Dúvidas permeiam a competitividade do combustível produzido pela cana-de-açúcar.
Nem tudo é excelência no agronegócio. A área de grãos vai dando show, é verdade, com uma safra recorde de 240,3 milhões de toneladas, ou 30,1% superior à anterior, conforme números do IBGE. Mas dois setores enfrentam grande prostração: o das carnes e o do açúcar e álcool.
A maré baixa da carne está ligada ao duplo escândalo: o das fraudes reveladas pela Operação Carne Fraca e o das lambanças do Grupo JBS. Não é o que está sendo tratado aqui. Os problemas do setor do açúcar e do etanol têm diagnóstico mais complexo. É o que vai ser comentado a seguir.
Mesmo quando o petróleo estava a US$ 80 a US$ 100 por barril (de 259 litros), havia dúvidas sobre a competitividade do etanol produzido no Brasil como combustível que compete com a gasolina. Agora, com as cotações em torno dos US$ 45 e US$ 47, as dúvidas se aprofundam. E esta é uma das razões pelas quais um setor em forte hemorragia e pulverizado em múltiplos interesses recorre ao governo. Pleiteia, como sempre, tratamento fiscal favorecido. A outra razão da sangria tem a ver com o forte tombo das cotações internacionais do açúcar, de 20% nos últimos 12 meses (veja gráfico), que contrai o faturamento do setor.
Os atuais dirigentes do ramo parecem confusos na escolha de uma estratégia para enfrentar seus problemas.
Hoje defendem seus interesses apontando aleatoriamente para razões de saúde pública, razões ambientais e até mesmo para a necessidade de ampliação do emprego, num setor que vem sendo obrigado por lei a aumentar a mecanização (para evitar a queima da palha da cana) e a dispensar pessoal. São razões frágeis, porque o problema de fundo, em agravamento e ainda sem perspectivas de equacionamento, é a falta de competitividade do etanol.
O Programa Nacional do Álcool começou em 1975 como esforço destinado a garantir segurança energética. O diagnóstico predominante, assumido logo após o primeiro choque do petróleo de 1973, era o de que o mundo estava na iminência de enfrentar dramática escassez de petróleo e gás. O etanol surgia, assim, como redentora resposta brasileira a essa crise tida então como inexorável.
Aconteceu o contrário do que previa grande número de think tankers. Por toda parte surgiram mais campos de petróleo e gás, os custos de produção caíram substancialmente e os americanos, principais consumidores globais, chegaram à autossuficiência e à condição de exportadores graças à exploração de suas imensas jazidas de xisto. E, aqui no Brasil, em 2007, aconteceu a descoberta do pré-sal e tudo o que veio depois.
Foi um baque sério para a economia do etanol. No início do seu primeiro governo, o presidente Lula se vendeu ao mundo como campeão dos biocombustíveis. Chegara até mesmo a fazer demonstrações do etanol ao presidente Bush numa unidade da Petrobrás, em São Paulo, a mesma onde fez declarações esquisitas, as de que os entendimentos com o governo americano tinham chegado “ao ponto G” – Bush pareceu não entender do que se tratava. Mas, de repente, Lula perdeu seu entusiasmo pelo Programa do Álcool. E todos seus festejos foram dirigidos ao petróleo. Lula lambuzou as mãos a bordo de plataformas da Petrobrás e, pelo que já se sabe da Operação Lava Jato, não foram só as mãos.
Mas, antes mesmo da nova fase da superabundância do petróleo, o etanol vinha perdendo terreno para os combustíveis de fonte fóssil em consequência da política de achatamento de preços da Petrobrás. Foi quando o governo aprofundou o uso da Cide, imposto aplicado dessa vez sobre os combustíveis derivados de petróleo. O efeito pretendido foi o de que, em alguma medida, fosse reduzida a diferença negativa de competitividade do etanol em relação à gasolina. Mas não por muito tempo.
A nova abundância de petróleo, a ineficácia do acordo da Opep destinado a derrubar a concorrência e a política de preços realistas da Petrobrás, num ambiente de preços rasantes do petróleo, voltou a tirar competitividade do etanol e a lançar ainda mais incertezas sobre seu futuro. (Amanhã tem mais.)