A Importante Reconquista do Hidratado - Por Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Quais são os fatos e impactos na cana?
A estimativa de produção de cana da UNICA para 2017/18 já reflete quebras: 585 milhões de toneladas (35,2 milhões de toneladas de açúcar, queda de 1,2% e 24,7 bilhões de litros de etanol, com mix de 47% para o açúcar). Trata-se de uma produção 3,6% abaixo, sendo o menor volume desde 2014/15, lembrando que foi de 607,1 milhões em 2016/17 e 617,7 milhões em 2015/16. Temos pouca cana neste ano!
A idade média está em 3,72 anos, ante os 3,55 do começo do ciclo passado, portanto, canavial mais velho, estruturalmente estamos um pouco pior.
Já a quantidade de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) por tonelada será de 134,40 kg, acima dos 133,03 kg de 2016/17;
A área é cerca de 1% menor e a produtividade deve cair 2%, para 74 toneladas/ha contra 76,6 t/ha em 2016/17. Esta safra de 2017/18 também apresenta pouca cana bisada (8% em 2016/17 e 1% nesta);
Já pela CONAB, cai em 1,5% o volume de cana na safra 2017/18, para 647,6 milhões de toneladas (Brasil) e queda de 1,1% no ATR, ficando em 133,1 kg/t. Esperam no Centro-Sul cerca de 598 milhões de toneladas (2,4% a menos ) e um ATR de 133,5 kg/t, 0,8% a menos (queda de 0,8%);
Terminado o primeiro mês de processamento (abril) no Centro Sul, estamos mais lentos que na safra passada, como era de se esperar, devido ao menor volume de cana bisada. A moagem segundo a UNICA atingiu 41,71 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, 39,7% a menos que abril de 2016. O total de Açúcares Totais Recuperáveis (ATR) ficou em 110,72 kg/t, 5,6% a menos que na safra anterior. Foram produzidos no mês 41,71 milhões de toneladas de açúcar (-39,7%) e 1,62 bilhão de litros de etanol (-41,87%);
Quando terminava esta coluna, os preços do petróleo começavam a reagir, o que é uma boa notícia às commodities, em particular à cana e a região canavieira do estado de São Paulo neste momento banhada com chuvas maravilhosas, um bom volume para segunda quinzena de maio. E nós banhados com uma sequência infinita de escândalos da classe política e suas relações com o frigorífico.
Quais são os fatos e impactos no açúcar neste maio?
A Conab acredita em produção de 38,702 milhões de toneladas, sendo 35,466 no Centro-Sul. Para a CONAB o mix salta de 45,9% para 47,1% de açúcar. A OIA projeta o Brasil com 38,8 milhões de toneladas e o USDA acaba de divulgar que a nossa safra 2017/18 deve ter 39,7 milhões de toneladas sendo que o mundo terá uma produção recorde de 180 milhões de toneladas. Precisamos tirar um pouco deste açúcar do mundo via hidratado!
FCStone: déficit global de açúcar em 2016/17 (início em 1 de outubro) caiu de 8,5 milhões para 8,1 milhões de toneladas desde a previsão de fevereiro, devido à redução da demanda de 184,9 milhões de toneladas para 183,6 milhões, justificado por preços mais elevados na Índia e redução do poder de compra, mesmo fator observado no Brasil. Esperam também produção maior na Tailândia e menor nos EUA e NE do Brasil, devido à seca;
O. Licht acredita em expansão mundial de quase 13 milhões de toneladas nesta temporada 2017/18;
Sucden: ciclo atual no açúcar deve registrar saldo de 1 milhão de toneladas. Acreditam em produção brasileira de 35 milhões de toneladas na safra 2017/18 e 36,5 milhões em 2018/19. No caso da Índia a previsão é de déficit de 5 milhões de toneladas em 2017/18. Preveem Tailândia produzindo 11,1 milhões de toneladas e União Europeia com 18,2 milhões de toneladas;
Datagro acredita que após os dois anos de déficit, no ciclo 2017/18 deve ter equilíbrio. Analise fundamentada em problemas climáticos na Índia e boas produções de União Europeia e Tailândia. Seu número é de déficit de apenas 194 mil toneladas, ainda com chances de alteração devido ao El Nino.
