Agro ajuste: chegou a hora? - Por Antônio Márcio Buainain e Pedro Abel Vieira
As últimas estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento e do IBGE indicam que a produção de grãos e oleaginosas da safra 2014/2015 alcançará 200 milhões de toneladas, contribuindo para reverter as preocupações que até há pouco tiravam o sono dos produtores, atentos à elevação dos custos de produção e à queda dos preços internacionais. Mais uma vez a salvação da lavoura foi a desvalorização cambial, que compensou a inflexão no mercado internacional e turbinou os preços de algumas cadeias importantes, como a da carne bovina, a despeito da retração do mercado doméstico. O reajuste do preço dos combustíveis fósseis e a elevação do conteúdo de etanol na gasolina injetaram algum oxigênio no setor e ajudaram a reverter o pessimismo que ameaçava dominar os produtores.
São notícias boas e bem-vindas, mas que não deveriam mascarar os muitos problemas estruturais com que o setor pôde conviver nos últimos anos em razão do extraordinário boom das commodities e que na atual conjuntura estão sendo parcialmente acomodados pela desvalorização do real. Além das mesmas ineficiências sistêmicas que vêm inviabilizando a indústria, a agricultura é também ameaçada pela insegurança sanitária e pela quase completa ausência de mecanismos de gestão de risco, deixando os produtores à mercê de São Pedro, das pragas e das flutuações de mercados cada vez mais instáveis. A questão de fundo é: até quando a agricultura será tratada como um cassino e os agricultores, submetidos a riscos incompatíveis com a sustentabilidade econômica e financeira do setor?
O mesmo boom que permitiu conviver com as ineficiências gerou outras distorções cujos efeitos negativos já têm sido sentidos. Em muitas regiões, os preços das terras alcançaram níveis que excluem os pequenos e médios produtores do negócio e reforçam a tendência à concentração da produção, e as consequências precisam ser mais bem avaliadas; o preço do arrendamento subiu e muitos arrendatários que sempre pagaram em dia hoje têm dificuldades para honrar os contratos assumidos quando a conjuntura era mais favorável; e, impulsionados por distorções nos mercados de insumos - concentrado em algumas áreas - e pela assimetria de poder de mercado no interior de muitas cadeias produtivas, em que o produtor é sempre o elo mais fraco, os custos de produção também subiram mais que os preços recebidos pelos produtores. Por último, sabe-se que um número significativo de produtores está sobre-endividado e que muitos já estão tendo problemas para pagar em dia. O fato é que as margens dos agricultores vêm caindo, e qualquer intercorrência negativa, do clima ao preço, pode desencadear uma crise num dos poucos setores que mantêm perspectiva positiva no curto e no médio prazos, com impacto negativo sobre a indústria, comércio, bancos, inflação e exportações. Neste contexto, preocupam o atraso no crédito rural, na fase crítica do pré-custeio, e a retração no financiamento de máquinas e implementos. Também preocupam as dificuldades para realizar o Cadastro Ambiental Rural, uma vez que os produtores que não estiverem cadastrados não poderão captar crédito nos bancos.
Os problemas da agricultura são velhos conhecidos de produtores e governos e têm sido abordados mais por discursos do que por ações efetivas visando a superá-los. Deixamos passar a fase das vacas gordas sem nos prepararmos para a fase das vacas magras e, embora nenhuma solução seja imediata, é preciso definir, com urgência, um planejamento estratégico para orientar o crescimento do setor, e pô-lo em prática. O ajuste do setor público não pode se reduzir a cortar gastos e a manter a mesma matriz de políticas ineficazes do passado, operando com menos recursos. É fundamental mudar profundamente as próprias políticas públicas, dar prioridade ao que de fato é prioritário, sem populismos, e, principalmente, não permitir que a conjuntura debilite a galinha de ovos de ouro, cujo desempenho tem potencial para mitigar o impacto negativo dos desacertos cometidos nos últimos anos.
*Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 14/04/20015.
Antônio Márcio Buainain e Pedro Abel Vieira - Professor de Economia (Unicamp) e pesquisador sênior da Embrapa