Confira as tendências de mercado para as usinas segundo o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético - Por Mário Ferreira Campos Filho

Confira as tendências de mercado para as usinas segundo o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético - Por Mário Ferreira Campos Filho

Ele preside a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (SIAMIG), o Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool do Estado de Minas Gerais e o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de Minas Gerais (Sindaçúcar-MG), que juntas representam as 36 unidades produtoras de açúcar, etanol e bioeletricidade de Minas Gerais, cujo território canavieiro é maior do que a de muitos países europeus.

Assim, é possível encontrar Campos em um evento em Uberaba na manhã da segunda-feira e, na noite do mesmo dia, novamente encontrá-lo em Belo Horizonte, a 482 quilômetros de distância, em solenidade da Federação das Indústrias.

Não bastasse, em agosto de 2021 assumiu a presidência do Fórum Nacional Sucroenergético, o FNS, a entidade do setor que tem sede em Brasília e contempla representações estaduais de 15 estados produtores de cana, açúcar, etanol e bioeletricidade.

Em meio a concorrida agenda, Campos concedeu uma entrevista exclusiva ao Energia Que Fala Com Você, na qual avalia tendências do setor e temas como eletrificação e descarbonização e comenta sobre a próxima safra em Minas Gerais. Confira abaixo:

 

As chuvas registradas desde o fim de 2021 permitem projetar melhor oferta de cana para a safra 2022/23 de Minas Gerais?

Mário Campos – Até o momento [da realização desta entrevista, no fim de janeiro], as chuvas têm sido boas e estão até acima dos níveis históricos, o que é bom para o desenvolvimento da cana-de-açúcar.

Algumas empresas estavam um pouco mais pessimistas, mas agora a gente está em uma situação um pouco melhor do que quando começamos a projetar a safra 2022/23.

Mas não acredito em grande recuperação, porque as geadas, a seca e os incêndios provocaram muitas falhas nos canaviais.

 

Qual o balanço da safra 21/22 em Minas?

Mário Campos – A safra foi desafiadora para Minas Gerais e também para o Centro-Sul. Houve muita estiagem no primeiro semestre e Minas e São Paulo registraram dois eventos: geadas em julho e, depois, períodos acentuados de incêndios no fim de agosto e em setembro.

Daí vieram as chuvas desde outubro e terminamos dezembro com incidências acima da média. Em janeiro, algumas usinas registraram em 10 dias o esperado de chuvas para todo o ano.

Quais as consequências?

Mário Campos – Houve consequências em estradas e em estrutura de captação de água, mas nada que não se consiga resolver. Chuva é sempre bem-vinda.

O desafio neste momento [fim de janeiro] é o plantio de tantas chuvas e ele, que foi interrompido, já retornou.

Há empresas em Minas recuperando canaviais em projetos de crescimento em função de aquisições e reabertura de unidades e isso é ainda mais desafiador para o plantio de cana.

 

Quais suas expectativas para a safra 22/23?

Mário Campos – A tendência é de moagem superior a da 21/22 (que oficialmente vai até 31 de março), esperada em 63,9 milhões de toneladas. A estimativa de 22/23 é de para 70,8 milhões de toneladas. Em todo o Centro-Sul, de 520 milhões de toneladas na 21/22, a indicação é de 605 milhões de toneladas na próxima.

Já se pode dizer que a 22/23 será melhor, mas não igual a 20/21, marcada por chuvas adequadas e clima propício.

Quem deve dominar o mix produtivo na 22/23: açúcar ou etanol?

Mário Campos – O parque industrial é flexível, principalmente pensando que a safra não será como a de 2020, com muita cana e pouco espaço para alterar o mix. Mas se há número intermediário [oferta de cana] e se consegue ter mais espaço, a flexibilidade é importante.

O setor já demonstrou flexibilidade interessante, o que dá às usinas posicionamento estratégico em função disso, porque permite otimizar um pouco mais o produto mais rentável.

 

Quais as tendências para o açúcar e para o etanol?

Mário Campos – O mercado de açúcar de exportação é de contrato, de relação das usinas com tradings, de cumprimento desses contratos. É onde é possível fazer hedge, definir ganhos.

É diferente do etanol, onde o anidro [adicionado em 27% à gasolina] tem contrato, mas o indexador é flutuante ao longo do ano, enquanto o hidratado [veículos flex] opera no mercado spot. O etanol tem muito o calor do momento, propenso a vender. Trata-se de dois produtos diferentes.

 

Os ganhos ambientais do etanol não o favorecem em termos de mercado?

Mário Campos – Nos últimos anos foi desenvolvido mercado de etanol para dialogar de forma diferenciada, pelo lado ambiental. Tem o programa de Estado RenovaBio que dá números dessa questão, tem o CBIO (crédito de descarbonização), produto de receita adicional para a unidades produtoras, mas que só vem com a produção e venda do etanol. Ou seja, o CBIO só existe se se faz etanol.

Mas dá mais estabilidade e previsibilidade ao mercado de etanol.

 

E em termos de consumo de etanol?

Mário Campos – O mercado de etanol é interno, depende de como está a situação da gasolina, de como está a economia brasileira, porque o mercado de combustíveis é ligado à condição financeira. E isso tudo afeta.

É o caso do fim de 2021, com preços mais elevados e o com Ciclo Otto em sinais de estabilidade. Como se dará em 22 é sempre incógnita.

E há poucos instrumentos para dar a previsibilidade, o que é possível com o açúcar. Vale mais o feeling das diretorias das empresas daquilo que acha que irá acontecer.

