A Petrobras blindou a roubalheira da SBM – Por Elio Gaspari

A Petrobras blindou a roubalheira da SBM – Por Elio Gaspari

À estatal ainda falta limpar o acobertamento de suas tenebrosas transações com a companhia holandesa.
 
A doutora Dilma disse que a Petrobras "já limpou o que tinha que limpar". Falso. Falta limpar o acobertamento das suas tenebrosas transações com a companhia holandesa SBM, a maior operadora de sondas flutuantes do mundo. Com sede em Mônaco, é a maior empregadora do principado, perde só para o cassino. Faturou 4,2 bilhões de euros em 2012 e 60% de seus negócios davam-se com a Petrobras. Desde 2012 a diretoria da empresa sabia que distribuíra US$ 139 milhões no Brasil, onde seu representante era Julio Faerman, um ex-funcionário da Petrobras que teve US$ 21 milhões numa conta do HSBC suíço e hoje vive em Londres. Homem discreto, só se conhece dele uma fotografia, com uma máscara veneziana cobrindo-lhe os olhos. O contrato de venda da plataforma P-57 (US$ 1,2 bilhão), por exemplo, gerou uma comissão de US$ 36 milhões.
 
A essa altura, comissões pagas por Faerman ao "amigo Paulinho" e a Pedro Barusco já estão na papelada de Curitiba. Falta limpar a maneira como a Petrobras e a Controladoria-Geral da União lidaram com o caso. A Lava Jato começou em 2014, mas a faxina interna da SBM começou em 2012. Existe uma gravação de um encontro de seus diretores no aeroporto de Amsterdam lidando com o caso. Nela, a Petrobras é mencionada. O grampo partiu de Jonathan Taylor, um advogado da SBM que está em litígio com a empresa, que o acusa de chantagem.
 
Em outubro de 2013 apareceu na Wikipedia um texto (provalmente de Taylor) denunciando a rede internacional de propinas da SBM e dando nome a bois da Petrobras. Dias depois, sumiu, até que o assunto reapareceu em fevereiro de 2014 na revista holandesa Quote. A Petrobras abriu uma auditoria para examinar seus negócios com a SBM e mandou funcionários à Holanda, sem dizer o que fariam. Num comunicado oficial, informou que eles não encontraram anormalidades. A SBM, por sua vez dizia que pagara US$ 139 milhões em comissões por serviços legítimos e a petroleira fingiu que acreditou. Segundo Taylor, estava em movimento uma operação para abafar as propinas brasileiras. Ele parece ter razão, pois em novembro Graça Foster revelou que soubera das propinas em maio. E não contou ao mercado.
 
A conexão brasileira foi varrida para depois do segundo turno. Dezessete dias depois da reeleição da doutora a SBM fez um acordo na Holanda e pagou uma multa de US$ 240 milhões. Em seguida a Controladoria-Geral da União abriu um processo contra a SBM e Graça Foster fez sua revelação tardia.
 
Taylor contou ao repórter Leandro Colon que em agosto mandou à CGU um lote de documentos. No dia 3 de outubro ele se encontrou na Inglaterra com três funcionários da Controladoria. Essa reunião foi gravada, com consentimento mútuo. A conexão SBM-Petrobras ficou blindada de maio, quando a campanha eleitoral mal começava, até novembro, quando a doutora estava reeleita.
 
A CGU diz hoje que abriu o processo em novembro porque só então encontrou "indícios mínimos de autoria e materialidade". A ver. Isso poderá ser esclarecido se forem mostrados os documentos recebidos pela CGU em agosto e o que foi dito no encontro de outubro.
 
Há uma velha lenda segundo a qual o Brasil seria outro se os holandeses tivessem colonizado o Nordeste. Darcy Ribeiro matou essa charada respondendo: "Seria um Suriname". Talvez seja um exagero, mas em novembro do ano passado, quando a SBM e o governo holandês se entenderam, Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria, resumiu o que acontecera em Amsterdam e o que estava acontecendo no Brasil, onde as empresas apanhadas na Lava Jato negociavam acordos de leniência:
"Eu acho que o Brasil está amadurecido o suficiente para que não coloque essas empresas com esse selo (de inidôneas). Nós vemos, por exemplo, que aconteceu a mesma coisa com a empresa da Holanda, a SBM Offshore. Será que a Holanda vai colocar essa empresa como inidônea e não vai poder participar de mais nada no mundo?"
 
O governo holandês e a SBM se entenderam e a Lava Jato está cuidando das propinas pagas a funcionários da Petrobras, que ficou com toda a conta. Falta limpar o silêncio da Petrobras a partir de maio e entender a rotina da CGU de agosto a novembro, depois da reeleição da doutora.
 
