As dicotomias do mercado - Por Arnaldo Luiz Corrêa

As dicotomias do mercado - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Por que sobe tão vigorosamente o preço do açúcar no mercado futuro em NY? Essa pergunta tem sido a mais constante ao longo das últimas semanas nas conversas nos grupos de WhatsApp. O consenso é que o mercado sobe devido à seca. A propalada quebra na safra de cana varia dependendo da fonte em que se queira beber da informação. Tem para todas as sedes: de 5% a 30% de redução na produção de cana no Centro-Sul, comparativamente ao volume produzido no ano passado. Estamos falando de estimativas que vão de 575 até 520 milhões de toneladas de cana.

Outros argumentos se seguem: o novo boom das commodities como esteio, a inflação mundial que busca proteção nos mercados de commodities, a esperada explosão do consumo mundial pós-pandemia e o espetacular crescimento do PIB chinês e indiano, ainda que essa elevação seja sobre bases menores.

Faz sentido essa análise? O tempo dirá, certamente. O fato é que o mercado futuro de açúcar sobe por uma razão mais trivial: quem poderia dar liquidez às compras agressivas dos fundos seriam os hedgers (usinas) que, no entanto, estão quase 90% hedgeados para esta safra que está iniciando. Ou seja, o mercado sobe porque não tem (mais) vendedor.

Se os fundos acelerarem as compras – e pelos dados do CFTC estão comprados em 240,000 lotes – vão potencializar as altas por falta de vendedor. Esse é um perigo real que nada tem a ver com a seca. Responda rápido: se as usinas não estivessem fixadas até o topo alguém acredita que os mercados iriam continuar com esses preços elevados sem que os vendedores aproveitassem para fazer o hedge?

Logo, o que empurra os preços para cima não é a seca, mas é a impossibilidade por parte de vendedores (usinas) de aproveitarem os preços altos porque já estão vendidos/comprometidos no limite. O que a seca pode trazer de risco adicional é que algumas usinas podem ser confrontadas com a dura realidade de que fixaram mais açúcar de exportação do que serão capazes de produzir/entregar em função do déficit hídrico sofrido pelos seus canaviais.

O perigo de uma alta descontrolada no mercado futuro está numa combinação de fatores que ainda carecem de validação, mas que são perfeitamente factíveis. Apenas para mostrar três principais, temos: a) a redução na produção de açúcar em algumas unidades produtoras que podem ser forçadas a recomprar o hedge e/ou renegociar a entrega do produto para a próxima safra; b) o preço médio das fixações de açúcar para a safra 21/22 é de 13.29 centavos de dólar por libra-peso, ou seja, mais de 400 pontos abaixo do mercado de sexta-feira gerando, pelos nossos cálculos, uma chamada de margem de aproximadamente US$ 1.8 bilhão que foram drenados dos caixas das tradings, das instituições financeiras e das próprias usinas, isto é, se o caixa encolher, pode haver cobertura de posições movidas pelo pânico; c) o hidratado negocia a 150 pontos de desconto equivalente ao açúcar NY, o que dá mais ou menos 250 pontos acima do nível médio de fixação dos açúcares das usinas. Existe um perigo de default? O tempo dirá.

Não obstante, o temor de faltar açúcar no físico provocaria uma corrida nos spreads fazendo com que os operadores de mercado ajustassem seus livros comprando futuros no vencimento mais curto e vendendo futuros no vencimento mais longo até que a percepção da falta de disponibilidade do produto se dissipasse. Só que isso não ocorreu, pois o vencimento julho (17.47) está mais barato que o vencimento outubro (17.54) e este praticamente o mesmo preço que o vencimento março/22. Como pode um descompasso tão anunciado no físico não fazer ressonância no mercado futuro? Deve ser porque o futuro está se movendo de maneira independente (fundos especulativos, sistemas, algoritmos, entre outros). A conferir.

Por mais que o ambiente esteja carregado dessa narrativa de seca, o que o mercado futuro demonstra não corresponde com a percepção do físico. Tem nos parecido que as usinas continuam focando suas fixações para as safras 22/23 e 23/24 ainda que a alta gerência esteja um pouco mais aflita, ou mesmo relutante, com as recentes altas em centavos de dólar por libra-peso. E é assim que tem que ser. Temos falado isso há muito tempo.

Por exemplo, em agosto do ano passado, quando o volume de fixação das usinas era de apenas 26%, a orientação que demos para nossos clientes (nos relatórios exclusivos que recebem) foi de fixar o açúcar linearmente em NY em reais por tonelada (estava R$ 1,558), aproveitando os excelentes preços e, concomitantemente comprar pelo menos 40% do volume em calls (opções de compra) de preço de exercício de 14.00 centavos de dólar por libra-peso para vencimento março/22, gastando R$ 34 por tonelada (diluída nos 100% do volume).

O valor dessas calls hoje é de 376 pontos, que convertidos em reais e diluídos nos 100%, elevam o valor da fixação para quase R$ 1,700 por tonelada. Alternativamente, sugerimos também a compra de um call spread de 13.00/15.00 para 100% da posição. O custo era de R$ 27 por tonelada, e hoje teria um lucro de R$ 167 por tonelada, colocando o valor de fixação a R$ 1,725. Caso a empresa tivesse optado por comprar 100% no primeiro exemplo, a fixação hoje seria de R$ 2,000 por tonelada. Esses são dois bons exemplos de como as usinas precisam prestar muita atenção na maneira como administram seus riscos. Imaginar que vão ter resultados diferentes fazendo sempre a mesma coisa não nos parece uma boa estratégia.

No fechamento da semana em NY, o contrato futuro com vencimento julho/21 encerrou a 17.47 centavos de dólar por libra-peso, apreciando quase 11 dólares por tonelada, mas representou uma queda de R$ 23 por tonelada contra a sexta-feira anterior. Isso, porque o real se valorizou frente ao dólar ao redor de 4%. Os demais meses de negociação ao longo da curva que se estende até março de 2024 tiveram números positivos variando entre 9 e 17 dólares por tonelada, mas também mostrando valores inferiores em reais por tonelada.

Obviamente que não estamos negando a seca. O que estamos tentando demonstrar é que existe uma clara dicotomia entre o que os participantes do mercado físico acham acerca da produção este ano e o que o mercado futuro está refletindo. Onde isso vai nos levar? Depende do tamanho do bolso.

O fato de os fundos não-indexados terem reduzido a posição comprada traz um respiro para o mercado. Pode ser que o ímpeto especulativo alimentado pelos modelos matemáticos e algoritmos se arrefeça e os fundos comecem a realizar os lucros da posição. Nesse caso, quem poderia absorver essas vendas?

Pesquisa recém publicada da revista Exame, coloca o governo Bolsonaro com 50% de ruim/péssimo. Mas, se computado apenas aqueles que tem ensino superior o percentual sobe para 64%. Não sei exatamente o impacto disso, em especial quando descubro que a ganhadora dessa gincana de frivolidades e parvoíces da televisão brasileira ganhou 25 milhões de seguidores numa mídia social. Essa gente vota.