Com isso, ninguém contava - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Com isso, ninguém contava - Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana cotado a 15.77 centavos de dólar por libra-peso para o vencimento maio/2021, uma queda de quase 8 dólares por tonelada na semana e um encolhimento de aproximadamente 63 reais por tonelada na média de preços convertidos em reais dos fechamentos dos contratos que correspondem à safra 21/22 (de maio/21 até março/22). Para a safra seguinte, o mercado praticamente encerrou a semana inalterado em centavos de dólar por libra-peso, mas 26 reais por tonelada mais fraco.

O mercado de energia derreteu na semana, não apenas por ter anteriormente se elevado artificialmente nutrido pelos fundos especulativos, mas pelo contraponto à realidade do consumo de combustíveis no mundo em função do lockdown que avança em países da Europa na terceira onda do covid-19. Na semana, a gasolina despencou 9.4% fazendo com que a Petrobras também reduzisse o preço do combustível na refinaria, nesta sexta-feira. O petróleo WTI e Brent também encolheram 7% na média. Não foi uma semana especialmente favorável para as soft commodities: café, açúcar, algodão e cacau, todas fecharam a semana no vermelho. Os grãos também cairiam em menor intensidade. O tal novo ciclo de commodities vai demorar um pouco mais para ressurgir.

No mercado de etanol, aquilo que ninguém esperava. As usinas que “não acreditam em duendes com pote de ouro”, como me disse um trader de etanol, aproveitaram os preços altamente remuneradores do hidratado e zeraram seus estoques próximos a R$ 3.5500/3.6000 por litro com impostos (naquele momento equivalia a vender açúcar a 14.50 centavos de dólar por libra-peso, um desconto de 100/120 pontos contra NY).

O comprador de etanol sumiu e o mercado nominal deve estar com um desconto equivalente a 250/300 pontos contra o açúcar. O que provocou a queda vertiginosa dos preços foi a expectativa de demanda enfraquecida pelas restrições de mobilidade impostas por conta da pandemia. Todo mundo em casa, bares, restaurantes, praias fechadas e o enxugamento das disponibilidades de lazer. Sem vacina, não tem como a economia decolar. E o consumo de combustíveis aponta para baixo.

Só para ressaltar que temos falado sobre isso aqui à exaustão. Debatendo como os preços podiam negociar acima de 17-18 centavos de dólar por libra-peso, como de fato negociaram, tendo em vista a situação de calamidade de vive a economia mundial. E a brasileira também. Aqui, por exemplo, só no mundo paralelo onde habita Paulo Guedes é que vemos “sinais de recuperação por toda a parte”, como declarou o ministro na semana passada. No mundo real, estamos como aquele menino do filme Sexto Sentido “eu vejo pessoas mortas”. E o Brasil caminha para 300.000 mortes pela pandemia. Recuperação aonde?

No açúcar, a curva futura em reais por tonelada contribui para intensificar aquele sentimento de arrependimento por ter fixado açúcar antes. Como se fosse possível para alguém prever a trajetória de preços. Leiam Taleb sobre isso. Ninguém quebra com lucro no bolso. E não adianta olhar pra trás e resmungar que se tivesse esperado mais tempo poderia ter fixado o açúcar melhor. Esse é o grande dilema do hedge e o grande medo do gestor de risco quando tem que dar satisfações aos comitês.

Todo mundo é esperto depois que o evento ocorre. Mas, naquela hora em que uma decisão precisa ser tomada para garantir o EBITDA da empresa, o tomador de decisão é um profissional solitário. Se acertou, não fez mais do que a obrigação. Se errou (e errar aqui é no contexto de o mercado ter ido contra ele, apesar de a operação ter dado resultado positivo) o mundo cai na sua cabeça. Isso é assim desde que o mundo é mundo.

Um atento leitor e conhecido executivo do mercado chamou à minha atenção de um fato realmente pertinente, após tomar conhecimento do volume significativo de açúcares fixados para a exportação nessa safra que se inicia. Se 85% do açúcar a ser exportado na safra 21/22 está fixado na média a R$ 1,640 por tonelada FOB, “a suposição de um mix máximo de açúcar pode ser uma falácia”, disse ele. “A curva de preços para o etanol hidratado, esperada por grande parcela dos analistas, está acima desse valor, o que pode fomentar o aparecimento de operações de washout [acordo entre as partes para o rompimento de contrato] ao longo da safra”.

Evidente que a exequibilidade de tal estratégia depende de outros fatores: se a usina travou o hedge em reais por tonelada na conta da trading, a operação é inviável, pois a diferença que a usina teria a pagar para a trading, em reais por tonelada, para cancelar o contrato, não compensaria o valor adicional que embolsaria com a venda do hidratado. No entanto, para operações em que as partes trocam futuros para a fixação de contratos por meio de EFP, existe essa possibilidade. Com o hidratado agora caindo, a operação perde um pouco o apelo.

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Em maio de 2004, o jornalista americano Larry Rohter, então correspondente no Brasil do jornal The New York Times foi ameaçado com a perda do visto de residência por ter declarado que o excesso de álcool afetava Lula. Imaginem vocês. O texto dizia que Lula invariavelmente aparecia com os olhos e as bochechas vermelhas, mas que ninguém do seu entorno tinha coragem de falar sobre o assunto. O então presidente ficou possesso com tal calúnia e queria porque queria expulsar o jornalista do País. As instituições brasileiras funcionaram e o arroubo de ditadorzinho da República das Bananas evaporou como o álcool etílico que emanava seus poros.

Na semana passada um conhecido blogueiro do YouTube foi intimado pela polícia por ter chamado o inquilino do Palácio do Planalto de genocida. Imaginem vocês. Novamente as instituições funcionaram e a justiça suspendeu a investigação. Na tragédia Romeu e Julieta escrita por William Shakespeare há mais de 400 anos, na famosa cena da varanda onde Julieta suspira seu amor por Romeu triste ao saber que o seu sobrenome (Montecchio) é odiado pela sua família (Capuleto). “O que há em um nome? O que chamamos de rosa por qualquer outro nome não teria o mesmo perfume?”, murmura. Escolha o nome que quiser, a rosa continuará exalando o mesmo perfume.