Empresa de energia do fundo global de gestão de ativos Mubadala Capital, com sede em Abu Dabi, a Acelen, antiga Landulpho Alves de Mataripe, que responde por 15% do parque de refino no País, é a única grande refinaria de petróleo que não faz mais parte do Sistema Petrobras. O CEO Luiz de Mendonça, com 30 anos de experiência internacional em companhias dos setores químico, petroquímico, de biocombustíveis e de energia, pretende inovar na transição energética e constrói uma biorrefinaria que utilizará óleo de macaúba. Uma das metas é entrar para valer no mercado bilionário de combustível renovável para aviação.
CartaCapital: Qual é a aposta da Acelen no Brasil?
Luiz de Mendonça: A Acelen ingressou no Brasil a partir da privatização da refinaria de Mataripe, a segunda maior do País, mas o objetivo principal era entrar no setor de energia como um todo. Tanto que o Mubadala tem hoje investimentos na Atvos, que era a minha antiga empresa de bioenergia, a segunda maior produtora de etanol de açúcar.
Temos também um projeto solar recém-anunciado, no interior da Bahia. Nos últimos três anos, investimos cerca de 500 milhões de dólares em modernização e ampliação da produção de diesel, produtos especiais, parafinas, óleos lubrificantes, e isso melhorou muito a pegada de carbono e ambiental.
CC: Como surgiu o projeto de renováveis?
LM: Eu tinha acabado de criar a Acelen e, na primeira reunião do Conselho, o Mubadala perguntou como eu e a equipe víamos a transição energética e os combustíveis do futuro. Foi ali que o projeto da Acelen Renováveis nasceu. Eu apresentei um plano para construir uma segunda planta industrial, do tipo Hydroprocessed Esters and Fat Acids (HEFA), ou Ésteres e Ácidos Graxos Hidroprocessados), uma tecnologia dominada que usa oleaginosas. É parecida com uma planta de diesel e de querosene de aviação tradicional, com hidrogênio e tudo mais, só que processa uma variedade de óleos vegetais, óleo reutilizado, gordura animal e outras fontes de energia renováveis não fósseis. Definimos que a planta seria alimentada a partir do agronegócio brasileiro.
CC: Onde entra a macaúba?
LM: Em nossa pesquisa, encontramos o que parece ser a matéria-prima ideal, que é a macaúba, uma árvore frutífera nativa, todo brasileiro já viu, mas não identifica. Seu fruto, quando processado, produz de sete a dez vezes mais litros por hectare de óleo vegetal do que a soja. Com a casca e a polpa, é possível produzir mais energia, biocarvão e outras coisas. A planta é 90% energia. É resiliente, exige menos água, é mais robusta. Nossa ideia é criar florestas perenes em terras e pastos degradados, com viabilidade econômica muito baixa para qualquer outra cultura, no sertão da Bahia, no semiárido, em áreas muito pobres. Essas florestas produzirão por cerca de 40 anos e, no seu processo de crescimento, haverá captura de carbono..
CC: Quais são as suas ideias em relação à transição energética?
LM: O conjunto de alternativas renováveis é vasto e não há nenhuma solução que dê conta de tudo. O período de transição está encurtando, há investimentos no mundo todo. No caso do transporte terrestre, há várias soluções. No Brasil, há etanol, biodiesel, combustíveis verdes. O setor de transportes produz 23% das emissões globais. Dentro desse setor, aviação é 12%. Para as aeronaves, é difícil pensar em uma solução para substituir o combustível fóssil que não seja o Sustainable Aviation Fuel (SAF). Hoje não é possível um avião voar com bateria elétrica abastecida com energia solar, estamos há décadas de uma solução dessas, sobretudo para aviões de grande porte. A solução é o SAF. Construir e operar uma planta industrial HEFA, para produção de diesel e querosene sustentável de aviação, é fácil, o problema é obter as matérias-primas renováveis, sem que isso resulte em concorrência com a produção de alimentos. O cálice sagrado na transição energética é encontrar as fontes de energia renováveis alternativas, que vão abastecer as plantas industriais de produção de combustíveis.
CC: Vários economistas apontam para o risco de o Brasil repetir, na transição energética, o seu papel histórico de produtor de commodities e deixar a agregação de valor para outros países, em prejuízo do desenvolvimento da indústria local.
LM: O nosso biocombustível não será uma commodity, a cadeia será muito controlada, com rastreabilidade completa. Saberemos exatamente de onde veio, qual é a pegada de carbono de cada gota de combustível renovável ao longo de toda a cadeia. Não vou produzir óleo para exportar óleo. Ao contrário, a grande criação de valor está na integração do agro com o industrial e o último elo da cadeia é essa transformação em combustível. O segredo, ou a grande chave de valor, é a matéria-prima renovável. O país que tiver condições de dominar a equação da matéria-prima é que vai criar valor, que vai estar capturado nessas matérias-primas. Não estamos investindo só no agronegócio, teremos uma planta de última geração, de escala mundial, que vai produzir combustível renovável no Brasil.
