A competitividade e a valorização da agricultura - Por Edivaldo Domingues Velini

A competitividade e a valorização da agricultura - Por Edivaldo Domingues Velini

Reli o artigo sobre inovação que escrevi em 2018 e constatei que inovar continua sendo uma das maiores necessidades no Brasil. Possivelmente, em um contexto um pouco diferente. Inovações não se limitam a novos produtos e processos. Também precisamos das inovações organizacionais e na comunicação, que abordarei neste artigo.
 
Sem deixar de tratar de novos produtos e processos, reconhecidos mais facilmente como inovações, a nossa agricultura tem sido extremamente efetiva em produzi-los. Chamo de “agricultura” toda a produção de alimentos, fibras, bioenergia e serviços ecossistêmicos. Há uma infinidade de exemplos de novas tecnologias a citar. Aprendemos, como nenhuma outra nação, a fazer controle biológico; usar racionalmente agrotóxicos e fertilizantes; fixar simbioticamente nitrogênio; colher mecanicamente culturas anuais, café e cana-de-açúcar; combinar biotecnologia e melhoramento genético clássico; propagar vegetativamente várias culturas; fazer plantio direto e cultivo mínimo. 

Mas gostaria de destacar o desenvolvimento de sistemas de produção, utilizando culturas perenes ou culturas anuais em sequências, o qual permite manter a terra ocupada em praticamente todas as épocas do ano em que há disponibilidade de água e luz para suportar o crescimento vegetal.

Em culturas anuais, é comum a realização de dois ciclos de cultivo sem uso de irrigação. Em termos de culturas perenes, cana-de-açúcar e eucalipto, possivelmente, correspondem às alternativas mais eficientes já desenvolvidas pela humanidade para captar e armazenar a energia solar em suas biomassas. Além disso, elas têm contribuído para que a matriz energética brasileira seja uma das mais sustentáveis do mundo, mas esse fato é pouco conhecido em nossa sociedade.

Tratando de organização, o Brasil é um país com alta participação do Estado, em seus três níveis, na economia e em praticamente todas as nossas atividades cotidianas. A maioria dos brasileiros desconhece esse fato, mas o orçamento público no Brasil corresponde a aproximadamente 2/3 do nosso PIB. E a execução desse orçamento ocorre 65,3% ao nível federal e apenas 19,4% e 15,3% aos níveis estadual e municipal, respectivamente. 

Do orçamento total em 2022, 52,2% foram dedicados ao pagamento de encargos de dívidas e à previdência social, totalizando 3,4 trilhões de Reais. Essas informações são de fácil acesso e constam de documentos públicos, produzidos anualmente pelo Tesouro Nacional, intitulados BSPN - Balanço do Setor Público Nacional. 

Vale a pena estudá-los para compreender melhor como se organiza nosso País. E por que inicio esse texto trazendo essas informações? Por dois motivos principais:
1) em muitas ocasiões a lógica do Estado não é a da promoção do desenvolvimento, mas a do aumento de arrecadação;
2) precisamos urgentemente discutir o tamanho e o modelo do Estado que queremos, o que passaria por uma reforma administrativa que, em minha modesta opinião, está muito longe de ocorrer.

Também vivemos em um país extremamente regulamentado. Todas as nossas atividades são impactadas por alguma norma. Algumas são modernas e eficientes e outras são ultrapassadas e obsoletas. A nossa Lei de Biossegurança, o Código Florestal e os Marcos Regulatórios da Inovação e do Saneamento são exemplos de legislações funcionais que contribuem para a organização de setores da economia, mesmo havendo críticas. 

Considerando que a reforma tributária está em andamento, podemos citar como exemplos de legislações antigas e que precisam ser reformadas, a lei dos Agrotóxicos, de 1989, e a lei de licitações, de 1993. A lei dos agrotóxicos é anterior ao uso rotineiro da nanotecnologia, biotecnologia e agricultura de precisão, por exemplo. E a lei de licitações não prioriza qualidade ou sustentabilidade e limita-se a estabelecer rituais que também não garantem que os objetivos das despesas serão atingidos. Atualizar e harmonizar normas deveria ser uma atividade constante em uma jovem democracia como a nossa. Infelizmente não tem sido.

Agora tratando da necessidade de inovar em comunicação, tenho participado de vários eventos ligados à agricultura em que tem sido recorrente a constatação de que precisamos melhorar a nossa comunicação com a sociedade. Mesmo entre os que trabalham com agricultura ou agroindústria a comunicação é precária. Há informações fundamentais sobre o setor que não são compartilhadas ou difundidas na escala em que deveriam ser. O desconhecimento que mais me impressiona atualmente é sobre a nossa matriz energética e sobre a contribuição das biomassas para a sua sustentabilidade. 

Mesmo profissionais que trabalham com bioenergia desconhecem total ou parcialmente essas informações. Sobre fontes de energia, recomendamos a consulta aos Relatórios Síntese BEN que são publicados anualmente e tratam do Balanço Energético Nacional. O último disponível é o BEN 2022 que traz as informações de 2021.

Nesse ano, observamos que as fontes renováveis contribuíram com 44,7% de toda a produção de energia no Brasil, superando amplamente a média mundial (14,15%) e a média dos países membros da OCDE (apenas 11,5%). A cana-de-açúcar é a principal responsável pela produção de energia renovável, tendo contribuído com 16,4% do total. Lenha, carvão e lixívia de eucalipto, principalmente, contribuíram com 9,2%. O biodiesel correspondeu a 0,44%. A participação total das biomassas e seus produtos foi de 27,63%.

Para se ter como referencial, as participações da energia hidráulica, eólica e solar (térmica e fotovoltaica) foram 11%, 2,32% e 5,5%, respectivamente. A produção de energia hidráulica e solar, somadas, equivalem à produção de energia a partir de cana-de-açúcar. É muita energia que essa cultura produz.
 
É importante enfatizar que os países desenvolvidos membros da OCDE não são exemplos em termos de produção de energia renovável. Por outro lado, o Brasil tem se tornado um exemplo em escala mundial em termos de produção de energia renovável, com participação expressiva e crescente das biomassas, da energia solar e da energia eólica. Esse fato precisa ser amplamente divulgado e conhecido em termos nacionais e internacionais. Precisamos e merecemos ser reconhecidos por isso.

Voltando aos papéis da agricultura no Brasil, se a contribuição para produção de energia é notável, igualmente notável é a capacidade de empregar, gerar renda e superavit comercial, produzir alimentos, fibras e serviços ecossistêmicos, como a assimilação de carbono. Fazemos tudo isso utilizando aproximadamente 7,5% do nosso território e com possibilidade de aumentar a nossa produção, sem precisar desmatar novas áreas. Temos um Código Florestal e fiscalizações que garantem isso. O aumento da nossa produção tem se baseado no emprego da tecnologia para aumentar a produtividade.

Mas para continuarem sendo competitivas, a agricultura e a agroindústria brasileiras precisam, urgentemente, da atualização de várias normas. A revisão dessas normas deve ser baseada no conhecimento e ter como objetivos o desenvolvimento sustentável e o bem da nossa gente.
 

*Edivaldo Domingues Velini: Professor de Controle de Plantas Daninhas da Unesp-Botucatu

 

Revista Opiniões  (Nov-Jan 2024)