Aprovado às pressas na Câmara dos Deputados no dia 25 de maio, o Projeto de Lei Complementar nº 18/2022 determina que os combustíveis deverão ser considerados produtos essenciais para fins de ICMS, o que significa que suas alíquotas não poderão ser superiores à alíquota padrão de cada estado. No caso de São Paulo, a alíquota da gasolina teria de passar de 25% para 18%, por exemplo.
Ocorre que, em paralelo ao PL nº 18, os estados estão tentando uniformizar a tributação dos combustíveis com base em alíquota única e calculada com base no litro do combustível (e não mais com base nos preços). Contudo, a sistemática já está sendo questionada no STF, com possíveis repercussões negativas para o contribuinte.
Com a sanção da Lei Complementar nº 192, em 11 de março de 2022, foi determinado que o ICMS incidirá apenas uma vez sobre a gasolina, o etanol anidro combustível, o diesel, o biodiesel e o gás liquefeito de petróleo.
Segundo a Constituição, para que fosse adotada tal sistemática, as alíquotas do imposto deverão ser “uniformes em todo o território nacional”, a serem definidas pelos estados por meio de Convênio do Confaz. Ainda foi dada a possibilidade de que as alíquotas sejam calculadas por unidade de medida (“ad rem”).
Assim, sob a justificativa de trazer estabilidade e diminuição nos preços dos combustíveis, a LC nº 192 instituiu essa nova sistemática, determinando a obrigatoriedade do uso das alíquotas “ad rem”.
Por enquanto, o Confaz apenas regulamentou a incidência única do ICMS sobre o óleo diesel, por meio do Convênio ICMS nº 16, de 24 de março 2022. Ficou então definido que o óleo diesel A S10 terá a alíquota de R$1,006 por litro do combustível. Como as alíquotas de cada Estado sempre foram distintas entre si, criou-se também um “fator de equalização de carga tributária”, uma espécie de redutor da alíquota, para mitigar os impactos da padronização dos preços para os contribuintes.
Dito de outro modo, para que o contribuinte não seja surpreendido com o aumento do tributo sobre o combustível, os estados criaram esse mecanismo, fundado no próprio Convênio ICMS Confaz, reduzindo o montante efetivo do ICMS.
O método usado foi eleger o estado que atualmente possui a maior tributação (Acre) para fixar a alíquota única sobre os combustíveis. Para os demais estados, criou-se o fator de equalização que, em termos práticos, reduz o montante efetivo a recolher. Sobre esse método, o Convênio ainda determinou que o fator não pode ser superior ao valor da diferença apurada entre a carga calculada com a nova alíquota e a carga tributária efetiva vigente em cada estado. Do contrário, a tributação sobre os combustíveis diminuiria. Com essa estratégia, vê-se que a intenção dos estados não foi reduzir a tributação hoje vigente, mas apenas mantê-la aos patamares atuais, com as devidas adequações à nova sistemática.
No estado de São Paulo, por exemplo, há um fator de equalização de R$ 0,3442, considerando também o óleo diesel A S10. Isso significa que, ao invés de recolher os R$1,006 por litro de diesel, o contribuinte deverá recolher aos cofres paulistas apenas R$0,6618 por litro. E esse valor, em tese, é equivalente ou maior à carga tributária hoje vigente no Estado. Dessa forma, vê-se que os estados querem manter a arrecadação do ICMS sobre os combustíveis hoje existente, tendo criado um benefício fiscal inteiramente novo para corrigir as distorções da alíquota única.
A despeito de se tratar de um aparente benefício, a União discordou. Segundo a Advocacia Geral da União, o fator de equalização acaba por esvaziar a pretensão de que fosse instituída uma alíquota nacional uniformizada. Dessa forma, estaria se perpetuando um cenário de assimetria da tributação no território brasileiro, apesar da determinação constitucional sobre o tema.
O STF foi instado a se posicionar sobre o tema e, em decisão monocrática, o ministro André Mendonça deferiu a medida cautelar pleiteada, suspendendo os efeitos dos dispositivos do Convênio que dizem respeito ao fator de equalização (ADI 7164). A decisão foi publicada em 16 de maio.
A concessão de benefícios fiscais pelos estados deve se dar, justamente, por meio de Convênios, de acordo com a Constituição e a LC nº 24/75. A secretaria da fazenda do estado de São Paulo, por exemplo, manifestou-se no sentido de que a concessão do benefício do fator de equalização é constitucional, legal e, mais do que tudo, beneficia o contribuinte, que pagará um preço menor pelo combustível. De fato, com a declaração de inconstitucionalidade do fator de equalização, o contribuinte deverá pagar R$ 1,0060 pelo litro de diesel (ao invés de R$ 0,6618).
Em termos técnicos, as alíquotas seguem uniformes em todo território nacional, conforme expressa disposição do Convênio ICMS nº 16. Por sua vez, o tratamento específico de equalização de carga tributária máxima, se entendido como benefício fiscal, não possui qualquer vedação e, em última análise, foi concedido com observância do regramento constitucional e legal.
Ainda, não parece que a aplicação do fator de equalização esvazia a função da LC nº 192, tendo em vista outros aspectos benéficos de sua instituição, tais como a delimitação das hipóteses de incidência e as melhorias de fiscalização da arrecadação.
Esse tipo de discussão era esperado, tendo em vista a pretensão dos estados de manter sua autonomia financeira, dentro de sua competência para cobrança do ICMS. Restará agora ao STF, com desejável brevidade, definir os contornos dessa nova sistemática, ponderando o alcance da expressa previsão constitucional de que tais alíquotas “serão uniformes em todo o território nacional”.
Por outro lado, a opção dos estados por manter a tributação hoje vigente merece ser rechaçada, haja vista a expectativa de que o tributo devido pela aquisição de combustíveis fosse menor. É verdade que alguns estados já aplicam a alíquota geral ou alíquotas menores ao diesel, em razão de sua essencialidade. No estado de São Paulo, por exemplo, aplica-se a alíquota de 12%, enquanto a alíquota geral é de 18%.
Entretanto, era de se esperar que todos os demais estados seguissem essa postura, reduzindo a cobrança do tributo. Nesse contexto, a atual redação do Convênio veda que o fator de equalização seja tão grande a ponto de reduzir a tributação atualmente vigente. Ou seja: os estados se auto obrigaram a manter as cobranças nos patamares atualmente vigentes.
A sistemática de cobrança instituída por meio do Convênio ICMS nº 16 terá início a partir de 1º de julho de 2022. Espera-se que o STF se apresse a definir o tema o quanto antes, para que sejam evitadas judicializações em massa.
Em paralelo a essas tentativas de uniformizar o ICMS sobre combustíveis, o PL nº 18/2022 retoma a discussão sob o prisma anterior à LC 192, isto é, com base em alíquotas “ad valorem”. Nesse sentido, os deputados não definiram como será avaliado o cumprimento do critério da essencialidade com o uso de alíquotas ad rem. Para cumprir o novo comando, seria preciso, por exemplo, proceder a uma comparação de preços, para se chegar à carga tributária efetiva.
*Thiago Abiatar Lopes Amaral é sócio da área tributária do Demarest Advogados. | Paulo Henrique Ligori Figueiredo é advogado da área tributária do Demarest Advogados
O Estado de S. Paulo - retirado do Portal Nova Cana
Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista do Grupo IDEA.O nosso papel é apenas a veiculação do conteúdo.