A logística dos combustíveis no Brasil tem uma importância pouco conhecida pela maior parte da sociedade. Não deixar faltar combustíveis num país de grandes dimensões continentais e onde fontes renováveis como o etanol e o biodiesel convivem com gasolina e diesel no atendimento dos consumidores é uma tarefa altamente complexa. Hoje o País ocupa a 7.ª posição do ranking de maiores consumidores de derivados de petróleo do mundo.
Os combustíveis fósseis têm a maior participação na matriz de transportes do País (69,4%), mas a participação das fontes renováveis é crescente. Em 2019, para atender à demanda por combustíveis, foram colocados no mercado 65 milhões de metros cúbicos (m³). Deste total, 37% de gasolina A e 63% de óleo diesel e 24,9 milhões de m³ de etanol hidratado. Pela legislação atual, para a venda ao consumidor final é obrigatória a mistura de 27% de etanol anidro à gasolina A e de 11% de biodiesel ao óleo diesel. É sempre bom lembrar o pioneirismo do Brasil no uso de biocombustíveis no setor de transporte.
No Brasil, as regiões produtoras de biocombustíveis se concentram no centro do País, enquanto a produção e a importação de derivados de petróleo ocorre na costa, por causa da localização das refinarias e dos portos. Isso para suprir uma demanda que se concentra em mais de 50% nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Para atender a esse desafio, o País tem uma grande dependência do modal rodoviário. A rede de dutos e ferrovias do Brasil ainda é bem reduzida: enquanto a malha americana é de 294 mil km, a brasileira é de apenas 31 mil km; e o conjunto de oleodutos de transporte do Brasil é composto por cerca de 8 mil km, enquanto os EUA possuem 335 mil km.
Os terminais são uma infraestrutura essencial para a importação de combustíveis. Usados para armazenagem e, também, para a mistura de biocombustíveis com derivados de petróleo, os terminais otimizam a logística de transporte ao se posicionarem perto da demanda. No Brasil atualmente existe um déficit de terminais, ocasionando uma ineficiência logística cujo custo é, hoje, estimado em R$ 2,6 bilhões por ano.
Sem a existência dos terminais em pontos estratégicos, o volume de biocombustíveis percorre um caminho muito maior para a realização da mistura, antes de ser colocado à disposição para o consumo final. Em Brasília, por exemplo, pela falta de um terminal, a mistura é realizada num porto, ampliando a distância percorrida em cerca de 921 km. Neste caso, o biocombustível produzido em usinas localizadas em Goiás é levado ao Porto de Santos (SP), para a mistura ao combustível fóssil, e só a partir daí se faz a distribuição aos postos.
É evidente a necessidade de ampliação da infraestrutura de movimentação de combustíveis no Brasil, sobretudo os dutos, terminais, ferrovias e cabotagem. Esse tipo de expansão reduzirá significativamente o custo do abastecimento, por serem alternativas mais econômicas do que o transporte rodoviário.
As projeções de aumento da demanda de combustíveis tornam urgente a necessidade de projetos para a garantia do futuro do abastecimento de combustíveis. Para tanto, é preciso tornar o setor atrativo para os investimentos, por meio de estabilidade regulatória e segurança jurídica.
Porém não é isso o que estamos vendo e assistindo. Ao contrário, declarações de que haveria um passeio de combustíveis pelo Brasil, demonizando o papel das distribuidoras, vão acabar comprometendo o abastecimento em todo o País. As soluções apresentadas, como a venda direta de etanol das usinas para os postos, das refinarias para os postos; Transportador-Revendedor-Retalhista (TRR) vendendo direto para os postos; e postos importando diretamente, não reduzirão os preços dos combustíveis e vão comprometer a segurança de abastecimento, a qualidade dos produtos e fazer aumentar a sonegação.
Não existe passeio de combustíveis no Brasil. O que existe é uma configuração de portfólio de produtos com alto grau de movimentação de biocombustíveis e de fósseis que coloca o Brasil na pole position de matriz energética mais limpa do planeta.
*Texto originalmente publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Adriano Pires é Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)