CC: Como está direcionado o investimento em tecnologia?
LM: Estamos domesticando, desenvolvendo a macaúba, investindo em um centro de inovação e tecnologia agroindustrial, que já está em construção, no qual faremos germinação, seleção e produção de sementes, viveiro, produção de mudas, que irão para as nossas fazendas. Já investimos perto de 80 milhões de dólares no projeto, temos uma equipe de cem pessoas dedicadas, firmamos parceria com a Embrapa, a Esalq, as universidades de Viçosa, California-Davis e California-Cornell e o Instituto Fraunhofer, da Alemanha. São instituições que ou já vinham estudando o potencial da macaúba ou são líderes em genética ou inovação de ponta no agronegócio. Estamos na fase final da engenharia da planta. O primeiro investimento, ao longo de dez anos, é de cerca de 3 bilhões de dólares, com a criação de até 90 mil empregos e abastecimento em até 30% da macaúba plantada por pequenos produtores. Forneceremos as sementes e daremos treinamento. A planta começará a funcionar em 2027, inicialmente com óleo de soja.
CC: Qual é o papel das instituições brasileiras de pesquisa no desenvolvimento da macaúba?
LM: A Universidade Federal de Viçosa trabalha há 20 anos na domesticação da macaúba e construiu o maior banco de germoplasma do mundo para a espécie. O acordo com a Acelen prevê um investimento de 5,7 milhões de reais em melhoramento genético, balanço de carbono no sistema e sistema de cultivo e nutrição mineral. A parceria com a Esalq-USP prevê o plantio experimental das mudas, além da avaliação do ciclo de vida da planta.
CC: Como o projeto será financiado?
LM: A Petrobras é um potencial investidor interessado, mas temos investidores no mundo inteiro, além do Mubadala Capital, para financiar o projeto.
CC: Os EUA e a Europa concedem enormes volumes de incentivos para a transição energética. Por que há tanta resistência no Brasil?
LM: Criou-se a mentalidade de que qualquer incentivo governamental ou subsídio, que virou palavrão, é ruim. Possivelmente, porque no passado se abusou desse tipo de instrumento para beneficiar setores que não faziam sentido. Mas isso é história. Aqui estamos falando de um setor em que o Brasil pode ser o líder mundial. Os incentivos europeus e americanos existem justamente porque, de outro modo, eles não conseguirão competir. Acho que a solução passa por incentivos à inovação, regulamentação do mercado de créditos de carbono, ter as regras e os seus mecanismos de operação muito claros, fiscalização robusta para não deixar que as pessoas sérias, que fazem tudo certo, sejam prejudicadas pelos aproveitadores, que não tenham a cadeia toda certificada ou não paguem seus impostos.
CC: Qual é o pulo do gato?
LM: É desenvolver uma matéria-prima, a macaúba, como estamos fazendo, do zero, de uma planta nativa para outra ainda mais produtiva, em alta escala. O ponto alto do nosso projeto é inovação, ciência, e não é nem química, é biologia, é genética. É preciso focar na criação de mecanismos para o Brasil investir nas soluções inovadoras, correr esse risco. Talvez com um programa de incentivo à inovação energética, que é possível fazer via Finep ou BNDES. O banco está superinteressado no nosso projeto, que vê como um projeto de ruptura.
CC: Segundo o noticiário, a avaliação da Petrobras quanto à aquisição de participação acionária e investimentos futuros conjuntos na Refinaria de Mataripe e na Acelen Energia Renovável está em fase final.
LM: Não cabe a mim comentar a respeito de negociações entre o Mubadala e a Petrobras. Entendemos que são discussões separadas, uma coisa é a discussão em torno da refinaria, outra é o eventual interesse em ter um investimento na Acelen Renováveis.Acho que não estão necessariamente ligados.
CC: O que o senhor tem a dizer a respeito das informações reiteradas de que Salvador tem um dos preços da gasolina e do diesel mais altos do Brasil, com múltiplos reajustes após a privatização que provocaram um efeito cascata?
LM: Reajustamos os preços semanalmente, de acordo com uma lógica de mercado. A gente só aparece nas manchetes quando sobe, ninguém dá notícia quando desce. Os nossos preços levam em conta a competição local, mas, sobretudo, o fato de que eu compro petróleo a preços internacionais, até com prêmio sobre esse valor. Somos competitivos, nossos preços têm fórmula conhecida, previsibilidade. É importante não confundir o preço na bomba com o preço pelo que eu vendo. O meu preço é o da refinaria para o distribuidor.
*Publicado na edição n° 1323 de CartaCapital, em 14 de agosto de 2024.
*Carlos Drummond - Editor de Economia da edição impressa de CartaCapital
CartaCapital (14/08)