Células a combustível - Por Ricardo Simões de Abreu

Células a combustível - Por Ricardo Simões de Abreu

Sem a pretensão de explorar em profundidade as características técnicas dos vários tipos de células à combustível "fuel Cells" e de suas evoluções, mas sim a sua adequabilidade ao futuro da mobilidade sustentável de baixo carbono, foi feita uma leitura de trabalhos técnicos citados nas referências, de onde excertos foram traduzidos e editados de forma livre, extraindo as informações básicas, mas mantendo o espírito do original e que melhor se complementam para gerar um panorama geral e atual, sem que isso represente que outros artigos não são fontes valiosas de informação, que serão importantes em um aprofundamento futuro do tema.

O interesse em tecnologias de energia que não dependam de baterias de alta capacidade para garantir a autonomia vem crescendo nos últimos anos, nos transportes, equipamentos portáteis e aplicações de energia estacionária. Entre as tecnologias limpas que ganharam grande atenção e investimento até o momento estão as células a combustível, pois sabe-se que uma célula a combustível é capaz de produzir eletricidade a partir de hidrogênio com alto rendimento.

Como o hidrogênio verde eletrolítico ainda têm desafios a superar na sua produção, custo, transporte e armazenagem, várias novas tecnologias em desenvolvimento para a produção de hidrogênio a partir da reforma do etanol e de outros combustíveis, facilitarão a antecipação da "era do hidrogênio" na mobilidade. No uso estacionário, onde uma usina termoelétrica normalmente gera eletricidade com eficiências de 40 a 45%, sistemas de célula a combustível podem alcançar eficiências de 65%. Equipamentos estacionários já em fase comercial indicam eficiência combinada do sistema da ordem de 85%iv;v.

As células a combustível que operam diretamente com hidrogênio produzem eletricidade, tendo a água e o calor gerado no processo como os únicos subprodutos. Quando se produz hidrogênio através da reforma de combustíveis haverá a produção de CO2 e pequenas quantidades de outros subprodutos como o monóxido de carbono e gás metano, que serão oxidados em à CO2 em um pós-queimador. Se o combustível for renovável todo o CO2 produzido é reciclável e não é contabilizado como gás de efeito estufa.

No uso veicular a conversão da energia química do combustível em energia mecânica em motores de combustão é limitada pelas leis da termodinâmica, cujos limites teóricos de rendimento estão bem abaixo dos que podem ser obtidos nas reações eletroquímicas das células a combustível. Protótipo veicular de um sistema de célula de combustível que teoricamente pode chegar a 92% da energia do combustível, na prática já atingiu 60%vi, que é uma redução importante do consumo energético em relação a um veículo convencional com um motor de combustão interna. Além disso, as células de combustível operam silenciosamente, possuem menos peças móveis, consequentemente com menor desgaste, e são adequados para uma variedade de aplicações móveis como geradores de eletricidade auxiliares, desempenhando um papel importante papel na implementação generalizada de fontes de energia renováveis limpas e com isso reduzir o consumo dos fosseis na mobilidade de baixo carbono.

Os tipos de células de combustível PEM (Proton Exchange Membrane) e SOFC (Solid Oxide Fuel Cell) são particularmente adequadas na aplicação de transportes, mas os veículos de células a combustível (FCVs) ainda necessitam de desenvolvimento.

FCVs de PEM e SOFC veiculares estão em estágio diferentes. Embora muito progresso tenha sido feito para veículos baseados na PEM até agora, já existindo a produção de veículos comerciais leves e de passageiros e inúmeras iniciativas para o transporte pesado, a contaminação do hidrogênio por monóxido de carbono CO ainda é um gargalo, mesmo para as novíssimas HT PEM que operam a temperaturas bem mais elevadas que as anteriores. A equação econômica da produção de hidrogênio no grau de pureza adequado, a sua distribuição e abastecimento de hidrogênio comprimido a 700 bar ainda precisa ser resolvida.

Já há projetos avançados utilizando a HT PEM com o hidrogênio produzido a bordo em reformadores de metanol, tecnologia que pode também ser usada com etanol e não deve ser descartada e sim acompanhada de perto.

