No setor de transporte e logística há três frentes de produção de biocombustíveis: etanol, biodiesel e biometano – todos eles são energéticos derivados de biomassa renovável que podem substituir, integral ou parcialmente, os combustíveis derivados de petróleo nos motores a combustão. Em todas as frentes, o Brasil tem potencial para se destacar e assumir uma posição de protagonismo mundial.
O caso do etanol é emblemático. A previsão para 2020 é de que a oferta no mercado brasileiro ganhe um incremento de 2,7 bilhões de litros, devido ao aumento de produtividade na última safra. A produção chegará a 33,5 bilhões de litros. A mistura de álcool anidro à gasolina é de 27%, mas a maior parte da frota nacional é de veículos flex, que também podem utilizar o álcool hidratado.
No ano passado, quando a produção de etanol ultrapassou a marca de 30 bilhões de litros, o uso desse insumo em substituição à gasolina permitiu uma redução de emissões de 80 milhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Vale lembrar que a contribuição do Brasil ao Acordo de Paris prevê o aumento da participação de bioenergia sustentável na matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, além de uma redução de 43% nas emissões. Para atingir essas porcentagens, é fundamental a expansão do consumo de biocombustíveis e o gradativo aumento da parcela de biodiesel na mistura do diesel, conforme vem acontecendo.
A posição de destaque que temos hoje se deve a uma somatória de fatores. Experiências anteriores, a chegada dos carros flex e o fato de o Brasil ser uma potência agrícola são alguns deles. Mas existem grandes desafios pela frente se quisermos assumir o protagonismo. O primeiro deles é a diversificação das matérias-primas.
O etanol de milho vem ganhando espaço, mas ainda representa uma pequena porcentagem da produção nacional, de 4,6%. Existem iniciativas para intensificar sua produção no Centro-Oeste e também no Norte do País. Há grandes possibilidades de sucesso.
No caso do biodiesel, as fontes são mais diversas: o óleo de soja e o sebo bovino são muito utilizados, mas outras culturas, como a palma, a mamona e até mesmo o óleo de fritura, podem ser beneficiados. A cadeia produtiva vem se mostrando preparada para ampliar paulatinamente a produção, com grandes benefícios para a economia regional – em especial no interior do País – e com a promoção da agricultura familiar.
Desde 1º de março, a mistura de biodiesel ao diesel nos postos de combustíveis brasileiros passou a ser de 12%, o chamado B12. Com esse estímulo, a expectativa é de que a produção nacional de biodiesel atinja 7 bilhões de litros em 2020; no ano passado, foram 5,9 bilhões de litros, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Até 2023, o mix deve chegar a 15% – o que vai significar até R$ 4 bilhões em investimentos no setor produtivo.
A expectativa, agora, é de que um novo marco legal amplie a mistura de biodiesel no diesel para 20%, o B20, até 2028, mas o projeto ainda está tramitando no Congresso Nacional. Caso aprovado, chegaremos à marca de 15 bilhões de litros de produção antes do final da década.
O biometano ainda é uma novidade no mercado nacional, mas estima-se que o País possa produzir até 70 milhões de m³ por dia aproveitando resíduos agroindustriais. A vinhaça, um subproduto do etanol, é a principal matéria-prima desse combustível gasoso capaz de substituir gás natural.
Os avanços são visíveis, mas o Brasil pode e deve ter ambições maiores. Hoje somos o segundo maior produtor mundial de biocombustíveis, atrás apenas dos Estados Unidos. Somos seguidos de perto pela Indonésia, que adota o mix B30 no diesel desde o início do ano, e já começaram os testes para avançar para o B40 em 2021. Nos Estados Unidos, que atualmente utilizam o B20, o Departamento de Agricultura (USDA) aprovou recentemente a adoção do B30 até 2050. A substituição de combustíveis fósseis é um caminho sem volta e, se não assumirmos uma postura mais ousada, corremos o risco de ficar para trás.
O Brasil foi pioneiro na produção e na utilização de etanol em larga escala. Após a crise do petróleo, na década de 1970, Governo Federal, Petrobras e a indústria sucroalcooleira uniram-se para a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), com imensos benefícios para a economia nacional e para o meio ambiente, quando a sustentabilidade ainda nem fazia parte da agenda mundial.
Poucos se lembram, mas a adição de álcool à gasolina substituiu por completo o uso do chumbo tetraetila, que servia para aumentar a octanagem da gasolina e como anticorrosivo nos motores. Estima-se que, entre 1978 e 1983, o Proálcool resultou na redução de 70% a 80% na emissão de chumbo, além de redução da ordem de 57% e 64% de monóxido de carbono e hidrocarbonetos, respectivamente, melhorando substancialmente a qualidade do ar em grandes cidades.
A queda nos preços do petróleo, no final dos anos 1980, aliada aos eventos recorrentes de falta de combustível nas bombas, esfriaram o desenvolvimento da indústria de energéticos renováveis. Foi necessária uma tomada de consciência global, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92, no Rio de Janeiro, para que as políticas de incentivo aos biocombustíveis fossem retomadas.
Outro grande desafio é valorar esses benefícios ambientais. O Brasil vem buscando mecanismos para isso: o mercado dos Créditos de Descarbonização (CBios) são o melhor exemplo. Cada CBio significa que evitou-se a emissão de uma tonelada de CO2eq da atmosfera. A proposta foi desenvolvida por meio da Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio, e os créditos podem ser comercializados na Bolsa de Valores.
Produtores de etanol, biodiesel e biometano podem ingressar no programa e ter direito aos CBios, desde que cumpram algumas diretrizes ligadas ao uso sustentável da terra. Toda a produção deve ser oriunda de áreas sem desmatamento, as áreas de plantio e produção precisam estar de acordo com o Cadastro Ambiental Rural. Além disso, as áreas de produção de cana-de-açúcar e palma devem estar em conformidade com os respectivos zoneamentos agroecológicos vigentes.
O mercado de CBios, que promete movimentar mais de R$ 1 bilhão este ano, ainda está em fase de estruturação, com os produtores buscando as certificações e as distribuidoras de combustíveis do País, principais interessadas em adquiri-los (a medida é compulsória), adaptando-se às metas definidas pela ANP.
O sucesso do mercado de CBios, a diversificação da produção de biocombustíveis e o respeito aos requisitos ambientais, ao lado da intensificação das metas de substituição de combustíveis fósseis por alternativas renováveis e sustentáveis, podem projetar o Brasil para a vanguarda da indústria de combustíveis verdes e promover o desenvolvimento econômico do País com respeito ao meio ambiente e às especificidades de nosso território.
Milton Steagall é presidente-executivo da Brasil BioFuels