A Nova Agricultura Canavieira - Por Dib Nunes Jr.

A Nova Agricultura Canavieira - Por Dib Nunes Jr.

Muito tem se falado de uma Nova Agricultura Sustentável, muito diferente do que se pratica hoje no sistema Plantation – com grandes áreas cultivadas com uma só cultura, a monocultura.

A cana-de-açúcar, bem como a soja, são culturas muito visadas por aqueles agro ecologistas que sonham com uma agricultura totalmente orgânica, livre de defensivos e fertilizantes químicos, pensando ser esta a única solução para salvar o mundo.

Exageros à parte, teremos que olhar para todos os conceitos e tecnologias existentes e filtrar o que é possível e é viável se aplicar para reduzir o volume de gases de efeito estufa, emitido por essas culturas que ocupam extensas áreas de cultivo.

Na soja, a coisa parece mais evoluída do que na cana-de-açúcar, pois há tempos se pratica o plantio direto e a inoculação com Rhizobium, mesmo assim, ainda é alvo de críticas, pois usa grandes quantidades de produtos químicos e por conta disso, está colhendo safras cada vez mais produtivas.

Por outro lado, no complexo sistema de produção da cana-de-açúcar, novas tecnologias estão surgindo, muitas delas quase que exclusivamente pelas mãos dos próprios agricultores, que perceberam que o sistema tradicional de produção parece ter se esgotado e nesse caso, onde a cana só produz melhor quando chove bem.

A começar pelo preparo e conservação do solo, com muitas operações mecanizadas e movimentação intensiva da terra, sem análise de uso ou de vocação das áreas, tudo tem sido feito do mesmo jeito. Entretanto, alguns produtores já acordaram e começaram a analisar melhor seus ambientes de produção e adotaram práticas compatíveis com foco no minimum tillage.

Com isso, houve aumento do uso de rotação de culturas e do plantio direto de leguminosas sobre a palha da cana na hora da reforma dos canaviais, evitando deixar o solo exposto, protegendo-o contra erosão e principalmente fixando nitrogênio e solubilizando o fosforo no solo. A Crotalária, que é uma das mais indicadas leguminosas para rotação possui raízes pivotantes e fortes que se tornam uma fantástica descompactadora natural de camadas adensadas, que também acrescenta boa quantidade de massa orgânica ao local, ativa a vida microbiana e a formação de camadas de bactérias no entorno das raízes (Micorrizas).

Esse é sem dúvida o melhor caminho para melhorar a fertilidade e reduzir o uso de fertilizantes nitrogenados e as caras doses de fósforo nas operações de fosfatagem.

A inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio e a estimulação da vida no solo para favorecer este maravilhoso acontecimento de transformações do ambiente de produção, vai recuperar as chamadas terras “cansadas” e com isso, aumentar a produtividade agrícola.

Bactérias diazitróficas como o Azospirillum que atuam na fixação do N diretamente do ar, já foram isoladas e colocadas à disposição dos produtores de cana, milho, arroz e até de pastagens, apontando para a redução de demanda de fertilizantes nitrogenados.

Novas empresas estão triplicando as suas receitas isolando bactérias do rumem do boi e multiplicando-as em biorreatores nas próprias fazendas. O produto aplicado ao solo é uma solução super concentrada de microrganismos, que são inoculados ao solo aumentando assim a população de microrganismos benéficos à cana.

Há também produtos à base de amino ácidos, produtos enraizadores,  hormonais e estimulantes de crescimento, que juntamente com o uso de micronutrientes nas folhagens, estão revolucionando a nova agricultura.

A grande a maioria desses produtos não tem pesquisas aprofundadas para saber suas reais interações com ambientes, variedades, espaçamentos, tipos diferentes de adubação, interações com outros produtos que são aplicados ao solo, tais como: herbicidas, inseticidas, adubos orgânicos, vinhaça e a própria irrigação. Tudo está sendo implantado na base do ver e crer, através de compôs de demonstração e ensaios com e sem esses produtos onde se fazem medições biométricas de biomassa em relação à testemunha sem os produtos, mas raramente há um rigoroso trabalho científico com delineamentos estatísticos. Porém, dá para perceber uma forte tendencia de respostas positivas e a repetibilidade de bons resultados os está impulsionando. Ganhos médios de 6 a 7 toneladas de cana por hectare tem sido registrado com frequência.   

Pode-se fazer muita coisa para aumentar a produtividade e reduzir os absurdos custos de produção e, principalmente, baixar a atual pegada de carbono na lavoura canavieira.