A ideia aqui é incentivar o desenvolvimento local das SOFC, onde há muito ainda a ser melhorado para adotar esse tipo de célula a combustível em veículos, como tempo de partida prolongado, a dificuldade de alterar rapidamente o regime de operação, necessidade de isolamento térmico e dispersão de calor. A SOFC tem conquistado interesse significativo no Brasil e no exterior pela maior facilidade de utilizar a reforma a bordo de gás metano ou etanol abastecidos na rede de postos já existente. Além disso, a operação em alta temperatura da SOFC oferece muitas vantagens, como flexibilidade de uso de vários combustíveis, alta taxa de reação eletroquímica, tolerância a impurezas e o uso do calor rejeitado para outras funções. A temperatura de operação em torno de 600 Celsius, facilita a tolerância ao CO e ao mesmo tempo fornece calor para a reforma de combustíveis a bordo, um ponto de P&D que merece especial atenção. A reforma a vapor a partir do gás natural é o processo mais usado para produzir hidrogênio e gás de síntese, uma mistura gasosa cujo produto principal também é o hidrogênio. A eficiência deste processo em reformadores isoladamente com biometano, etanol e metanol já se situam na casa dos 80% e precisa se trabalhar para que o sistema total embarcado atinja valores de pelo menos 60%. Os catalisadores tradicionais usados em aplicações estacionárias têm níquel como fase ativa e são suportados em material refratário, tal como alfa-alumina. Estes catalisadores possuem melhor relação custo/benefício frente a outros mais ativos, mas apresentam efeitos colaterais indesejados, incluindo a desativação da atividade pela formação de coque e metano, e em veículos demonstram baixa resistência estrutural. Para a futura produção de hidrogênio veículos, uma solução promissora é a reforma catalítica a vapor de etanol utilizando reformadores de base metálica.

Foram feitos progressos significativos nos últimos três anos na reforma a vapor do etanol veicular, conhecida pela sigla ESR (Ethanol Steam Reform), principalmente na integração do reformador na célula SOFC, um conceito conhecido como reforma interna, usando um método de preparação apropriado dos catalisadores e usando a energia térmica gerada na SOFC, antes desperdiçada, para as pré-reações (vaporização) do ESR, além de aprimoramentos dos mecanismos de reação, minimizando a formação de coque e metano. A Nissan reportou recentemente que o sucessor do primeiro veículo movido por SOFC que foi apresentado no Brasil em 2016xv já conta com uma nova versão em testes que incorpora este avanço com resultados muito animadores.

Este deve ser o ponto de partida no Brasil. A escolha de um catalisador apropriado, com um controle preciso do tamanho das partículas do leito catalítico, a resistência a oxidação do metal ativo e suporte metálico com resistência a deformações térmicas que permitam um processo de reforma eficiente a temperaturas levemente abaixo de 600 Celsius de forma robusta tem sido os principais alvos de pesquisas no Brasil e no exterior, mas além disso, serão necessárias novas linhas de pesquisa visando não só o desenvolvimento de catalisadores de alto desempenho, mas do sistema completo, integrado e compacto, incluindo trocadores de calor, arranjos térmicos e investigação adicional para diminuir as temperaturas de reação com abordagens de engenharia química em campos de reação não térmicos. Precisam ser estimulados programas de P&D específicos para alcançar eficiências elevadas do conjunto, com a performance e durabilidade adequadas durante o uso veicular nas condições de tráfego e de abastecimento locais em aplicações diferentes, como veículos comerciais urbanos e de longo percursos.

É importante que o sistema completo de geração de energia veicular usando células a combustível SOFC, e eventualmente a PEM HT, incorpore tecnologias de materiais, processos de produção e conhecimento técnicos no parque industrial nacional. Esta é a oportunidade de atualização tecnológica com penetração internacional da eletrificação veicular e da criação de alternativas à importação pura e simples de veículos elétricos com baterias de grande capacidade, já desenvolvidos no exterior pelas matrizes das montadoras locais, que com a capacidade de produção já instaladas podem cobrir a demanda global.

*Ricardo Simões de Abreu - Consultor da UNICA para assuntos de mobilidade, conselheiro da AEA e doutorando do programa de Bioenergia da Unicamp/USP/UNESP.

 

retirado da agência UDOP

 

 

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