Serviço: Quem quiser, pode pegar na rede uma magnífica narrativa do caso na revista holandesa Vrij Nederland, intitulada "The Cover-Up at Dutch Multinational SBM", dos repórteres Ham Ede Botje, James Exelby e Eduard Padberg. Num sinal dos tempos, o trabalho da trinca foi amparado por uma fundação de estímulo à investigação jornalística (Folha de S.Paulo, 19/4/15)
 
Atraso da Petrobras quebra empreiteiras e fornecedores Combustíveis
 
Quem tem dependência da estatal ruma para o buraco, diz especialista em recuperação; empresa afirma estar em dia.
 
A Petrobras está "quebrando" as empreiteiras e seus fornecedores ao atrasar pagamentos de obras por causa da Operação Lava Jato.
 
A opinião é do advogado Flávio Galdino, um dos maiores especialistas em recuperação judicial do país, responsável pelos processos de empresas como Galvão Engenharia, Eneva, OSX e Delta.
 
"Todo o mundo na cadeia de fornecimento, que tinha algum grau de dependência, está indo para o buraco", disse Galdino à Folha.
 
Ao pedir recuperação, ao menos duas construtoras --Alumini e Galvão Engenharia-- reclamaram de atrasos de pagamentos da Petrobras de R$ 1 bilhão cada um.
 
A Petrobras não reconhece essa dívida e informou por meio de nota que "está em dia com suas obrigações contratuais e que eventuais pleitos adicionais são submetidos a avaliação".
Galdino esclarece que expressou opiniões pessoais, e não de seus clientes. A seguir trechos da entrevista.
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Folha - Como as construtoras chegaram a essa situação?
Flávio Galdino - Em alguns casos, a inadimplência da Petrobras começa antes da Operação Lava Jato. A Petrobras estava com uma crise econômica e agora tem um argumento para paralisar seus pagamentos e fazer caixa.

 
As empresas pequenas e médias começaram a entrar em recuperação judicial por causa de atrasos de pagamentos da estatal antes do escândalo.
 
Isso gerou um problema que afetou milhares de pessoas. A Petrobras está quebrando essas empresas. Todo o mundo na cadeia de fornecimento, que tinha algum grau de dependência, está indo para o buraco.
 
A Petrobras não reconhece essas dívidas e diz que são aditivos que estão em análise.
A Petrobras é hoje o maior escritório de advocacia do país, composto de profissionais de elevadíssima qualidade e reconhecida competência. O que não falta é gente para encontrar bons argumentos.

 
Vai ter sempre alguém para dizer que, se existe dúvida sobre a legalidade dos contratos, é melhor parar de pagar. Só que está quebrando todo o mundo.
 
O empreiteiro aguenta um pouco mais, mas as empresas que fornecem desde a turbina até a quentinha na obra não conseguem esperar dois anos de auditoria na Petrobras.
As empresas estão entrando na Justiça contra a Petrobras?
Sim. As empresas estão recorrendo à Justiça, fazendo arbitragem em contratos que permitem isso. Devemos estar falando de alguns bilhões de reais de disputa na Justiça.

 
Até agora, seis empresas já pediram recuperação judicial. Vão ocorrer mais casos?
Eu acredito que sim. É a tempestade perfeita --não só por causa da Petrobras. O crédito está escasso, e o governo reduziu o investimento em infraestrutura. Há várias dessas empresas que estão com descasamento operacional. O balanço mostra que elas não têm condições de operar.

 
As construtoras vão sobreviver à recuperação judicial e escapar da falência?
São empresas sólidas. É preciso que sobrevivam, porque sua expertise é única no país. A recuperação judicial é só um processo de reestruturação de dívida, não ameaça a vida da empresa.

 
O problema é se ocorrerem bloqueios de recursos, que sequem o caixa. Ou se vierem declarações de inidoneidade, que impeçam essas empresas de fechar contratos com o setor público.
 
Se ficar provado que essas empresas fizeram cartel, elas não terão de ser proibidas de prestar serviços para o Estado?
A lógica é permitir que as empresas sobrevivam independentemente de atos praticados por seus executivos. Se ficar comprovado que essas pessoas praticaram atos ilícitos, serão punidas. O que não consigo entender como razoável é quebrar todas as empresas de construção civil.

 
As construtoras argumentam que sofreram extorsão por parte de funcionários da Petrobras. Faz sentido?
As pessoas que não fizeram delação premiada alegam que foram vítimas de extorsão. Para as empresas grandes, tendo a acreditar que é verdade.

 
Essas empresas têm contratos valiosos e não querem problemas. A experiência nesses casos diz que é o funcionário que acabou de assumir o cargo que vem pedir dinheiro em troca de favores.
 
Se acharmos que essas empresas só funcionavam com corrupção, temos que acreditar que corrompiam em todos os países que atuavam.
 
A cúpula dessas empresas ainda está na cadeia. Como isso atrapalha a recuperação judicial?
Não atrapalha tanto, porque essas empresas são muito grandes e bem estruturadas. Há executivos competentes que tocam o dia a dia da companhia. Além disso, contrataram consultorias sofisticadas de reestruturação