Descontruindo o mercado de açúcar - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Descontruindo o mercado de açúcar - Por Arnaldo Luiz Corrêa

Michael Lewis, jornalista, economista e escritor americano, articulista do NYT e profundo conhecedor das entranhas dos mercados financeiros, com vários livros na lista dos mais vendidos como Moneyball, Liar’s Poker, Flash Boys, entre outros, publicou recentemente um delicioso livro em que conta a envolvente história da parceria e amizade de dois psicólogos israelenses, Danny Kahneman (laureado com o Premio Nobel em 2002) e Amos Tversky, cujo trabalho deu origem ao livro “Rápido e Devagar: duas formas de pensar”.

Michael discorre no livro “O Projeto Desfazer” as conclusões dos dois amigos ao longo de vários anos de estudos acerca do processo humano de tomada de decisão, demonstrando que a mente, quando obrigada a fazer escolhas em situações de incerteza, sistematicamente se engana, desfazendo e desconstruindo a ideia de que nós humanos tomamos decisões racionais. Podemos até tomá-las em algumas ocasiões, mas nem sempre isso ocorre. O trabalho deles teve enorme impacto em várias áreas promovendo avanços na análise de diagnósticos médicos, entre outros.

Você, caro leitor e cara leitora, deve estar se perguntando por que raios será que depois de quatro semanas de férias sem comentário semanal sobre o mercado de açúcar, no meio de uma avalanche que fez derreter os preços da commodity na bolsa em NY, despencando de 15.16 centavos de dólar por libra-peso para 13.25 centavos de dólar por libra-peso, esse escriba começa o ano fazendo resenha de livro? Calma, eu chego lá.

Danny e Amos já falavam de algoritmos décadas antes de o mercado usar o termo. Nas áreas que lhes coube, os algoritmos ajudavam a tirar o componente pessoal, inferências subjetivas e outros filtros no recrutamento de soldados para o exército de Israel, aumentando a eficiência na escolha dos profissionais.

Nos mercados, os algoritmos são usados por alguns fundos e investidores para aproveitar as fraquezas humanas em tomar decisões de maneira racional que potencializam lucros ou perdas: euforia e pânico. Ou seja, fundos e investidores usam complicadas fórmulas matemáticas e algoritmos determinísticos ou não-determinísticos e operam no mercado, livre dos entraves humanos ligados a medos, euforias e pânicos.

E é evidente que se ganha dinheiro na euforia e no pânico. Na euforia, os preços do ativo são elevados artificialmente por meio de compras sistemáticas (o mercado de bitcoins é um exemplo recente, o açúcar a 24 centavos de dólar por libra-peso em outubro de 2015 é outro) até o ponto em que os fundos realizaram lucros de mais de dois bilhões de dólares (no açúcar).

No pânico, que é a atual situação do açúcar, as posições são vendidas sistematicamente pelos fundos que a aumentam na medida certa em que o pânico é instaurado (análise de big data, como me disse um quant) e aqueles que não tomam decisões racionais colaboram e ajudam a derrubar ainda mais os preços. O próprio Danny Kahneman observou que as pessoas, quando confrontadas com perdas, passam a buscar o risco. Ou seja, aquela mesma empresa que deu de ombros para o mercado quando estava a 24 centavos de dólar por libra-peso, agora se atira para fixar seus preços a 13 centavos de dólar por libra-peso.

Assim, temos de um lado preocupados traders e usinas procurando sobreviver em um mercado onde as notícias fundamentalistas são comprovadamente baixistas e, do outro lado, robôs programados para usufruir ao máximo de duas características humanas nem sempre construtivas. Ah, mas isso é ficção científica. Será mesmo?

Bem, fundamentalmente falando, a noção de que os preços do açúcar estavam inflados em outubro de 2015 era facilmente observável porque o hidratado, por exemplo, chegou a negociar ao equivalente a 800 pontos de desconto em relação ao açúcar. Ou seja, alguma coisa estava bem errada. A orientação que dávamos na ocasião era fixar os preços do açúcar ao longo da curva em reais por tonelada no volume máximo possível, porque a remuneração, vis-à-vis o custo de produção médio, era extraordinária.  Hoje, quando vemos que o hidratado negocia a 450 pontos de prêmio sobre o açúcar, a percepção que temos é, da mesma forma, que alguma coisa está bem errada. Bem, o que fazer? Vamos tentar olhar racionalmente.

Ninguém duvida do superávit esperado para esse ano. Muito menos da produção indiana que aponta para 27 milhões de toneladas de açúcar, nem do aumento na produção da Tailândia e da EU. O que se discute é quão baixista o mercado ainda pode ser? Há exageros na alta assim como há exageros na queda. Senão vejamos, o fechamento da sexta em NY equivalia a 973 reais por tonelada. A média nos últimos oito anos foi de 1031 reais por tonelada. O valor mais baixo ocorreu em maio de 2010, 570 reais por tonelada e o mais alto, em outubro de 2016, 1,762 reais por tonelada. O valor mais baixo mencionado acima, se corrigido pelo IGPM, seria hoje de 915 reais por tonelada, ou o equivalente a NY a 12.50 centavos de dólar por libra-peso.

Ocorre que em 2010 não havia a preocupação acerca da produção de cana no Brasil como existe hoje. A produção estimada para 2018/2019 no Centro-Sul é de 585 milhões de toneladas de cana com claro viés de baixa. A ATR vai definitivamente ser menor. Ou seja, continuamos estagnados desde 2010/2011 praticamente com a mesma produção de ATR. Do lado do consumo interno, existe um aumento na venda de veículos flex, maior procura pelo hidratado em função da gasolina que está mais cara e uma tendência de que – caso o PIB cresça mesmo 3% em 2018 – haja um acréscimo no consumo de combustíveis ciclo Otto em três bilhões de litros, dos quais 40% são etanol e equivalem a um enxugamento de dois milhões de toneladas de açúcar.

Mas, ocorre também que começamos o ano de 2018 com um volume muito grande de fixações pendentes por parte de usinas que ainda esperavam pelo melhor e que – segundo consta no mercado -acabaram vomitando os lotes pendentes nos últimos dias. Também contribuiu em alguma magnitude as operações de balcão (essas que acumulam a dor) em que as usinas se viram com menos hedge do que esperavam e tiveram que ajustar o delta vendendo no mercado. E, claro, último, mas não menos importante, um Ministro da Agricultura que dá uma declaração inoportuna sobre imposto de importação de etanol. Enfim, não há decisão racional que resista a tantos percalços.

Arnaldo Luiz Corrêa