Houve queda de consumo no mercado indiano, em cerca de 1 milhão de toneladas (de 25 para 24 milhões de toneladas). Tirou-se um subsídio dado a famílias mais pobres, que consomem 10% do total. Esperam produzir 20,2 milhões de toneladas nesta safra, mas tem estoques perto de 5 milhões de toneladas suficientes até o início da safra em outubro;
Acredita-se que o preço médio do hidratado neste ciclo pode ficar ao redor de 14,50 a 15,00 centavos de dólar a libra-peso, o que pode verter cana para etanol, contribuindo para enxugar açúcar do mercado. Se o mix cair abaixo de 46% o Brasil tiraria do mercado cerca de 3 milhões de toneladas.
Além disto, podemos ter recuperação do consumo de combustíveis mais forte no segundo semestre, puxando o etanol e consequentemente o açúcar.
Temos que observar os congestionamentos que a grande produção de grãos causará nos fretes e nos portos brasileiros, e pode tumultuar as exportações de açúcar. Ano passado houve quebra da safrinha de milho, mas este ano será gigante.
Preços médios do açúcar cristal pelo CEPEA estão em R$ 76 a saca de 50 kg.
No cabo de guerra dos preços, de um lado temos a falta de cana, menor produtividade, riscos climáticos, aumento do consumo de combustíveis e de açúcar no mundo. Aparentemente o câmbio já se acalmou após o escândalo político mais recente, que tenderia a derrubar os preços em dólar, pelo fato de sermos grandes exportadores. Aconteceu o contrário. Real derreteu 8% num dia e o açúcar subiu. Interessante! Meu viés é neste momento e pelos fatores colocados nesta coluna, de ligeira alta para o açúcar.
Quais são os fatos e impactos no etanol neste mês?
Março trouxe recuperação no consumo de combustíveis. Pela ANP, tivemos 2% de crescimento, num total de 11,84 bilhões de litros. No primeiro trimestre houve queda de 1,6% na média, puxada para baixo pelo diesel. A gasolina teve aumento de consumo de 5,78% em março (3,94 bilhões de litros) e de 6,6% no trimestre. O hidratado caiu 11,1% em março e 20,9% no trimestre. O primeiro trimestre para veículos do ciclo Otto foi de alta de 1,45%.
Má notícia é a venda de etanol até o momento. Em abril foi de 1,728 bilhão de litros sendo 1,619 bilhão vendidos internamente e 109,04 milhões exportados. É uma importante queda de 16,66% em relação a 2016. As vendas internas de hidratado somaram 956,96 milhões de litros neste abril, quase 20% a menos que abril de 2016. O anidro também caiu quase 20% em relação ao mesmo mês da safra anterior, para 661,74 milhões de litros. Parte disto se justifica pelo fato dos distribuidores desovarem estoques que tinham que manter até o dia 31 de março;
Estimativa da UNICA: no caso do etanol, a perda maior nesta safra será no hidratado, que deverá cair 7,6%, para 13,86 bilhões de litros. A produção do anidro deve aumentar 1,7%, para 10,84 bilhões de litros;
Segundo o CEPEA/ESALQ o anidro estava no inicio de maio em R$ 1,6596/litro (sem PIS/Cofins) e o hidratado em R$ 1,4591/litro, também sem a incidência dos impostos. Na última semana de abril estavam 11% acima de 2016, contribuindo favoravelmente na equação do Consecana;
O MME lançou o RenovaBio ao passo que a Petrobras lançou o Combustível Brasil e o MDIC o Rota 2030. O RenovaBio já conhecemos, mas o Combustível Brasil vai na contramão dos esforços ambientais e defende ampliar da produção de gasolina e diesel. O Rota 2030 olha desempenho veicular, eficiência de motores. Um dos argumentos da Petrobras para se posicionar contra o RenovaBio é o da emissão dos chamados geradores de poluentes secundários, tais como os aldeídos e outros compostos oxigenados. Deve ser melhor estudado;