Por exemplo:

  1. Adotar equipamentos multifuncionais que fazem várias operações em uma só, mesmo usando maquinas mais potentes haverá uma significativa economia de combustível, como por exemplo: o equipamento de preparo canteirizado, as próprias plantadoras de cana e pulverizadores acoplados a cultivadores.
  2. Todos os resíduos da agroindústria podem ser reciclados desde a palha até a vinhaça, (e torta de filtro, água de lavagem etc.). Uma das novas tecnologias que está ganhando grande impulso é a produção de biogás a partir desses resíduos. O Biogás será um dos maiores saltos do setor em direção à agricultura de baixo carbono, pois será utilizado em caldeiras e na substituição de óleo diesel. Imaginem a economia que teríamos num setor que produz 660 milhões de toneladas de cana, sendo que o bagaço mais a palha, podem representar 25% da matéria prima produzida. O óleo diesel, por exemplo, é o principal insumo do setor sucroenergético, para cada tonelada de cana gasta-se 4,0 litros de óleo diesel. Façam as contas e vejam qual é o potencial dessa tecnologia e se não vale a pena produzir biogás a partir de resíduos da agroindústria canavieira.
  3. A vinhaça também pode ser concentrada para ser transportada para longe, reduzindo o uso de fertilizantes nas soqueiras. A aplicação localizada de vinhaça, concentrada ou não, com carreta tanque apropriada, é uma nova atividade que está trazendo grandes resultados e economias para as usinas. As usinas têm vinhaça suficiente para seu consumo e ainda poderão vender o excedente desde que esteja concentrada, e assim atender outras culturas. Aqui também haverá economia de uso de nitrogênio e potássio, além de permitir a mistura de outros produtos e resíduos em uma única aplicação.
  4. Um dos projetos que poderá ganhar grande força daqui para frente é a atividade integrada de boi confinado com a silagem de milho e o plantio de cana-de-açúcar. Isso seria uma integração positiva, pois o milho vai alimentar o gado, que vai dar o estêrco de curral rico em nutrientes e matéria orgânica, para plantar milho ou usar na compostagem da torta de filtro, que por sua vez, produz um rico composto para o plantio de cana-de-açúcar.
  5. Da fermentação do caldo da cana pode-se ainda obter a levedura seca para engordar o boi. Uma atividade abastece a outra que reduz a pegada de carbono nas plantações, usando o grande volume de esterco proveniente do confinamento. Total integração.
  6. O plantio intercalar de leguminosas em cobertura ou na entrelinha da soqueira de cana, está sendo testado e ampliado, e em breve poderá ser uma das práticas obrigatórias nos canaviais colhidos no final de safra. Resultados iniciais mostram ganhas de produtividade e um aumento de longevidade das soqueiras.
  7. A incorporação de palha ao solo é outra novidade que está sendo testada para aumentar o sequestro do carbono e o teor de matéria orgânica no solo. A palha incorporada ao solo é atacada por microrganismos e rapidamente se transforma em matéria orgânica, mas se ficar em superfície, mais de 80% vai se transformar em gás carbônico que será liberado para a atmosfera. Ao incorporar estamos contribuindo para melhoria da nota que determina a quantidade de CBIOS a ser ofertados ao mercado, além disso, esta operação melhora a brotação de soqueira, pode incorporar calcário, torta, vinhaça e favorecer a infiltração de água no solo. Certamente, será também uma excelente prática para “cortar fogo acidental”, reduzir a incidência de cigarrinhas, Sphenophorus e a multiplicação das moscas dos estábulos. As vantagens são inúmeras, mas esse tipo de prática deve ser direcionado para o solo com alguma umidade.
  8. As variedades transgênicas de cana estão em processo de avaliação no campo e a suas áreas estão aumentando a cada ano, pois evitam o uso de inseticidas para o controle de broca e podem permitir o controle de plantas daninhas apenas com uso de glifosato. Há uma tendencia de, no futuro, todas as variedades serem transgênicas, uma vez que esta técnica está plenamente dominada para incorporação desses genes de resistência. As variedades transgênicas produzidas pelo CTC estão sendo atentamente observadas quanto as suas performances agrícolas e possíveis variações nas suas características morfológicas. Hoje já temos mais de 300 mil hectares plantados com duas variedades CTC20 BT e a CTC9001BT modificadas geneticamente com grande sucesso.
  9. Deixamos propositalmente a Cana Energia para o fim, oriundas de cruzamentos de Saccharum spontaneum com híbridos de S. Desta forma, são produzidos cultivares de elevada fibra e satisfatório teor de açucares. Além disso, são variedades rústicas de elevada produtividade agrícola e excelente brotação de soqueira. Isto é realmente uma grande evolução, pois vai aumentar o volume de biomassa por hectare, com aumento no número de cortes. Esta será uma grande transformação para o setor, uma vez que menos insumos poderão ser necessários para produzir muito mais cana. Mais biomassa, mais geração de energia elétrica limpa e maiores possibilidades para produzir biogás e etanóis de primeira e segunda geração.
  10. Muitas outras atividades poderão ser aqui relatadas e estender essa lista de novas práticas e tecnologias para o setor sucroenergético.

E por aí vamos em frente...rumo a agricultura de baixo carbono e a uma nova era na agricultura canavieira.

*Dib Nunes Jr. - engenheiro agrônomo e diretor do Grupo IDEA