Aprimoramentos na regulação devem impulsionar o uso do biogás e biometano - Por Felipe Boechem

Aprimoramentos na regulação devem impulsionar o uso do biogás e biometano - Por Felipe Boechem

Historicamente no Brasil, o biogás (originado a partir da digestão anaeróbia de matéria orgânica) e o biometano (tipo de biocombustível obtido através do processamento do biogás) sempre tiveram sua regulamentação mais ligada a outros biocombustíveis como o etanol e o biodiesel do que propriamente ao gás natural.

Tal ligação ficava evidente na Lei do Gás anterior (Lei 11.909/2009) e em seu decreto regulamentador (Decreto 7.382/2010), que tratavam apenas do gás natural de origem fóssil.

E segue presente na vigente regulamentação da ANP na medida em que as atividades de produção de etanol, biodiesel e biometano são tratadas em conjunto na Resolução ANP 734/2018, e a regulação das atividades da indústria de gás natural, especialmente as de autoprodução, auto importação, comercialização e carregamento, adotam como referência apenas o gás natural de origem fóssil, o que não abrange tecnicamente o conceito de biometano.

Esse cenário começou a mudar recentemente com a aprovação da nova Lei do Gás (14.134/2021) e seu decreto regulamentador (Decreto 10.712/2021), que estabeleceram que os gases que, embora não estejam enquadrados na definição de gás natural, sejam intercambiáveis com o gás natural poderão receber tratamento equivalente ao gás natural para todos os fins, desde que aderentes às especificações da ANP.

Tal medida possibilita que o biometano seja considerado fungível com o gás natural de origem fóssil, podendo ser injetado na malha de gasodutos de transporte e comercializado junto ao mercado de gás natural que está se desenvolvendo de forma substancial no Brasil.

Dessa forma, estimula-se o uso do biogás e do biometano em linha com o movimento global de promoção de novas fontes de energia que viabilizem a transição para uma economia de baixo carbono, bem como ao interesse crescente de agentes privados e entes públicos no desenvolvimento de projetos de biogás e biometano no Brasil.

Outra importante iniciativa visando o fomento do biogás e biometano no país foi a inclusão do biometano no RenovaBio, programa de créditos de carbono aplicado ao setor de distribuição de combustíveis instituído pela Lei 13.576/2021 e regulado pela ANP.

O RenovaBio permite que projetos de biometano se qualifiquem para gerar créditos de descarbonização (CBIOs) a serem adquiridos dentro do programa por distribuidoras de combustíveis, que são obrigadas a adquiri-los em montante suficiente para atender suas metas individuais.

Novas regras focam no biogás e biometano
Em março de 2022, o Governo Federal avançou ainda mais na agenda de promoção do biogás e biometano por meio da edição de normas.

Primeiro, destaca-se o Decreto 11.003/2022, que instituiu a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano com o objetivo de fomentar programas e ações para reduzir as emissões de metano, incentivar o uso de biogás e biometano como fontes renováveis de energia e combustível, e contribuir para o cumprimento de compromissos climáticos assumidos pelo país.

Dentre as diretrizes do Decreto, destacam-se:

o incentivo ao mercado de carbono, em especial ao crédito de metano (modelo similar ao crédito de carbono);
a promoção da implantação de biodigestores e sistemas de purificação de biogás e de produção e compressão de biometano;
e a promoção de iniciativas para o abastecimento de veículos leves e pesados com biometano, tais como corredores verdes. Neste quesito, cabe destacar os possíveis benefícios a serem usufruídos pela agroindústria brasileira através de uma melhor gestão de resíduos, do aproveitamento energético de um passivo ambiental, da geração de novas receitas e da redução da sua pegada de carbono, o que aumentará sua competitividade no mercado internacional.
A governança, a integração e a coordenação das ações necessárias à implementação da Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano serão realizadas no âmbito do Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde, de que trata o decreto 10.845/2021, e os Ministros de Estado do Meio Ambiente e de Minas e Energia poderão editar normas complementares no âmbito de suas competências.

Metano Zero
Segundo, a portaria MMA 71/2022 institui o Programa Nacional de Redução de Emissões de Metano – Metano Zero previsto no decreto Federal 11.003/2022.

