Com o crescimento do protagonismo climático na agenda internacional e a redução dos preços de energia renováveis, as petroleiras vêm perdendo prestígio no setor energético há algum tempo. Hoje, seu maior desafio é a covid-19.
As medidas de isolamento social e restrições de deslocamento entre países fizeram a demanda por petróleo despencar, levando ao aumento de reservas extras de mais de 20 milhões de barris por dia. Em março, a demanda caiu mais de um quarto e o preço despencou pela metade. Para impedir que o preço caísse mais ainda, Donald Trump incentivou a diminuição da produção e exploração de petróleo em sua conta no Twitter.
Em reunião da Opep+ (que inclui a Rússia) essa semana, o grupo decidiu limitar a produção de petróleo para 10 milhões de barris por dia, na tentativa de diminuir os danos e ganhar tempo. A incerteza com relação à duração do período de isolamento e a retomada da economia continua a deixar dúvidas em sua capacidade de recuperação.
Para alguns especialistas em energia, essa crise pode representar o fim do reino petroleiro. Com a dificuldade de ter lucro antes da pandemia, especialmente no setor de gás natural, o desafio será convencer investidores a continuarem a financiar o setor. O choque criado pelo lado da demanda leva a necessidade de uma maior diversificação no setor energético.
Michael Liebreich, consultor de energia no Reino Unido, acredita que a interrupção na cadeia de ofertas mostra a fragilidade das grandes economias e causa a necessidade de novas fontes de energia na matriz. Ele diz acreditar que carros elétricos vão ser mais cobiçados e melhores em cinco anos e duvida que a demanda por petróleo se recupere totalmente.
Quando visto dessa maneira, as energias renováveis têm um maior grau de autonomia e podem gerar mais receitas para o investidor, assim como acelerar o processo global de redução de emissões.
Do outro lado, insiders da indústria admitem que, assim como quase todos os setores, a indústria está passando por períodos de dificuldade. Mas ainda dizem acreditar que sua recuperação é essencial para a retomada da economia. Responsável por uma grande parcela de empregos e pela distribuição de energia dentro das grandes economias globais, a indústria petroleira supostamente terá um papel importante para restaurar a confiança e oportunidade de empregos.
A diminuição da produção causará uma elevação nos preços e, com um esperado crescimento gradual da demanda, o mercado irá se estabilizar. Segundo Bobby Tudor, fundador do fundo de investimento Tudor Capital, o possível intervalo entre a retomada da demanda e a alta do preço do produto pode levar a um momentum positivo, gerando lucros e atraindo investidores que restaurarão o fluxo de capital no setor. Vale lembrar que, atualmente, 80% da energia do mundo vem de fontes de combustíveis fósseis.
À medida que a crise for diluindo e a economia retomando movimento, muitas indústrias vão competir por acesso a crédito, investimentos e alívio fiscal. A concorrência entre diferentes tipos de energia será feroz, levando à falência muitas empresas com balanço geral frágil. As empresas maiores, com fluxo de capital mais estável e bem gerenciado, provavelmente vão permanecer no mercado e serão responsáveis por restaurar empregos, assim como criar novas oportunidades para inovação e crescimento econômico.
Segundo Ernest Moniz, ex-secretário de energia dos Estados Unidos, investimento em tecnologias que melhoram a eficiência energética é um caminho bastante promissor nos próximos anos. Moniz diz que a criação de coalizões entre diferentes stakeholders é o melhor caminho para resgatar o trabalho de mais de 10 milhões de desempregados norte-americanos. De acordo com o relatório de energia e emprego de 2020, o setor energético é responsável pela criação de 10,7% novos trabalhos desde 2015, uma porcentagem expressiva, ainda mais em períodos de crise.
Enquanto a humanidade aguarda ansiosamente uma solução para uma crise sem precedentes, não se sabe qual será a mudança de comportamento do consumidor. Talvez o isolamento social tenha mostrado que alguns trabalhos dispensem interação social, o que reduz drasticamente a necessidade de deslocamentos e de sistemas de transportes, economizando custos e prejudicando ainda mais a indústria petroleira. Ou prove o contrário, que encontros presenciais são essenciais para um aumento de produção e motivação do trabalhador.
A simplicidade pode nos levar a novas descobertas e inovações que facilitem nosso cotidiano e, quem sabe, seja um estímulo para a geração de novas fontes de energia mais limpas e duradouras.
Julia Fonteles é a criadora do blog “Desenvolvimento Passo a Passo”, plataforma voltada para simplificar ideias na área de desenvolvimento econômico; ela é formada em economia e relações internacionais pela George Washington University e é mestranda em energia e meio ambiente pela School of Advanced International Studies, da Johns Hopkins University.