Brasil pode liderar em hidrogênio verde - Por Felipe Ferrés

Brasil pode liderar em hidrogênio verde - Por Felipe Ferrés

A complexidade de alcançar a neutralidade global de carbono até 2050 é comparada em escala somente por sua urgência. O impacto das mudanças climáticas se tornou a grande preocupação dos cientistas, já que se os níveis de CO2 não reduzirem drasticamente, em dez anos vamos exceder o limiar suportável. O hidrogênio verde produzido a partir do vento pode desempenhar papel fundamental como parte da transição energética.

E mais do que isso: sua produção não tem como resultado apenas o hidrogênio, mas também uma grande variedade de combustíveis sintéticos e renováveis, como e-Metano, e-Metanol, e-Diesel, e-Gasolina ou e-Querosene de Aviação. Ou seja, o processo traz benefícios para toda a cadeia produtiva, desde o transporte até armazenamento, distribuição, entre outros. E essa solução poderia ser aplicada a curto prazo, dependendo, majoritariamente, de processos regulatórios.

Com cerca de 80% de sua matriz energética renovável e capacidade eólica e solar durante todo o dia e noite, mais uma vez o Brasil está bem posicionado, podendo aproveitar as vantagens dos parques eólicos existentes, além dos que estão por vir.

Nesta corrida contra o tempo, o Brasil tem potencial para liderar a transição energética global. Ainda com muitos recursos hídricos, eólicos e solares a serem explorados, podemos - e devemos - ser líderes na produção, desenvolvimento e até exportação de combustível livre de carbono. Mas, para a adoção do hidrogênio verde, precisamos impreterivelmente reduzir o seu custo para dimensionar sua produção e uso na próxima década.

Muitos setores com alto índice de carbono, como manufatura pesada, indústria química e transporte, são difíceis de eletrificar a curto e médio prazo, mas podem ser movidos a hidrogênio. No entanto, para realmente eliminar as emissões de gases de efeito estufa, esse hidrogênio precisa ser verde - e não o extraído de combustíveis fósseis. Além disso, o hidrogênio verde pode ser utilizado como matéria-prima para a produção de amônia e outras substâncias em indústrias químicas, como para a fabricação de fertilizantes.

É também uma alternativa extremamente eficiente para armazenamento de energia, compensando a variabilidade de produção existente em fontes renováveis, como eólica e solar. É seu complemento perfeito. Isso porque o hidrogênio pode ser armazenado, transportado por meio de redes de gás e reeletrificado, sendo utilizado na operação de turbinas a gás modernas.

Com os investimentos certos, ambiente político e mentalidade colaborativa, podemos alcançar isso. À medida que o governo brasileiro desenvolve sua estratégia para o hidrogênio, é importante que exista uma definição clara do papel que pode desempenhar na transição energética. É isso que ajudará a fornecer a informação necessária para a indústria, investidores e reguladores.

Na Siemens Gamesa, por exemplo, acreditamos que a paridade fóssil - na qual o preço do hidrogênio verde se iguala àquele produzido a partir de combustíveis fósseis - pode ser alcançada por meio da geração eólica onshore (na terra) até 2030 e da offshore (no mar), até 2035. A força dos ventos tem a capacidade de tornar o hidrogênio verde um combustível mainstream, produzindo um suprimento quase ilimitado.

O projeto Brande Hydrogen, feito na Dinamarca pela empresa, comprova isso. Em funcionamento desde o início de 2021, uma turbina onshore existente é acoplada a um eletrolisador e mostra, desde então, que o hidrogênio verde pode ser produzido sem o uso de qualquer energia da rede.

Neste sentido, com cerca de 80% de sua matriz energética renovável e capacidade eólica e solar durante todo o dia e noite, mais uma vez o Brasil está bem posicionado, podendo aproveitar as vantagens de seus parques eólicos existentes, além daqueles que estão por vir. O mais recente apoio governamental para o que poderia ser a maior usina de hidrogênio verde do mundo no Estado do Ceará demonstra o potencial da região. Não apenas em termos de produção, mas também em geração de empregos e crescimento econômico por meio de investimentos previstos na ordem de US$ 5 bilhões.

Mas, para acelerar a produção de hidrogênio verde em escala global, assim como criar um mercado viável para vendê-lo, precisamos superar algumas barreiras.

Em 2050, o Conselho de Hidrogênio espera que a demanda alcance 500 milhões de toneladas. Para que a maior parte disso seja atendida pelo hidrogênio verde, serão necessários entre 3 mil e 6 mil GW de nova capacidade renovável instalada, ante 2.800 GW hoje. O Conselho Global de Energia Eólica estima que o Brasil tem potencial para aumentar sua capacidade em dez vezes até 2050, o que exigirá uma grande aceleração da capacidade de geração renovável. Em sintonia com os governos de todo o mundo, o Brasil deve planejar volumes suficientes e acelerar o seu licenciamento para incentivar o seu desenvolvimento.

À medida que a demanda por hidrogênio verde aumentar, seu perfil de custo também mudará. Atualmente, a parte mais cara da produção de hidrogênio verde é alimentar eletrolisadores e a redução nos custos de energia diminuirá o custo do hidrogênio e aumentará a demanda. Dados iniciais sugerem que o custo dos eletrolisadores cairá 50% na próxima década. Para escalar o hidrogênio verde, precisamos acertar o modelo econômico. Governos e reguladores podem ajudar criando um ambiente favorável e estável para o investimento do setor privado.

A parceria entre diferentes empresas também é fundamental para o sucesso da produção de hidrogênio verde. Não é possível criar uma indústria desse tamanho quando estamos sozinhos. Sem parceria, a cadeia de abastecimento continuará fragmentada e cara, dificultando a economia do hidrogênio verde. Por isso, acolhemos iniciativas como a Aliança Brasil-Alemanha pelo Hidrogênio Verde, que promove parcerias entre empresas e instituições dos dois países.

A energia renovável superou consistentemente as expectativas nos últimos 20-30 anos. O que foi alcançado em energia renovável é impressionante, mas o progresso ainda é lento. Não podemos cometer os mesmos erros enquanto construímos o mercado de hidrogênio verde, que oferece um enorme potencial para o Brasil e o mundo. No entanto, para garantir que ele cumpra a que veio, é preciso agir agora.

*Felipe Ferrés é diretor-geral da Siemens Gamesa Brasil.