De acordo com a Portaria, o Programa deverá ser coordenado pela Secretaria de Qualidade Ambiental, em articulação com a Secretaria de Clima e Relações Internacionais, do Ministério do Meio Ambiente, e contará com os seguintes “instrumentos”: o Programa Nacional de Crescimento Verde; o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima; e as linhas de pesquisa das agências de fomento.

Terceiro, a portaria Normativa 37/GM/MME/2022 alterou a Portaria Normativa 19/MME/2021 para incluir investimentos em biometano no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), que proporciona a suspensão da cobrança de PIS/COFINS para aquisição de máquinas, materiais de construção, equipamentos, dentre outros componentes.

Por serem de conteúdo essencialmente principiológico, as normas ainda precisarão de posterior regulamentação pelos órgãos competentes, que deverão garantir a segurança jurídica necessária para que os investimentos desejados. sejam realizados.

É o caso, por exemplo, da ANP, que possui em sua agenda regulatória uma extensa revisão da regulamentação sobre gás natural. A expectativa é de que a edição de novas normas pela agência aprimore alguns pontos regulatórios no sentido de reforçar o caráter intercambiável do gás natural de origem fóssil e do biometano.

Propostas no Congresso Nacional
Em paralelo, tramita no Congresso Nacional o PL 3865/2021 propondo a criação do “Programa de Incentivo à Produção e ao Aproveitamento de Biogás, de Biometano e de Coprodutos Associados (PIBB)” que busca promover a participação das energias renováveis na matriz energética nacional por meio da geração de gases combustíveis provenientes de biomassa e o fomento à infraestrutura logística necessária.

Segundo o referido PL, fica a cargo da União a adoção de ações para o mapeamento da geração de resíduos orgânicos passíveis de conversão em energias renováveis bem como a regulamentação do uso de biogás como “gás de processo” ou “matéria-prima para a bioeconomia”.

Vale ainda destacar o PLS 302/2018 que altera a Lei 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) para incentivar empresas que produzem biogás, metano e energia elétrica a partir de resíduos sólidos em aterros urbanos através de linhas de financiamento por parte do poder público e incentivos fiscais.

O PLS foi aprovado nesta terça (10) na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal.

Regras para o consumo nos estados
No âmbito estadual, também há diversas iniciativas de promoção do uso de biogás e biometano tanto do ponto de vista regulatório quanto tributário.

Em São Paulo, o Decreto 58.659/2012 instituiu o Programa Paulista de Biogás com a diretriz de incentivar a ampliação da participação de energias renováveis na matriz energética do estado de São Paulo, assim como estabelecer a adição de um percentual mínimo de biometano ao gás canalizado comercializado no estado.

Do ponto de vista tributário, o estado também concede redução da base de cálculo do ICMS para as saídas de biogás e biometano dentro de São Paulo.

No Rio de Janeiro, a Lei 6.361/2012 estabelece a política estadual de gás natural renovável, que prevê que as concessionárias de distribuição de gás canalizado são obrigadas a adquirir todo o biometano produzido no estado até o limite de 10% do volume de gás natural convencional distribuído por cada uma delas, não incluído o volume destinado ao mercado termelétrico.

Ademais, foi aprovada este ano a Lei 9.635/2022 que reduziu base de cálculo do ICMS nas saídas internas com biogás e biometano, bem como foi anunciado o Mapa da Produção de Biogás, elaborado em parceria com a ABiogás, com objetivo de apresentar o cenário de produção, as oportunidades de crescimento e as iniciativas do governo fluminense para estimular os investimentos na geração de energia limpa no estado.

Até que esse processo de aprimoramento das regras pelos governos federal e estaduais seja concluído, espera-se que eventuais dúvidas sejam sanadas por meio da realização de reuniões e consultas às autoridades competentes.

*Felipe Boechem é sócio da área de energia e infraestrutura e líder da prática de Petróleo e Gás do Lefosse. É membro da AIPN, vice-presidente do comitê de O&G da OAB do Rio de Janeiro e coordenador da comissão de petróleo do IBDE. Felipe assina este artigo com contribuição dos associados Andre Lemos, Pedro Vargas e Stephani Oliveira.

 

EPBR

 


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