Com guerra, Rússia passa a vender mais petróleo para China e Brasil “perde” o mercado asiático

Com guerra, Rússia passa a vender mais petróleo para China e Brasil “perde” o mercado asiático

As sanções impostas à Rússia pela União Europeia e os Estados Unidos depois da invasão à Ucrânia tiverem efeito colateral no Brasil e levaram a uma forte queda nas exportações de petróleo do país no primeiro semestre. A redução é causada pela menor compra do óleo brasileiro pela China, que, historicamente, é o principal destino da produção do pré-sal. Nos últimos meses, os chineses aumentaram as importações de petróleo russo, negociado com desconto.

Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) de janeiro a junho mostram que, ao todo, a China importou 36% menos petróleo do Brasil no primeiro semestre deste ano. Já a Índia comprou 53% menos petróleo brasileiro do que no ano passado. A redução coincide com o aumento da compra, pelos países asiáticos, da produção da Rússia, vendida de forma mais barata às regiões que optaram por não sancionar o país depois que invadiu a Ucrânia, em fevereiro.

A Petrobras confirmou que reduziu os volumes vendidos para a China, mas afirma que houve aumento das exportações para a Europa e Américas. De acordo com a estatal, os níveis mais elevados de refino no Brasil e os impactos nos preços do mercado internacional causados pela guerra na Ucrânia alteraram os fluxos de exportação.

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) confirma que a queda nas exportações se relaciona com o aumento do processamento de petróleo nacional nas refinarias, que cresceu 13,8% nesse período. Dados da ANP mostram que o Brasil exportou, no total, 179,6 milhões de barris de petróleo de janeiro a maio de 2022, queda de 9,5% em relação aos mesmos meses de 2021. Nesse período, a produção de petróleo do Brasil cresceu 2,5%.

O coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Rodrigo Leão, afirma, inclusive, que as exportações totais russas aumentaram entre janeiro e junho, apesar das sanções, devido aos descontos oferecidos aos compradores. Nesse cenário, o governo brasileiro também tem manifestado interesse em comprar diesel da Rússia, embora a operação seja complexa, como mostrou o Valor na semana passada.

Leão diz que, no momento, o petróleo russo é negociado a um preço 25% mais baixo do que o Brent, principal referência internacional para o barril: “Muitas vezes temos a sensação de que o mundo todo está sancionando a Rússia, mas não é assim. Esse é um movimento localizado, enquanto muitos países da própria Europa e Ásia aumentaram fluxos com a Rússia, por causa dos descontos”, diz Leão.

As menores exportações brasileiras, entretanto, não se refletem no valor arrecadado pelo Brasil com as vendas de óleo bruto, pois houve aumento do preço do barril no mercado internacional. Desde março, o Brent tem estado próximo de US$ 100. Isso levou o Brasil a registrar aumento de 29% no valor total arrecadado com as exportações de petróleo no primeiro semestre, apesar de o volume de vendas ao exterior, em toneladas, ter caído 14,5% no período, segundo a Secex.

A consultoria S&P Global confirma que há aumento na demanda europeia pela produção brasileira, em países como Itália, Holanda e Portugal. Mesmo assim, a alta da demanda nessas regiões ainda não é suficiente para compensar a queda das vendas para os países asiáticos. Não está claro, no entanto, se o menor interesse dos chineses pelo petróleo brasileiro se manterá nos próximos meses. A S&P destaca que a redução das compras do produto brasileiro pela China também coincide com a redução geral nas importações chinesas, devido ao retorno dos lockdowns no país, devido ao aumento de casos de covid-19.

Fernando Valle, analista da Bloomberg Intelligence, diz ainda que a China desacelerou importações de petróleo para tentar conter inflação: “O petróleo brasileiro continua sendo exportado, mas para outros destinos, incluindo Estados Unidos e Europa. Houve também um aumento em estocagem”, diz Valle.

No primeiro trimestre deste ano a China havia sido o destino de 56% das exportações da Petrobras, seguida pela Europa e outros países da Ásia, que receberam 14% cada. Já os Estados Unidos ficaram com uma fatia de apenas 3% das vendas da companhia para o exterior. O cenário, entretanto, se alterou no segundo trimestre, segundo a estatal.

Esta semana a Petrobras publica os resultados do segundo trimestre, que devem trazer maiores detalhes sobre as mudanças nos destinos das exportações. Em relatório de produção e vendas divulgado na semana passada a companhia revelou queda de 14,5% nas exportações de petróleo no primeiro semestre deste ano em relação a igual período em 2021.

Questionada sobre os impactos das menores exportações, a Petrobras afirmou que mantém escritórios comerciais no exterior que garantem uma cobertura global do mercado: “Reduções de demanda ou variações de preço em um determinado mercado não afetam a capacidade da Petrobras em vender o volume de petróleo indicado para exportação no mercado internacional, sempre garantindo o aproveitamento da melhor alternativa disponível”, afirma a companhia em nota.

Outras petroleiras que produzem no Brasil dizem que não sentiram o impacto da redução das vendas para o exterior. A Equinor, por exemplo, informou que as exportações do petróleo brasileiro não foram alteradas no período. Já a Prio (antiga PetroRio), afirmou que não trabalha com a venda sob demanda e que negocia a produção em lotes de 1 milhão de barris a cada 45 ou 60 dias. A Enauta também não sentiu nenhum efeito nas exportações, segundo o presidente da companhia, Décio Oddone. Procuradas, Shell e Totalenergies não comentaram.


Valor Econômico