A corrida com barreiras na maratona climática – Por Paulo Hartung

A corrida com barreiras na maratona climática – Por Paulo Hartung

Ainda no espírito olímpico, temos tudo para subir ao pódio da sustentabilidade global.

Que o espírito da atual Olimpíada nos permita perceber que a corrida contra as mudanças climáticas, tema que frequenta a agenda há algumas décadas, agora virou corrida com barreiras, rumo a uma economia de baixo carbono, na verdadeira maratona pela sobrevivência no planeta. Com Joe Biden, os Estados Unidos anunciaram meta de carbono-neutralidade, enquanto a Alemanha apostou em pacote trilionário pela retomada verde e a China se comprometeu a reduzir suas emissões até 2060, para citar exemplos de alguns dos líderes nessa rota para o amanhã.

Confirmando sua ambição de ser potência regulatória global, que se beneficia da crise do multilateralismo e até da relativa timidez de atores como o Brasil, foi da União Europeia o passo mais firme nessa direção, ao lançar, em 14 de julho, o Fit for 55 (Prontos para o 55). Trata-se de ambicioso pacote de medidas para transformar a maneira de fazer negócios no bloco e com o bloco, reduzindo emissões de CO2 em 55% até 2030 e até a neutralidade em 2050.

Entre as medidas, o mecanismo de taxação de carbono na fronteira (CBAM, na sigla em inglês) é o que tem maior impacto econômico. Na definição do bloco, visa a corrigir desníveis entre as ambições climáticas da região e as do resto do mundo, no chamado “vazamento de carbono”, que prejudicaria a competitividade da indústria europeia. Na seleção dos setores a serem inicialmente atingidos pelo CBAM estão aço, ferro, cimento, fertilizantes, alumínio e eletricidade.

Embora esse unilateralismo europeu também reflita motivações protecionistas, só apontar esse vício de origem não resolve. Ao contrário, tal atitude não pode inibir outras ações para a proteção de nossos interesses. Parecem inevitáveis recursos e outras reações no âmbito da OMC, por configurar barreira ao comércio, porém já há sinais de iniciativas semelhantes que estariam em consideração em outros países.

Para além de nossas críticas, o pacote europeu também deveria provocar entre nós uma profunda reflexão sobre por que o Brasil, apesar de nossos atributos como inquestionável potência agroambiental – lar da maior biodiversidade, da maior área de florestas tropicais, de 12% da água doce do planeta, gigante na produção do agronegócio –, admite ser mero caudatário de decisões sobre as quais não pode abdicar de exercer efetiva influência. Este era para ser o momento do protagonismo brasileiro.

Contudo a realidade que não podemos ignorar é que a transição para a nova economia de baixo carbono encontra o Brasil com imagem ambiental abalada. Parte, reconheçamos, é até imerecida, pois a revolução verde, que em meio século levou o Brasil de importador a relevante exportador de alimentos, está assentada em ganhos de produtividade, em ciência e tecnologia para a tropicalização de técnicas no campo.

Essas conquistas podem prosseguir sem a necessidade de expansão de fronteiras que impliquem desmatamento, este, sim, o grande problema atual do Brasil, a nossa principal fonte de emissões de gases de efeito estufa e a questão que mais impacta negativamente a imagem. Cabem respostas fortes de combate ao desmatamento ilegal, às queimadas e aos garimpos, à grilagem de terras e demais crimes, em especial na Amazônia.

A agenda da sustentabilidade, patrimônio civilizacional das atuais e futuras gerações, já deixou de ser temática exclusiva para iniciados. Agora está presente na vida dos consumidores, nas projeções de investidores e empreendedores, na educação de crianças e jovens. Incumbe a cada um de nós fazer a diferença, em padrões de consumo, nas exigências de rastreabilidade, renovabilidade e circularidade.

Se coubesse comparação, não seria exagero afirmar que as questões climáticas e ambientais estão para o atual sistema internacional como estavam, durante a guerra fria, os problemas do desarmamento e da não proliferação nuclear. Naqueles tempos sombrios da bipolaridade e do equilíbrio do terror da aniquilação nuclear, um país como o Brasil dificilmente passaria de espectador do jogo de poder mundial. Hoje, ao contrário, nenhuma negociação sobre o futuro do planeta pode avançar sem que o Brasil seja parte da solução.

Assim, mais do que apenas criticar a União Europeia ou outros países por seu ativismo, sejamos nós também parâmetro formulador de novos padrões. Que essa régua alta leve o Brasil a ter seu próprio mercado de créditos de carbono, avance nas finanças verdes e no ESG (meio ambiente, social e governança, na sigla em inglês), ao mesmo tempo que se organize para chegar a Glasgow como protagonista da conclusão do Acordo de Paris.

Ainda no espírito olímpico, temos tudo para subir ao pódio da sustentabilidade global. Precisamos sair da plateia e entrar em campo para transformar as potencialidades do Brasil em oportunidades para brasileiras, brasileiros e para todo o planeta, contribuindo para que a corrida com barreiras se transforme numa corrida de revezamento, em que se compartilhem contribuições, soluções e responsabilidades. A vitória, premiação coletiva, é a garantia da vida sustentável para as atuais e futuras gerações

*Paulo Hartung é presidente executivo do IBÁ e foi governador do Estado do Espírito Santo

 

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