FCStone: em MT, GO e MS está mais vantajoso produzir etanol, pois os preços do hidratado estavam em inicio de maio no valor de 15,85 centavos de dólar a libra-peso em Goiás, 15,60 centavos em Mato Grosso do Sul e 17,40 em Mato Grosso, o que corrobora meu pensamento acima no caso do açúcar;
Estimativa da Archer Consulting com premissa de expansão do canavial em 2% ao ano até 2021/22 e mix de açúcar de 47/48% com frota de 41,5 milhões de veículos (9 milhões a gasolina e 32 milhões de veículos flex) e 14 milhões de motos aponta déficit de 10,6 bilhões de litros de etanol, o que forçará importação dos EUA. Para 2030 estimam um consumo total de 75,7 bilhões de litros de combustível, sendo 40,1 bilhões de litros de gasolina A (sem mistura) e 35,6 bilhões de etanol (14,8 de anidro e 20,8 de hidratado);
Os EUA seguem firmes na produção de biocombustíveis. Em 2016 produziram o recorde de 15,3 bilhões de galões de etanol e 2,9 bilhões de galões de biodiesel. Muitos mercados dos EUA já usam o B20, desde frotas municipais, agrícolas e outros. No caso do etanol, tem crescido o mercado do E15 em diversos locais, oferecidos em 700 postos em 30 Estados. O E85 é oferecido em 3.870 postos em mais de 2.250 cidades;
Continua a pressão para uma tarifa de até 20% sobre as importações de etanol dos EUA, como comentei mês passado. Foram importados 720 milhões de litros no primeiro trimestre, num valor de US$ 363 milhões. Precisamos estudar muito as possíveis implicações. Vale dizer que a China voltou a praticar uma tarifa de 30% sobre o etanol. Na minha leitura a justificativa ambiental, que será o cerne do RenovaBio é a que deve ser usada, e de quebra negociar abertura do mercado do mercado americano de açúcar;
Houve também neste mês a publicação no "Diário Oficial da União" a norma que importadores de etanol precisam seguir mesmas regras dos produtores nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que requer manutenção de estoques mínimos e comprovar capacidade para atendimento do mercado. Portanto o importador, acompanhado pela ANP deve armazenar o chamado “volume estratégico mínimo” em estoque próprio, e para isto observar as proporções estabelecidas.
Curiosidade: a Companhia Müller de Bebidas Cachaça 51) gera sua própria cana e etanol usados na destilação, em terras próprias ou arrendadas. Sua produção é de 630 mil toneladas em cerca de 9 mil hectares, realizadas pela Vale do Xingu, agrícola controlada da Müller;
Temos pouca cana, estamos gerando menos produtos, e o hidratado pode voltar a um consumo maior... Minha aposta é de alta a safra, mesmo tendo caído mais 2% nesta semana, segundo o CEPEA (anidro a R$ 1,6119 o litro, sem PIS/Cofins e hidratado a R$ 1,4192 também sem PIS/Cofins).
Fechando a conversa do etanol neste mês, temos que torcer para o consumo se recuperar rapidamente com a baixa de preços nos postos. O petróleo subindo dará oxigênio para vendas de etanol, temos consumo crescente e moagem menor, além de menos cana, fatores altistas. Com os fatos deste momento, aposto em manutenção de preços agora, mas boas perspectivas de aumentos na segunda metade da safra, portanto eu não venderia, se tivesse caixa para aguentar!
Também desejo estômago para que possam aguentar este lamaçal chamado democracia brasileira. Cara, corrupta e ineficiente. Temos que ver a melhor alternativa agora para chegar ao final de 2018 fazendo as reformas que o Brasil precisa e nas eleições de 2018 fazer uma assepsia generalizada.
Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto. Em 2013 foi Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) e desde 2006 é Professor Visitante Internacional da Universidade de Buenos Aires e Membro do Conselho da Orplana. Este material é um resumo mensal feito sobre assuntos de relevância à cadeia da cana de açúcar. (favaneves@gmail.com).