 

O senhor mencionou a incógnita em 22. Como assim?

Mário Campos – O mercado de etanol envolve a gasolina, que é ligada à Petrobras, na qual o Estado tem participação.

São produtos cujas variações sempre são notícias e movimentam a opinião pública. E por ser ano de eleição, há informações de críticas ou propostas a posicionamentos de governo e isso sempre dá muita instabilidade.

Por exemplo: agora, no fim de janeiro, tem-se proposta de PEC para desonerar tributos federais, fundo de compensação para variações, limites de ICMS. São projetos em tramitação e, em ano de eleição, sempre gera possibilidade de mudanças.

Sendo assim, fica difícil projetar se o etanol terá mercado melhor que o açúcar?

Mário Campos – Tem-se ainda muito para acontecer para saber se o etanol será ou não melhor que o açúcar.

O mercado é muito dinâmico. Daí ser bom e importante ter flexibilidade e opções. Às vezes a opção é o próprio mercado. Veja 2021, quando o viés era a gasolina e anidro avançou, o que fez o hidratado perder share.

 

Qual é a função do Fórum Nacional Sucroenergético, cuja presidência o senhor assumiu em agosto passado e até 2023?

Mário Campos – Muita gente não entende a nossa governança institucional. Vou defender o que se construiu. Trabalhamos em um setor onde decisões políticas têm efeitos positivos e negativos que podem mudar o rumo.

O setor precisa sempre dialogar com quem está no poder. E o Brasil é uma grande federação, com forças políticas regionais que se convergem na política central em Brasília. Por isso temos que usar poderes, influências regionais para conseguir nossos objetivos. Não adianta centralizar.

O Fórum congrega 15 associações e sindicatos de 15 estados diferentes. Tem condição de estar sempre dialogando, com a possibilidade de estar com alguém que está com proposição de lei, com relator de alguma medida, falar com alguém sobre política pública.

Por isso o Fórum, em Brasília, representa a força das entidades estaduais. Temos um time e ele, por questão, precisa eleger um capitão – para organizar esse time. O Fórum é um time para conseguir os objetivos que são muito dinâmicos. E temos conseguido.

 

Quais os desafios do setor?

Mário Campos – O momento é de recuperação, de apresentar rentabilidade, redução de passivos/dívidas.

Isso também é consequência – quem está da porteira para dentro, para ter resultado – mas de busca de questões mais estáveis institucionais.

E temos desafios para o futuro, e o maior é a mobilidade sustentável. O RenovaBio foi construído para ser representação em números da sustentabilidade do produto etanol.

É pioneiro, representação do mercado de carbono, e há várias percepções e características diferentes. E temos algo hoje para nos inspirar a ser melhor. A partir do momento com programa transparente, aberto, com números do vizinho [usina], passo a ter objetivo de busca de números mais eficientes não só para gerar mais CBIOs, mas ter um produto mais sustentável.

 

Qual sua avaliação sobre o RenovaBio?

Mário Campos – 2020 foi o primeiro ano do programa. Tudo muito novo, há disparidade grande de notas, com possibilidade de melhoria, e as usinas certificados que já se recadastraram apresentaram melhorias.

[Com o recadastramento, elas] demonstram quanto iremos avançar na produção, tem como melhorar a nota. A visão é crescer a produção de biocombustível, também à base de grãos (milho para etanol e soja para biodiesel) e garantir a origem dos insumos para qualificá-los no RenovaBio.

É prematuro ainda fazer projeção. O programa preza pela previsibilidade com metas de 10 anos e, em função de 2020, ano da pandemia, começou-se aquém e foi o primeiro ano de inclusão das usinas. Mas agora as curvas darão pulos maiores. Mas depende do avanço do mercado Otto e da economia.

 

E sobre os eletrificados: o que acontecerá com o etanol?

Mário Campos – Iremos conviver com mudanças na mobilidade. Ela vai se tornar cada vez mais sustentável. E qual é nosso papel e acreditamos: o Brasil e outros países (caso da Índia, que amplia a mistura de etanol à gasolina), geram possibilidade de fazer essa transição.

Aliás, o Brasil já faz desde a década 70, muito mais focada nos biocombustíveis. Já temos mobilidade sustentável no Brasil.

E é claro que pode melhorar ainda mais: a integração do motor elétrico com o uso do etanol via motor híbrido.

Comente mais, por favor.

Mário Campos – Já temos carros a etanol que rodam sem tanta eficiência como os híbridos. Se juntarmos as duas tecnologias, teremos alternativa ao carro elétrico a bateria. Muitos países têm esse, em que é preciso carregar a bateria. A gente não: no Brasil existe produto em larga escala que pode fazer parte da transição.

Não se trata de brigar com o elétrico, mas mostrar que temos produto tão bom quanto, sem a necessidade de mudar toda a estrutura – com pontos de recarga, acabar com mercado de combustíveis líquidos.

Tenho uma pergunta: por que a mobilidade precisa ser igual no mundo todo?

No passado tinha motor a combustão, mas foi com a gasolina que, na década 70, o álcool foi implantado.

E há espaço muito bom na indústria automobilística, que entende esse papel [do etanol em célula para gerar eletricidade], com líderes desse setor comprando a ideia.

 

*Mário Ferreira Campos Filho: Economista com MBA em Finanças e Relações Governamentais, Mário Ferreira Campos Filho respira o setor sucroenergético praticamente 24 horas do dia.