Annus horribilis - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Annus horribilis - Por Arnaldo Luiz Corrêa

 

O ano praticamente acabou. Aliás, já vai tarde. Não tenho dúvidas que o 2020 foi bom para o setor, mas o estresse vivido ao longo desse ano com a pandemia do novo coronavirus foi – pra dizer o menos – angustiante. Foi arriscado planejar, difícil desenvolver estratégias e ainda mais trabalhoso executá-las em meio a um turbilhão de notícias ruins, da irracional volatilidade do real e a paralização da economia mundial. Quem acertou no ano foi quem decidiu com os elementos que tinha nas mãos, aquilo que era mais factível, por exemplo, a fixação de preços do açúcar de exportação em reais por tonelada, que proporcionou enorme margem às usinas.


O preço médio do açúcar em NY despencou de 15,07 centavos de dólar por libra-peso em fevereiro, para 11,81 em março e amargou ainda por mais quatro meses preços que chegaram a quebrar os 10 centavos de dólar por libra-peso, mas lograram ficar na média acima dos 11.25 centavos nesse período. Para quem pensa em reais por tonelada, fevereiro alcançou R$ 1,506 e a média de março/julho ficou 10% abaixo disso. O mercado começou a se recuperar a partir de agosto, mas a média alcançada antes da pandemia não se repetiu.

Os fundamentos do mercado, mais recentemente, começaram a prevalecer e a impulsão dada pelas compras dos fundos dirigidas por robôs e algoritmos perderam força. A média dos fechamentos de NY neste dezembro está 3% inferior à do mês passado. O otimismo que levou os traders a crer que NY poderia ultrapassar os 15 centavos de dólar por libra-peso e lá permanecer, esvaiu-se. Os fundos, nesta semana, reduziram a posição comprada em 16,766 lotes (850 mil toneladas equivalentes), mas ainda estão long quase 196,000.

NY encerrou a semana com o vencimento março/2021 a 14,44 centavos de dólar por libra-peso, inalterado. Neste mês, o contrato futuro com vencimento março/21 tem negociado em limitado intervalo de preços. E o volume também caiu cerca de 15% em relação ao mês de novembro.

Apenas em dezembro, o valor do açúcar em NY despencou o equivalente a 150 reais por tonelada em relação à média de novembro. O processo decisório dentro das usinas precisa ser mais rápido para evitar perda de oportunidades. E que os fornecedores de cana nos ouçam, está mais do que na hora de mudar o cálculo do Consecana. Usinas deixaram de fixar 150 reais por tonelada melhor porque a cana era de terceiros. Assim, é tipicamente um jogo de perde-perde. Perde a usina e perde o produtor de cana.

O que se vê adiante, com as informações que temos agora, é que o ano que vem deveremos ter uma produção de cana menor e um enxugamento de até 4 milhões de toneladas na produção de açúcar comparada com esta safra. Acreditamos, no entanto, que a menor disponibilidade de açúcar será neutralizada pela soma de alguns fatores: a) menor consumo mundial em virtude da pandemia; b) retração da economia global; c) utilização dos estoques como fizeram China e Tailândia; d) falta de dinheiro para cumprir com os subsídios (Índia); e) estagnação no mercado de energia, entre outros.

Para que o mercado de açúcar em NY possa quebrar os 16 centavos de dólar por libra-peso de maneira consistente, precisaríamos de uma tempestade perfeita: a) uma quebra avassaladora na produção de cana do Centro-Sul devido à tão propalada seca; b) a recuperação robusta e rápida da economia mundial devida à vacinação em massa; c) a retomada do consumo de energia restabelecendo a mobilidade; d) a valorização das moedas dos países emergentes em relação ao dólar americano.

Assumindo um dólar mais fraco para 2021 (vamos imaginar R$ 4,7000 no final do próximo ano), NY precisaria subir 250 pontos nos vencimentos da safra 2021/22 (maio a março) para repetir os preços médios de R$ 1,700 por tonelada. O que acha, caro leitor e estimada leitora? Factível? Melhor teria sido seguir a estratégia que comentamos aqui algumas vezes: vende o açúcar em reais por tonelada e compra uma call (opção de compra) out-of-the-money (opções fora-do-dinheiro) para participar numa eventual alta de NY.

A Índia finalmente aprovou seu subsídio de exportação para a safra 2020/2021: um recurso total de 35 bilhões de rúpias (cerca de US$ 476 milhões) cobrindo um volume de 6 milhões de toneladas de açúcar, ou seja, aproximadamente 360 pontos equivalentes a NY. O mercado interno daquele país, como se sabe, tem um preço mínimo de 31,000 rúpias por tonelada, mas dá sinais de enfraquecimento. A indústria, no entanto, acredita que o governo indiano vai aumentar o preço mínimo para compensar a diminuição do subsídio. Fala-se em 34,500 rúpias por tonelada que, se colocado em vigor, elevaria o ponto de equilíbrio do açúcar de exportação indiano a NY equivalente entre 17-18 centavos de dólar por libra-peso. Na nossa visão, mantido o status quo, inexequível.

A última vez que o governo indiano reajustou o preço mínimo do açúcar foi há dois anos e de lá para cá, a inflação indiana acumulada foi de 9.75%, ou seja, a demanda da indústria não é despropositada e visa corrigir o poder de compra da moeda indiana corroída pela inflação. Ocorre que estamos no meio de uma pandemia que esvazia os cofres dos governos em todo o planeta e a Índia vive a contração de sua economia, a diminuição da demanda de açúcar e o temor por parte dos exportadores no atraso dos pagamentos do subsídio uma vez que receberam apenas 20% do subsídio devido na safra 19/20 encerrada em setembro último. É natural que a indústria esteja preocupada.

A Archer Consulting vai promover seus próximos cursos on-line em março e abril de 2021. Os dois novos módulos introduzidos foram muito bem avaliados pelos participantes. O Curso Essencial ocorre na semana de 22 a 26 de março. Já o Curso Avançado de Opções ocorrerá na semana de 5 a 9 de abril. Quanto mais cedo você se inscrever, maior será o desconto. Para mais informações contate priscilla@archerconsulting.com.br

Recebemos com imensa tristeza a notícia do falecimento, na última terça, de Herbert Francis Penfield, um dos pioneiros do mercado futuro de commodities no Brasil. Herbert trabalhou na Anderson Clayton nos anos 1960, então a maior exportadora de café do Brasil e, em seguida, por mais 6 anos em outra exportadora de primeira grandeza na época, a Tristão. Em 1976, Herbert fundou a Penfield Commodity – Corretora de Mercadorias, única a ter uma linha telefônica direta com o pregão de Chicago (naquele tempo em que a comunicação era escassa e cara no Brasil) – e a mais importante corretora de commodities do País. Herbert foi tutor e professor de várias gerações de traders, corretores, tendo sido presidente da Bolsa de Mercadorias de São Paulo, a Bolsinha, ao lado de outros ícones do setor. Homem de ideias brilhantes, raciocínio rápido e com grande espírito inovador foi figura importante no desenvolvimento do mercado futuro. Alguém disse que os grandes professores nunca morrem, eles sobrevivem na alma e na memória de seus pupilos. Como disse um admirador: “Lá se vai o último romântico do mercado de café”. Que Herbert descanse em paz.