As previsões para a próxima safra brasileira de grãos, que deve alcançar 289,8 milhões de toneladas, 14,7% mais do que na safra 2020/21, mostram como a agricultura brasileira resistiu aos impactos mais fortes da pandemia e readquiriu vigor quando os piores efeitos começaram a ser superados. Ainda assim, o número de brasileiros que passam fome aumentou. Obviamente isso não é consequência da falta de alimentos, mas da falta de renda. Entre outros muitos problemas que a covid-19 acentuou ou gerou está o do empobrecimento de parcelas da população mundial que já tinham dificuldades de acesso a bens e serviços essenciais.
O efeito da pandemia sobre a produção, distribuição e consumo de alimentos tem levado autoridades nacionais e organismos internacionais a discutir meios que mitiguem as consequências de crises futuras. Em relatório no qual avalia a capacidade de resistência da agricultura mundial à pandemia, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) aponta pontos de sustentação e de fragilidade nos diferentes países. Mostra também que, apesar de sua pujança -- visível não apenas nos números expressivos da produção e da produtividade, mas no espaço que conquistou no mercado mundial --, o agronegócio brasileiro não está livre de riscos.
O aumento da pobreza é uma das consequências sociais mais graves da pandemia observado em boa parte dos países, e não apenas nos mais pobres. No Brasil, segundo a FAO, das pessoas que perderam renda na pandemia, mais de 60% passaram a receber metade ou menos do que recebiam antes da crise sanitária; praticamente um terço perdeu de 25% a 50%. Em consequência, diminuíram os gastos com alimentação nos grupos mais afetados. Daí o aumento das pessoas que passam fome.
Mas a crise gerada pela covid-19 também acentuou alguns e permitiu identificar outros pontos de vulnerabilidade de um setor produtivo normalmente sujeito a crises causadas por enchentes, secas, guerras ou oscilações muito fortes dos preços. São vários os riscos a que está sujeita uma atividade essencial que produz 11 bilhões de toneladas de alimentos por ano e emprega, direta e indiretamente, 4 bilhões de pessoas, segundo a FAO. Também aqui o Brasil mereceu citação no relatório.
A produção de alimentos envolve um sistema complexo, com inúmeras fases e agentes. Crise numa etapa pode afetar todo o conjunto. A disponibilidade de infraestrutura adequada para permitir o escoamento da produção da fazenda até os centros de distribuição, comercialização ou exportação, por exemplo, está entre os principais fatores da eficiência do setor.
No Brasil, onde predomina o transporte rodoviário, a rede de estradas é insuficiente, sua conservação é precária em vários pontos e faltam rotas alternativas em caso de anormalidades. Assim, chuvas fortes podem interromper importantes redes de escoamento da produção em direção aos centros de consumo ou aos portos, o que encarece o produto e cria o risco de perda de parte da carga ou de interrupção do abastecimento. Greves de caminhoneiros mostraram como o transporte nacional de mercadorias pode ser prejudicado com a paralisação do fluxo em pontos nevrálgicos da malha rodoviária. No limite, fragilidades como essa podem resultar em crise de suprimento ou alta de preços internacionais.
A concentração das exportações em determinados mercados ou em determinados produtos é outro risco à produção agrícola apontado pelo relatório da FAO. O Brasil é frágil também nesse ponto. No Brasil e na Argentina, diz a FAO, mais de 70% das exportações de proteína vegetal estão concentradas em dois produtos, soja e milho. Essa concentração torna o País mais vulnerável a choques de preços dessas commodities. Também a concentração das exportações agrícolas em um mercado, no caso o da China, aumenta a vulnerabilidade da agricultura brasileira.
A FAO adverte que, por ser o Brasil um grande exportador agrícola, o que acontece aqui pode afetar o mercado mundial de alimentos -- além, obviamente, do mercado doméstico.
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