Análise de dados apoia a evolução do agronegócio

Análise de dados apoia a evolução do agronegócio

Sequenciamento do DNA leva a plantas mais resistentes a pragas e, combinando a novos sistemas de plantio, resulta em maior produtividade

A bióloga Adriana Capella, diretora de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), tem acompanhado de perto os efeitos da transformação digital na área da genética. “No caso da cana-de-açúcar, o ciclo de melhoramento encurtou de 15 para oito anos. Essa evolução acontece em função da ciência de dados”, diz. Segundo ela, ferramentas de análise e modelos preditivos auxiliam especialistas em genética na seleção das melhores plantas, porque é possível processar nos sistemas uma miscelânea de informações. “Conseguimos avaliar desde as características físicas até o desempenho em campo, sendo mais assertivos.”

Segundo ela, a combinação de recursos digitais com ciência não é novidade na área da genética. “O sequenciamento do DNA avançou com recursos da computação, acelerando a identificação de marcadores.”

Agora é hora de aprimorar os sistemas para, no caso do CTC, entregar variedades de cana mais produtivas e adaptadas aos diferentes ambientes de produção e colheita. “Ao cruzar dados de diversas fontes, podemos desenvolver plantas ajustadas ao ambiente de produção, considerando características do solo, disponibilidade de água e incidência de luz solar".

Na esteira digital, Capella destaca a adoção da edição genética – conjunto de técnicas que permite eliminar ou inserir trechos específicos do DNA. “Essa tecnologia vai facilitar a geração de plantas mais resistentes a pragas e com produtividade equivalente ou superior às que produzimos atualmente.” A metagenômica também deve ganhar tração, permitindo análises dos micro-organismos presentes no solo e ajudando a tomar decisões sobre a cultura.

Outra novidade do CTC é a pesquisa de um novo sistema de plantio para a cana-de-açúcar que seja mais rápido e não dependa da instalação de viveiros nas propriedades. A cana não tem semente, planta-se a muda, o que demanda estrutura e acaba atrasando a renovação dos canaviais. “Estamos estudando um sistema de multiplicação em laboratório”, diz Capella. O uso da análise de dados será um dos vetores para simular processos logísticos do novo método de plantio.

O CTC conta com 438 colaboradores. Deles, 185 estão na área de P&D. A receita líquida registrada no ano safra 2021/22 foi de R$ 421,5 milhões. Quase 40% do montante foi investido em P&D. Com um negócio intensivo em conhecimento, o centro contabiliza aportes de mais de R$ 1 bilhão em P&D na última década.

Silvia Massruhá, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital, disse em entrevista ao Valor, no mês passado, que o maior desafio tecnológico do setor hoje é o de aproveitar o potencial dos dados gerados. Capturar, analisar e compreender informações é, segundo ela, o caminho para ampliar a produção e cumprir metas de sustentabilidade. “Há compreensão do produtor de que é preciso extrair dados para tomar decisões na agricultura.” A boa notícia é que a base está pronta. Ela lembra que, atualmente, todos os processos, do sequenciamento genético à colheita, preveem captura e uso de dados.

Para a pesquisadora, a principal barreira está na capacitação dos produtores – principalmente os de pequeno e médio porte. “Os fabricantes de implementos agrícolas estimam que apenas 10% das informações geradas pelos equipamentos são utilizadas.” A inclusão digital no campo motivou a criação do SemeAr – iniciativa aberta e colaborativa lançada pelo CPQD, Embrapa e Fundação de Desenvolvimento Científico e Cultural (Fundecc), que é ligada à Universidade de Lavras. O SemeAr conta com o apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). “O mercado oferece muitas aplicações e o produtor fica perdido porque não sabe usá-las.”

Para compreender as dificuldades, foi preciso ir a campo, ouvir as dificuldades, entender desafios como a conectividade e elaborar iniciativas para engajar profissionais e disseminar as tecnologias. A aposta do SemeAr está na criação de ambientes de referência, que tem como base a estrutura de arranjos produtivos locais (APLs). A Embrapa coordenou, junto com o CPQD, a criação de dois deles no interior paulista. Em Caconde, o arranjo envolve a setor de café, e em São Miguel Arcanjo, o de hortifrúti. Nesses dois locais, batizados de Distritos Agro Tecnológicos (DATs), foram instaladas fazendas digitais, que funcionam como núcleos de interação entre os produtores locais.

