A chamada "guerra comercial" entre os Estados Unidos e a China -- motivada por enormes interesses, tais como a disputa pela hegemonia comercial global -- vinha produzindo um efeito colateral perigoso para os países emergentes: o neoprotecionismo começava a crescer principalmente entre os mais ricos, o que acabaria gerando menor acesso a mercados agrícolas, com consequências negativas imprevisíveis para os exportadores de alimentos.
O acordo entre a União Europeia e o Mercosul, sinalizado em 28 de junho, teve dois grandes impactos positivos para o Brasil e os demais membros do nosso bloco: por um lado, foi um torpedo contra esse protecionismo que se desenhava, dada a expressiva parcela da população e da economia abrangidas pelo acordo.
Por outro lado, nos traz de volta ao grande jogo do comércio global do qual estávamos afastados desde que a Alca (Área de Livre-Comércio das Américas) foi abandonada em 2003. A falta de acordos bilaterais com países relevantes, a nossa ausência da TPP (Parceria Trans-Pacífico), e a trava da Rodada Doha da OMC estavam nos deixando fora de programas estruturados de comércio, embora tenhamos crescido muito nas exportações, sobretudo para a China.
Portanto, o acordo UE-Mercosul nos coloca de fato numa nova e alvissareira condição de jogadores importantes no comércio mundial. Aliás, outros países já se manifestaram favoravelmente a uma maior aproximação conosco, como Estados Unidos e Japão. E também vamos caminhando em acordos com Canadá e Coreia do Sul.
Mas atenção: o jogo nem começou, só está anunciado. Ainda terá de ser aprovado pelos Parlamentos de todos os países dos dois blocos, o que pode levar uns dois ou três anos. E depois teremos de negociar ponto por ponto o que vai acontecer com quotas, tarifas, barreiras não tarifárias e ter uma atenção especial com o chamado "princípio da precaução", pelo qual eventualmente alguns avanços podem ser negados.
Esse é um jogo que só podemos ganhar ou ganhar, o que implica a montagem de um time vencedor, competente e persistente, com players públicos e privados trabalhando juntos pelo País e pelo bloco. E sabendo que boa parte da torcida é contra, como já se está observando pelas reações de produtores de alguns países europeus. Será fundamental trabalhar com o tema da promoção das nossas vantagens competitivas, com ênfase para a demonstração da sustentabilidade de nossa produção, o que significa inverter a atual equação de percepção e realidade, em que a primeira domina em função de erros de comunicação por parte de agentes do governo e por ausência do setor privado.
Há, portanto, uma gigantesca tarefa por realizar, em especial no que diz respeito à agropecuária. Esse setor responde sistematicamente, desde 2010, por mais de um terço do valor das nossas exportações. Respondemos por 95% do comércio mundial de suco de laranja, 50% do complexo soja, 35% de carne de frango, 34% de açúcar, 30% de café (verde, torrado e solúvel), 17% de carne bovina, 16% de milho, 11% de algodão, 6% de carne suína, 5% de animais vivos, 2% de cacau, rações e arroz, e apenas 1% ou menos em frutas (uvas, cítricas, bananas), chocolates, óleo de palma, cervejas. Podemos crescer muito em todos eles, mas somos responsáveis por medíocres 0,3% do comércio mundial de pescados e 0,2% de lácteos, sem falar em outros grãos, como amendoim, trigo, sorgo, gergelim, em que temos potencial.
Falta pesquisa e programas para isso tudo, e o acordo exige esse trabalho.
Mas não basta: teremos de abrir mais o nosso mercado. A União Europeia exportou no ano passado US$ 168 bilhões em produtos agropecuários, mas importou US$ 182 bilhões; os Estados Unidos exportaram US$ 156 bilhões, mas importaram US$ 165 bilhões; a própria China exportou US$ 79 bilhões e importou US$ 137 bihões. Enquanto isso, o Brasil exportou US$ 85 bilhões e só importou US$ 11 bilhões. É insustentável, temos de flexibilizar nosso mercado. Mas por outro lado, temos de investir muito mais no que fazemos em inovação tecnológica, em gestão, em infraestrutura e em logística, para citar apenas alguns temas centrais.
Em suma, voltamos, sim, ao jogo. Mas para vencê-lo, e disso depende o desenvolvimento do Brasil e de nossos parceiros do Mercosul, há um longo caminho a percorrer. E já perdemos tempo demais.
*Roberto Rodrigues - ex-Ministro da Agricultura, Embaixador da FAO para o Cooperativismo e Diretor do Departamento de Agronegócios da FGV.