Descarbonização da frota e os preços dos combustíveis - Por Besaliel Soares Botelho

Descarbonização da frota e os preços dos combustíveis - Por Besaliel Soares Botelho

A discussão atual sobre a baixa dos preços de combustíveis conjugadas com as políticas tributárias estaduais e federais recém aprovadas no Congresso reforça minha tese de que a descarbonização da mobilidade brasileira está intrinsecamente ligada, não apenas nas tecnologias de propulsão que a indústria automobilística desenvolveu nas últimas décadas, mas também na viabilidade econômica para o consumidor, que opta pelo combustível ao abastecer o veículo.

Nos anos 90, quando desenvolvemos a tecnologia Flex, buscávamos dar ao consumidor a liberdade ao abastecer e uma vantagem econômica. Em vez de um carro a álcool ou um carro a gasolina, que sofria com as políticas de preços dos combustíveis - da Petrobras ou das usinas de cana de açúcar - um veículo que poderia usar os dois combustíveis. E as vantagens não se resumiam ao aspecto de maior liberdade para o consumidor. Ao longo dos últimos 20 anos, a tecnologia flexfuel fez do Brasil um efetivo ator para a descarbonização, que na mobilidade tem grande contribuição. Foram evitadas as emissões de mais de 600 milhões de toneladas de CO2, correspondendo a 4 milhões de árvores plantadas. Porém, até hoje, o consumidor opta pelo que quer colocar no tanque em função do preço dos combustíveis na bomba quando vai abastecer.

Isso acontece em função do menor poder calorífico do etanol frente a gasolina - o motor rodando com etanol consome em média 30% a mais, o que exige uma paridade de preço de no mínimo 70% frente ao preço da gasolina comum. Dificilmente a nova política de preços afetará a paridade do preço gasolina e etanol, e o consumidor continuará buscando sua vantagem competitiva abastecendo com etanol apenas onde o preço do etanol for substancialmente menor que 70% na paridade com gasolina, o que equipara os dois combustíveis na autonomia de consumo.

É possível saber quanto o carro do consumidor contribui para redução de CO2, gerando créditos para venda no mercado.

Hoje sabemos que isso ocorre apenas em alguns Estados no Sul e Sudeste. É uma questão de mercado, de oferta e demanda, não me parece que a nova política como está mudará a fórmula da paridade de preços trazendo alguma vantagem para o etanol. Se o preço da gasolina subir mais, em decorrência da atual guerra, o preço do etanol subirá também na bomba trazendo pouca ou nenhuma motivação ao consumidor em contribuir com a descarbonização usando um combustível renovável genuinamente brasileiro.

Como podemos motivar economicamente nosso consumidor a contribuir com a descarbonização abastecendo os veículos flex com etanol independente da paridade 70% com a gasolina?

A resposta está na tecnologia já existente. Hoje podemos detectar por veículo e motor a exata quantidade de etanol consumida. As tecnologias de gerenciamento de motor a combustão atual dão tal informação com precisão em função do algoritmo de software usado para a gestação da queima do combustível. Personalizar isso por veículo e por condutor viabiliza fazer uma conexão direta de quanto o condutor estaria contribuindo para a descarbonização que gerasse. Isso é crédito de carbono na veia e se torna um valor na mão do consumidor que pode vendê-lo por valor de mercado.

O que precisamos então? Uma legislação que regule a maneira deste crédito ser auferido e comercializado. Por exemplo, o consumidor poderá no momento de uma revisão em uma autorizada ter o registro homologado de seus créditos, que poderá utilizar em um cartão de crédito, como hoje acontece com as milhagens de voo.

O consumidor poderá comprar produtos ou utilizá-las para abater valores de manutenção na concessionária. A concessionária por sua vez, ligada a uma instituição financeira, teria como negociar o valor do dia na bolsa de valores, assim o consumidor teria uma receita proveniente de sua escolha pela sustentabilidade e ainda uma motivação para a descarbonização que faz bem ao planeta. Ou seja, uma legislação que normatize esse benefício de crédito diretamente ao consumidor no momento que ele abastece na bomba e paga pelo combustível e onde a venda do crédito de carbono fica registrada a ele.

Em função do compromisso assumido de carbono zero até 2050, o mundo da indústria da mobilidade hoje está se transformando com uma busca frenética por alternativas aos combustíveis fósseis. Os veículos elétricos são realidade hoje em vários mercados desenvolvidos e crescem vertiginosamente, porém esta não é uma realidade mundo afora. No Brasil este ano vamos crescer mais ainda com a oferta de veículos elétricos e estamos convictos que esse será o caminho certo a longo prazo para a efetiva descarbonização.

Outros governos que não têm a opção do etanol estimulam fortemente a demanda de veículos elétricos para a descarbonização na busca rápida de escala. Porém, fica ainda o desafio da Economia Circular, em especial o caso das baterias. Fica também o debate da utilização de energia fóssil para a geração desta energia complementar da mobilidade. No Brasil, a escala necessária para atrair os investimentos em infraestrutura e produção local somente virá no momento em que os preços dos veículos caibam no bolso do consumidor e nos níveis dos veículos populares da década passada.

Portanto, para o real avanço da descarbonização no Brasil usando combustíveis renováveis como etanol ou mesmo o biodiesel, além das políticas públicas já em andamento, tais como o Renovabio e Rota 2030, precisamos de políticas públicas que motivem economicamente o consumidor a abastecer com o etanol e que favoreça sua direta participação no comércio do crédito de carbono por caminhos fáceis como, por exemplo, concessionária, banco e bolsa. Tal legislação viabilizada coloca o Brasil na competição internacional da mobilidade sustentável em posição privilegiada para toda a cadeia produtiva automotiva, com repercussão muito positiva internacionalmente. Seremos protagonistas de novo de um tema que sempre tivemos em nossas mãos, aceito pela sociedade brasileira, viabilizado pela indústria e apoiado pelos governos.

*Besaliel Soares Botelho é presidente da AEA - Associação de Engenharia Automotiva e membro do Conselho de Administração da Bosch.

 

Valor Econômico

 

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