A difícil descarbonização e suas implicações para o petróleo - Por Vinícius França

A difícil descarbonização e suas implicações para o petróleo - Por Vinícius França

O preço do petróleo superou, com folga, o nível pré-pandemia, abrindo brechas para discussões não usuais para quem acompanha o setor. Para alguns, o patamar reflete uma recuperação cíclica e, portanto, temporária, sendo a tendência secular ainda de queda com a transição energética. Para outros, já existe uma preocupação estrutural com a insuficiência de oferta de petróleo na busca de acelerar essa transição. O debate é acirrado, o que gera a construção de cenários díspares de longo prazo em que circulam projeções de preço muito acima e abaixo da corrente e uma das premissas que justifica esse desvio é o comportamento humano em endereçar o aquecimento global.

Se a produção de petróleo demonstra recuperação, o ritmo vem sendo caracterizado como lento. O co-head de trading de óleo da Trafigura, Ben Luckock, comentou no FT Commodities Global Summit que “a falta de investimento é real e, nos últimos sete anos, perdemos dois terços do orçamento para exploração e produção no mundo”. Segundo o Global “Sustainable Investment Alliances”, o investimento sustentável ultrapassou US$ 35 trilhões e o dono do capital parece menos interessado em fomentar a indústria de óleo. As petrolíferas sofrem pressões de outros grupos também. A Shell, por exemplo, passou por um revés histórico quando um tribunal na Holanda ordenou que a empresa reduzisse suas emissões de carbono em 45% até 2030 em relação aos níveis de 2019.

A transição energética não pode ir de encontro a outros objetivos de sustentabilidade como a energia para todos

Diferentes estratégias na redução de carbono terão efeitos no petróleo. Estimular fontes de energia renováveis é a diretriz mais clara. A Agência Internacional de Energia Renovável, porta voz nessa transição, prevê que o uso de combustíveis fósseis tem que cair mais de 75% até 2050. A Agência Internacional de Energia (AIE) corrobora a visão de que para atingir o carbono neutro, uma queda na demanda de óleo é mandatória. A agência surpreendeu ao recomendar que nenhum investimento adicional em novos projetos de petróleo deveria ir adiante.

Nem todos concordam. Questionado sobre esse cenário da AIE, o ministro árabe de energia, o príncipe Abdulaziz bin Salman, indagou por que deveria levar isso a sério. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) reconhece o crescimento da energia renovável, mas projeta no relatório “World Oil Outlook” um crescimento no consumo de petróleo até 2045. O grupo parece favorecer alternativas focadas em eliminar emissões, em vez de evitá-las.

Sultan Al Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Co, disse em uma conferência que “não há um plano crível de descarbonização sem a captura e armazenamento de carbono”. Por sua vez, a presidente da petrolífera Occidental Petroleum afirma que “o que as pessoas parecem não entender é que não deveríamos estar falando de eliminar combustíveis fósseis, mas de como eliminar as emissões de carbono. Um mundo sem carbono não pode ser atingido sem a indústria de petróleo”.

Existe ceticismo na comunidade científica quanto a isso, mas há mérito, ainda que possa conter um viés, em a Opep afirmar que a transição energética deveria se dar sem gerar tanta volatilidade. Segundo o Secretário Geral Barkindo “é vital que investimentos continuem sendo feitos em todas as fontes de energia para garantir suprimento estável e contínuo e ultimamente reduzir emissões” e ele é cirúrgico ao dizer que se a oferta cair de maneira mais acelerada que a demanda a população mais pobre sofrerá mais. Se para um grupo, o preço alto do petróleo é justamente o necessário para estimular os renováveis, outros alertam que os custos sociais disso comprometem esse objetivo.

Esse receio já se mostra vivo entre governantes, e políticas ligadas à descarbonização estão sendo reavaliadas devido ao ambiente inflacionário. Essa conjuntura vem sendo chamada de “a revanche da economia antiga” e suas consequências sociais sugerem que o processo de transição energética não pode ir de encontro a outros objetivos de sustentabilidade como a energia acessível a todos.

Nos Estados Unidos, o presidente Biden em uma de suas primeiras medidas suspendeu novas concessões de petróleo em terras federais. Pouco tempo depois, vemos a Casa Branca pressionando a Opep por aumento de produção e sinalizando a liberação de reservas estratégicas de petróleo. Biden reconhece a aparente contradição no Rome Summit quando diz “na superfície parece uma ironia, mas a verdade é que todo mundo sabe que não mudaremos da noite para o dia para energia renovável. Simplesmente não é racional”.

A Europa enfrenta um preço recorde de gás natural. O continente que propõe acabar com a venda de carros movidos a combustíveis fósseis em 2035 hoje tem dificuldades de garantir o aquecimento de suas moradias durante o inverno e parte da solução passa pela queima de carvão e petróleo. Na China, diante da escassez de energia, as minas de carvão foram orientadas a operar a plena capacidade e segundo Yang Weimin, um membro do Chinese People’s Political, “os cortes de energia em setembro mostram que nós não estamos preparados o suficiente”.

Dezenas de países ainda têm políticas que subsidiam combustíveis e a discussão tem sido de aumento desse mecanismo e não o inverso. Um estudo da Purdue University’s Center concluiu que o fim desses subsídios já seria responsável por reduzir a emissão de gases poluentes em 3.2% até 2030.

A transição energética vai demandar também um rearranjo do comércio global e de relações diplomáticas. Os Estados Unidos podem se sentir vulneráveis por não dispor de certas commodities de uso intensivo em fontes renováveis e um erro de cálculo pode inclusive aumentar sua dependência de petróleo junto à Opep que projeta um ganho de sua participação de mercado de 33% para 39% em 2045.

Por hora, a insatisfação é geral. Se a inflação incomoda, também não traz alívio a temperatura no mundo ter atingido em 2020 patamar semelhante a 2016, o maior já registrado segundo a Nasa. Se uma pesquisa elaborada pela Universidade de Oxford com 1,2 milhão de pessoas conclui que para a maioria delas o aquecimento global é uma emergência, outra pesquisa realizada pela Norstat na Noruega (país mais verde do mundo segundo o Global Country Index) atesta o apoio continuado do povo norueguês à exploração de petróleo.

Como as sociedades vão conciliar essas demandas permanece um mistério e talvez o presidente da AIE, Fatih Birol, tenha razão ao afirmar que a descarbonização seja o maior desafio da humanidade. Portanto, não poderia ser diferente para quem almeja fazer projeções de longo prazo para o petróleo, com o fomento de cenários contraditórios entre si.

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