emissões de 1990 entre 2008 e 2012.
Os países em desenvolvimento (entre os quais o Brasil) ficaram isentos de reduções no período acima, o que levou o Senado dos Estados Unidos a adotar por unanimidade uma resolução vetando a ratificação do protocolo sem que as reduções nele incluídas se aplicassem também nos países em desenvolvimento.
Essa decisão do Senado americano lembra decisões do Senado romano em relação às suas províncias e, na prática, ignorava o fato de que o consumo de energia dos Estados Unidos per capita era quatro vezes maior do que o dos países em desenvolvimento. Para se desenvolver, eles necessitariam de combustíveis fósseis assim como ocorreu no passado para o desenvolvimento dos países industrializados.
Apenas os países europeus (cujas emissões representam apenas 7% das emissões mundiais) adotaram o protocolo e cotas mandatórias para redução de emissões, permitindo trocas de créditos entre os emissores. Isso levou à redução real das emissões, que caíram 30% abaixo do seu valor em 1992.
No mundo como um todo, as emissões aumentaram 44% no período 1992-2022.
Nos países em desenvolvimento (incluindo a China), que representavam em 2022 73% das emissões mundiais, elas aumentaram 78%.
É evidente, portanto, que a Convenção do Clima e o Protocolo de Kyoto adotado em 1997 não tiveram o sucesso esperado, apesar de a convenção prever que os países industrializados “promoveriam, facilitariam e financiariam aos países em desenvolvimento para permitir que implementassem os objetivos da convenção”.
Decorridos mais de 30 anos, as “mudanças climáticas” passaram a ocorrer com mais frequência e suas consequências são ilustradas de maneira dramática pelo que aconteceu recentemente no Rio Grande do Sul.
As principais razões para esse fracasso são a revolta populista e o fim da globalização, que estão ganhando espaço no mundo. Medidas efetivas para reduzir mudanças climáticas são um alvo perfeito para a retórica populista e teorias conspiratórias. Políticas públicas destinadas a reduzir emissões de carbono são de longo prazo e se baseiam em conhecimentos técnicos (que só as elites possuem), aumentam custos para a população e exigem cooperação internacional. Além disso eleições a cada quatro anos tornam a adoção de medidas de longo prazo muito difícil, sobretudo em países em desenvolvimento, onde garantir outras necessidades mais imediatas é – ou parece ser – mais urgente.
A ascensão da ultradireita na Europa e o nacionalismo de dirigentes políticos como Donald Trump, nos Estados Unidos, que questionam até a evidência científica de que a ação do homem é responsável pelo aquecimento global, foram as consequências disso.
O Acordo de Paris, em 2015, em que cada nação fixa suas próprias reduções, tentou reativar as ações para reduzir as emissões, mas numa época em que as ações multilaterais estavam em declínio.
Mesmo os Estados Unidos, que em 2022 representavam 11% das emissões, só conseguiram reduzi-las em apenas 3% no período 1992-2022 graças à enorme capacidade tecnológica do país, mas isso ocorreu em razão de medidas tomadas pelos governos locais, sem grande apoio do governo federal.
Com o presidente Joe Biden a situação melhorou, com um programa de cerca de R$ 400 bilhões a US$ 600 bilhões em investimentos diretos (em dez anos) e em subsídios em novas tecnologias às empresas americanas.
A “globalização” do programa do presidente Biden, permitindo o uso dos seus recursos em países em desenvolvimento, seria um grande passo à frente e significaria, na prática, um novo Plano Marshall para a redução das emissões nos países em desenvolvimento, sem os quais a redução global das emissões é inviável.
* José Goldemberg foi ministro do Meio Ambiente em 1992 (governo Collor)
Estadão Conteúdo