Quando nos deparamos com a criação de um Grupo de Trabalho do Conselho Nacional de Política Energética (Resolução CNPE nº 18/2021) para definição de critérios acerca do teor mínimo de biodiesel, é extremamente oportuno reforçar que a previsibilidade quanto a este teor é fundamental para o fortalecimento não apenas do biodiesel, mas de todos os seus efeitos positivos para o Brasil.
Para quem trabalha com combustíveis, o conhecimento está consolidado: o biodiesel foi desenvolvido para substituir o diesel mineral e faz parte da estratégia brasileira de substituição gradual dos combustíveis fósseis desde o início deste século. Em 2004, foi lançado o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), que introduziu o biocombustível em caráter voluntário na matriz energética brasileira na proporção de 2% em volume do diesel rodoviário. De lá para cá, houve alguns movimentos de variação percentual, sempre calcados em testes exaustivos com participação de vários agentes ligados ao setor. Hoje, está vigente a adição de 10% (B10) de forma temporária (deveria, conforme a Resolução CNPE nº 16/2018, ser de 13% ou B13) e deveremos chegar a 15% (B15) em 2023.
Erra, entretanto, quem considera apenas o custo por litro de biodiesel versus do diesel mineral para decidir sobre o teor de mistura. Os próprios dispositivos da Lei Federal nº 11.097/2005 falavam em critérios importantes para esta decisão, tais como: i) a disponibilidade de oferta de matéria-prima e a capacidade industrial para produção de biodiesel; ii) a participação da agricultura familiar na oferta de matérias-primas; iii) a redução das desigualdades regionais; iv) o desempenho dos motores com a utilização do combustível; e v) as políticas industriais e de inovação tecnológica.
O biodiesel traz a reboque inúmeras vantagens, também conhecidas por externalidades, que precisam ser promovidas para que se possa aquilatar mais adequadamente a sua importância estratégica para o país. Vejamos algumas:
Viés técnico: o biodiesel foi amplamente testado no Brasil pelas principais montadoras e sistemistas instalados no país sob coordenação do Governo Federal. As empresas, em sua maioria, anunciam em seus sites e manuais a garantia de que seus produtos são adequados para teores de 15% e até 20% de mistura, acima até do atual previsto em lei.
Viés social e inclusivo: parte significativa da matéria-prima utilizada no biodiesel provém da agricultura familiar, sendo mais de 74 mil famílias beneficiadas. Ou seja, transferência direta de renda para o campo com prestação contínua de assistência técnica e extensão rural para fornecimento de tecnologias. Além disso, direta ou indiretamente, emprega mais de 1,5 milhão de trabalhadores em toda a cadeia produtiva de oleaginosas e biodiesel. O setor produtivo investiu mais de 9 bilhões de reais no país e conta com mais de 50 usinas espalhadas pelo território brasileiro (inexistentes 15 anos atrás!).
Viés ambiental: o biodiesel é de origem renovável, ou seja, reduz a emissão dos gases de efeito estufa em 70% a 80% quando comparado ao concorrente fóssil. A mistura, portanto, é fundamental para que o Brasil possa cumprir com seus compromissos ambientais frente ao Protocolo de Paris. Além disso, o biocombustível reduz de maneira importante os principais gases poluidores nocivos à saúde pública. Mais biodiesel, portanto, implica menos internações hospitalares e mortes causadas por doenças respiratórias.
Dependência brasileira nos derivados: No ano de 2020 o Brasil importou 11,8 bilhões de litros de diesel a um custo de cerca de US$ 340/m³. Se não houvesse o biodiesel, a necessidade brasileira por diesel seria atendida com a importação de cerca de 6,4 bilhões de litros de diesel mineral adicionais, a um custo de cerca de 2,2 bilhões de dólares, recurso que o país deixou de enviar para o exterior graças ao biocombustível nacional.
Aproveitamento de subprodutos: Antes do biodiesel, tanto o sebo animal quanto o óleo de fritura usado não possuíam mercado para absorção completa. Com o biodiesel passaram a fazer parte da cesta básica de matérias-primas, mitigando problemas ambientais importantes e transformando resíduos em energia limpa. Isso sem contar que a produção de biodiesel estimula o processamento de soja no Brasil e a oferta de farelo proteico, ingrediente essencial das rações animais.
Há inúmeras outras externalidades positivas, mas as destacadas já exprimem um rol de vantagens que podem ser restringidas com prejuízos evidentes para o país – do ponto de vista social, ambiental, ou macroeconômico –, caso o cronograma já definido em lei, que consiste em atingir 14% em volume (B14) em 2022 e 15% (B15) em 2023, não seja seguido.
Sendo assim, senhores membros do CNPE, quando se tratar de biodiesel, considerem seu valor e não seu custo.
*Vicente Pimenta – Consultor Técnico da Abiove
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