Além de iniciativas de inclusão digital, o DAT facilita a conexão com startups e fornecedores de equipamentos e sistemas. O escopo do projeto atraiu ainda parceiros como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Comitê Gestor da Internet, Esalq-USP, Inatel, o Instituto Agronômico de Campinas e o Instituto de Economia Agrícola. “Nossa meta, até 2025, é ter oito DATs no país, criando volume para a multiplicação desses ambientes”, comenta Massruhá. Para ela, o diferencial do modelo é que o produtor rural está no centro da estratégia.

No segmento de tecnologia da informação, a ordem é criar soluções integradas e capazes de oferecer uma visão geral do negócio e a rastreabilidade dos produtos. Adriano Esposito, vice-presidente global de negócios digitais e inovação da Sonda, aponta avanços no uso de soluções como internet das coisas (IoT) e inteligência artificial (IA), que combinadas podem garantir automação de processos, economia de insumos e rastreabilidade total da produção. A Sonda tem atuado em projetos na área pecuária (de leite e corte) e irrigação. “Na cadeia produtiva do leite, identificamos lacunas tecnológicas, principalmente no campo”, constata.

Para ele, o uso de sensores pode auxiliar os produtores a melhorar o controle de doenças nos rebanhos, reduzindo custos com o tratamento. “É possível instalar, em coleiras, sensores para monitorar sinais como temperatura e movimentação.” Os sistemas estão programados para identificar anomalias nos sinais vitais e no comportamento do animal. Com os alertas, o veterinário examina a rês e inicia tratamento precoce com anti-inflamatórios. “O antibiótico, além de mais caro, pode comprometer a qualidade do leite”, diz.

Segundo Rafael Okuda, vice-presidente e líder dos setores de agro e alimentos da SAP, a rastreabilidade da produção é uma demanda que ganha cada vez mais força – efeito de mudanças no comportamento do consumidor. “Há pressão por informações sobre origem e método produtivo.” O acompanhamento do “campo ao garfo”, defende Okuda, exige integração entre os sistemas. “É um segmento para ser atendido por plataformas capazes de agrupar as informações e dar confiabilidade ao produtor”, afirma.

Na outra ponta, operadoras de telecomunicações avançam em projetos de conectividade, que devem ser acelerados pela chegada das redes 5G. “O interesse pela nova tecnologia criou um espaço para discutirmos conectividade e esclarecer o produtor sobre as soluções que já estão disponíveis”, diz Diego Aguiar, diretor de operações da Telefónica Tech/Vivo Empresas. Segundo ele, as redes 4G, em 700 MHz, são capazes de absorver a maior parte da demanda do campo. “Ainda estamos em um estágio de adoção de tecnologias e de entendimento do uso de dados. A transformação digital é uma jornada.” E a tecnologia 5G vai acompanhar o avanço, “mas, antes, é preciso adensar e utilizar o que está disponível”, destaca.

Alexandre Dal Forno, líder de marketing e IoT da Tim Brasil, lembra que, até 2023, a meta da empresa é chegar a todos os municípios brasileiros com redes 4G, permitindo a conexão de todas as propriedades. A empresa é uma das associadas do ConectarAgro, programa que reúne a indústria do agronegócio na promoção da digitalização no campo, por meio do aumento da conectividade e fomento ao ecossistema de inovação.

Outra área que avança, com novos modelos de negócios, é a de bioinsumos. Alber Guedes, CEO da Solubio, decidiu enfrentar uma barreira comum no setor: a do custo. “Criamos uma solução que permite a cultura dos micro-organismos na propriedade.” O sistema consiste na instalação de laboratórios, em contêineres ou biofábricas de pequeno porte construídas com tanques de inox, parecidos com os das cervejarias. “É um método fácil e seguro de replicar os micro-organismos próximo à área de plantio”, ressalta.

A Solubio instala os equipamentos em sistema de comodato e vende as cepas para reprodução. Para cada cultura e aplicação, o produtor recebe a quantidade de material biológico necessária. “É o método usado, por exemplo, em cápsulas de café expresso. Cada cápsula produz uma dose”, diz Guedes. Por se tratar de um produto biológico, a Solubio se responsabiliza pela capacitação da equipe local e pela assistência técnica.

 

Valor Econômico