A saga da cana-de-açúcar no Nordeste - Por Gregório Maranhão

A saga da cana-de-açúcar no Nordeste - Por Gregório Maranhão

O primeiro donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira, prestando contas através de carta dirigida ao rei de Portugal Dom João III, em 1535, declarou: “Aqui no litoral do Novo Mundo, somos obrigados a conquistar por polegadas as terras que vossa majestade nos fez mercê por léguas.”

O passo a passo da consolidação da referida conquista teve como seu principal instrumento, logo no início, a exploração do pau-brasil abrindo clareiras na exuberante Mata Atlântica litorânea para permitir, na sequência, dar lugar ao plantio da cana-de-açúcar, trazida da Ilha da Madeira onde já era cultivada havia vários anos, e que foi aqui aclimatada com grande sucesso no massapê tropical nordestino.

Daí em diante, a despeito das enormes dificuldades iniciais pela carência de mão de obra, contando apenas com os indígenas, resistentes à submissão aos conquistadores, impasse que só foi resolvido com a chegada das primeiras levas da mão de obra escrava, importada da África, destinada ao plantio das primeiras mudas de cana.

Daí em diante observou-se uma rápida expansão da cultura canavieira, surpreendendo como principal vetor da colonização, de forte cunho estratégico, econômico e social.

Essa constatação, representada já nos primeiros anos do processo de ocupação, contando com cerca de 30 engenhos produtores de açúcar e aguardente, capazes de carregar cinquenta navios por ano com o produto destinado à exportação, despertou o interesse e cobiça de outras nações envolvidas direta e indiretamente com o precioso comércio de açúcar no continente europeu, ensejando várias tentativas de usurpar dos portugueses tão destacada e rentável iniciativa.

Desde então, a cana-de-açúcar e o seu contexto envolvendo a produção, a comercialização e as circunstâncias políticas decorrentes de sua expressão econômica e social, passou a necessitar de arcabouço institucional de controle e proteção.

Dessa forma, desde o sec. XVI, convivendo com escaramuças de toda ordem, índios, permanente ameaça de invasores e outras vicissitudes, a atividade canavieira sobreviveu, aprendendo a conviver com a adversidade, ora sob proteção governamental, ora pelos próprios empreendedores privados, ocupantes de áreas sob a forma de “sesmarias”, ávidos pelos resultados auferidos pela cana-de-açúcar.

Adiante, o séc. XVII não foi diferente, destacando-se no período a invasão holandesa (1630), atraída pelo retumbante sucesso da cana-de-açúcar, que mereceu especial atenção do conde Maurício de Nassau, que visualizando o futuro, às vésperas de seu retorno à Holanda, deixou carta de recomendação aos seus subordinados que ainda permaneceram por aqui, recomendando de forma didática a importância da cana e seus derivados, bem como tratar os agentes envolvidos no processo produtivo, senhores de engenho, trabalhadores (escravos) e comerciantes intermediários.

Observando que a cana-de-açúcar foi responsável pela base econômica portuguesa do séc. XVI ao XVII, a saga canavieira continua ao longo do séc. XVIII, sempre voltada para fora, pontificando nos centros comerciais europeus dominantes, ora pela expressão estratégica na geopolítica internacional, ora pela expressão econômica e social, estendendo-se durante todo o período colonial (1500 a 1822).

Vale ressaltar que desde sempre observou-se que a atividade canavieira, sob a ótica da relação custo-benefício, mereceu a particular atenção da gestão governamental, da colônia à República, tanto por aspectos econômicos como sociais, até anos mais recentes, alcançando todo o séc. XX e até este início de séc. XXI, período marcado pela Segunda Guerra Mundial, em 1939/45, pela criação no governo Vargas do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), em 1933, funcionando durante mais de sessenta anos como agência reguladora setorial, com a instituição disciplinando a interação entre os agentes participantes da cadeia produtiva, Usinas, Fornecedores de Cana e trabalhadores do Campo e da Indústria, chamando atenção para o advento do Proálcool, concebido em caráter emergencial pelo governo militar como reação à crise do petróleo de 1973, bem como das enormes dificuldades que atravessava o setor na ocasião, com o risco de demissão de milhares de trabalhadores.

Desta feita, fica o alerta, a cana-de-açúcar do séc. XXI (bioenergética e renovável) mais uma vez está pronta para contribuir, mitigando a crise do desemprego na região mais carente do Brasil, precisando para isso incrementar com o concurso do poder público, em parceria público-privada programa especial de financiamento agrícola no Nordeste canavieiro, permitindo, sem acréscimo de área, viabilizar a renovação dos canaviais em percentual mínimo de 30% anuais, gerando milhares de empregos diretos e indiretos, blindando a lavoura contra os recorrentes episódios de déficit hídrico através da irrigação complementar, que carece de tarifas especiais de energia na sua operação, conforme iniciativa semelhante, que está
sendo levada a efeito pelo Governo do Estado de Minas Gerais, servindo como referência do que pode ser feito.

Precisamos de um voto de confiança do governo em parceria público privada, como já visto, calcado na experiência do passado e vocação de mais de quinhentos anos de história canavieira prestando inestimáveis serviços à Nação.

*Gregório Maranhão é consultor de empresa.
mgmaranhao@gmail.com

 

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