Inicialmente deve-se destacar que o Norte-Nordeste ( NNE) atual, como no Centro-Sul (CS), é composto de dois blocos de usinas de açúcar : (1) aqueles que são capitalizados, aumentam a produção e têm adequado retorno econômico no negócio; (2) aqueles com frágil situação financeira e que cumulativamente perdem com a atividade até o limite de um pedido de recuperação judicial (RJ).
O nosso post vai tratar de desequilíbrios do negócio de açúcar e etanol provocados pelas usinas descapitalizadas. Vamos nos ater ao NNE pois é uma região que, nos últimos anos, vem sofrendo mais que o CS as consequências de uma concorrência crescente no açúcar e etanol a nível nacional e internacional.
Vale lembrar que nesta década a área de cana no NNE caiu de 1,14 mi ha (2011) para 0,87 mi ha (2018) . No CS ocorreu o contrário: a área aumentou de 6,9 mi ha ( 2010) para 8,2 mi ha (2016). O NNE na década passada era do tamanho da Tailândia (segundo maior exportador de açúcar mundial); hoje é a metade. Atualmente o NNE é menor que a Raizen (Shell -Cosan) .
O problema
É possível uma região que importa do Centro-Sul (CS) 30%-40% do açúcar e etanol que consome comercializar sua safra no mercado interno a preços mais baixos que aqueles que prevalecem no CS , particularmente em São Paulo?
Sim. É possível. Tudo depende de como é comercializada a safra no Nordeste do País.
No final dos anos 50 acontecia algo semelhante na região CSUL. Os preços do açúcar e álcool eram fixados pelo Governo Federal (Instituto do Açúcar e Álcool -IAA) e deveriam ser a referência para os negócios de compra e venda dos produtos. No mundo real as coisas não funcionavam assim. Os preços praticados no mercado eram menores que os preços de referência. Porquê?
Simplesmente porque a comercialização da safra era feita de forma pulverizada entre os produtores e uma concorrência predatória prevalecia. Esta concorrência predatória ocorria, inclusive porque com preços baixos de venda a receita total não cobria adequadamente os custos. A fragilidade financeira decorrente desta situação debilitava a capacidade de negociação de preços das usinas perante os clientes.
Situação semelhante volta a ocorrer na região NNE do país nos últimos anos.
A solução
A solução encontrada em São Paulo foi a criação da Copersucar, que se mostrou uma opção bem sucedida. A partir da década passada, foram criadas no Centro-Sul a SCA (Sociedade Comercializadora de Álcool) e a Bioagência, com a mesma finalidade . A Copersucar e estas duas outras centrais de venda são empresas com características jurídicas e operações diferentes , mas em comum todas comercializam as safras das usinas de forma centralizada. Uma gestão profissional com governança corporativa é condição “sine qua non ” para o sucesso do negócio.
O desafio de evitar uma oferta pulverizada, perante uma demanda cada vez mais concentrada nas mãos de grandes grupos econômicos de alimentos, bebidas e energia (oligopsônio conforme a teoria econômica) , é antigo e continua a cada dia mais atual. A solução é vender de forma concentrada.
Se não for possível formar oligopólio do lado da oferta, a solução é formar uma associação de produtores. Também uma solução antiga e atual, que depende de existir espírito de grupo e de lideranças capazes de convencer os seus parceiros de que o bem comum exige abrir mão do poder individual, que pode ser fatal para o negócio existente.
A capacidade de associação é uma necessidade para aqueles que precisam enfrentar clientes cada vez mais poderosos sob a ótica econômica.
A viabilidade econômica do projeto Centralização de Vendas
Em princípio o preço no NNE deveria ser em torno do preço de São Paulo (ou Goiás, importante fornecedor de açúcar e etanol para o NNE) mais frete. Esta condição, contudo, não ocorre , dado que os preços médios de safra no Nordeste em relação ao CS não cobrem o diferencial de frete.
Caso ocorresse, o esperado ganho de receita para a usina poderia ser suficiente para cobrir o diferencial de custos entre NNE e CS e remunerar o capital de giro necessário à nova empresa centralizadora de vendas. Seria um projeto financiável por linhas de crédito disponíveis, desde que regras de “compliance” sejam respeitadas. A externalidade positiva do projeto é que todos, usinas capitalizadas e não capitalizadas, seriam beneficiadas. No longo prazo, a sustentabilidade da atividade também ganharia.
Julio Maria M. Borges é sócio-diretor da JOB Economia e Planejamento.