Disciplina é o nome do jogo – Por Arnaldo Luiz Corrêa
O mercado futuro de açúcar em NY fechou a semana de maneira errática na sexta-feira, com o vencimento julho/2016 encerrado a 19.76 centavos de dólar por libra-peso, apenas 6 pontos de valorização em relação à semana anterior, depois de haver atingido 20.15 centavos de dólar por libra-peso, a maior cotação desde outubro de 2013. Os demais meses fecharam com variações positivas e negativas, com destaque para o vencimento março/2017, o mais preocupante pois reflete a entressafra no Centro-Sul, que subiu quase 5 dólares por tonelada.
A exuberância do mercado começa a preocupar os participantes por sua irracionalidade no momento atual considerando que, em menos de dois meses, tivemos uma apreciação de 538 pontos no mercado futuro (20.15 – 14.77). Os valores cresceram 36%. A conta de chamada de margem preocupa pelo efeito dominó que ela desencadeia. Vamos assumir que o Brasil exporte neste ano safra 25 milhões de toneladas de açúcar. Quase 83% desse volume, segundo o modelo desenvolvido pela Archer Consulting, estava fixado na média de 14.11 centavos de dólar por libra-peso até o final de abril. Ou seja, 20.7 milhões de toneladas estão fixadas. Exportamos nos meses de abril e maio um total de 3.5 milhões de toneladas. Em tese, neste momento, temos 17.2 milhões de toneladas fixadas e ainda não-embarcadas cuja chamada de margem estimada é de US$ 125 por tonelada, perfazendo um total de US$ 2.1 bilhões que saíram dos bolsos das empresas comerciais.
Esse volume de recursos sangra o fluxo de caixa e as tradings são forçadas a restringir a fixação de preços para os contratos em aberto com as usinas alimentando a continuação da alta. Além disso, para diminuir o impacto das chamadas de margem no fluxo de caixa, várias empresas compraram calls (opções de compra). Ora, os vendedores dessas calls a descoberto o fazem com o intuito de embolsar time-value aproveitando as altas volatilidades (em dois meses pularam mais de cinco pontos percentuais) e zeram o delta (risco direcional) comprando futuros, alimentando ainda mais a alta. Esse ciclo parece estar ocorrendo nesse momento.
A irracionalidade (a meu ver temporária) pode elevar ainda mais as cotações que também contam com as ordens de stop (ordens de compra que são acionadas pelos vendidos objetivando estancar um prejuízo, limitando a determinado nível uma perda). Está doendo no bolso. Mercados exageram na alta e na baixa.
Independentemente do que ocorrer, acreditamos que no final deste ano, no último trimestre, vamos assistir ao março/2017 fortalecendo ainda mais (nosso modelo acredita em 22.77 centavos de dólar por libra-peso). É claro que uma forte realização deverá ocorrer antes disso. E a razão é que os fundos quebraram novo recorde de posição comprada. Agora estão quase 325.000 contratos. É racional pensar que em algum momento eles deverão querer embolsar essa quantidade enorme de dinheiro que estão ganhando. A questão é saber como, quando e com que magnitude essa realização de lucros ocorrerá. Acho muito difícil que o mercado possa sequer voltar aos níveis de apenas dois meses passados, ou seja, abaixo dos 15 centavos de dólar por libra-peso. Porque existe um universo de potenciais compradores ávidos para ter essa oportunidade perdida de volta.
Uma estratégia que pode ser interessante para travar rentabilidade é a compra de put spread com a venda de uma call.
Nossos comentários semanais são independentes e refletem nossa cuidadosa análise dos fundamentos do mercado. Temos como objetivo disseminar a cultura da gestão de risco no agronegócio a fazer ver aos nossos clientes e leitores da importância em tratar este tema com absoluta disciplina.
Para exemplificar a importância da disciplina no trato da gestão de risco, permita-nos remeter ao último comentário do ano de 2015, mais precisamente na semana encerrada em 18 de dezembro, o título do comentário era: “2016 PODE SER UM BOM ANO PARA AS USINAS”.
Naquela ocasião exortávamos as usinas a fixarem seus preços para maio/2017 que estava liquidando o equivalente a R$ 1.530 por tonelada (o dólar negociava a R$ 3.9464) e afirmamos que se “a crise política se equacionar e o país recuperar a credibilidade no exterior, o dólar pode voltar ao nível de 3.5000, o que colocaria o ponto de equilíbrio em NY (para esta operação) em 19 centavos de dólar por libra-peso”. E completávamos que, “se a empresa não se sentir confortável, pode comprar calls (opções de compra) num preço de exercício próximo aos níveis de equilíbrio, participando num eventual rally (subida repentina de preços) que possa ocorrer no preço em dólares. ”
Se, naquele momento, a usina tivesse fixado o preço em reais e comprado uma call de 19 centavos de dólar por libra-peso com vencimento para maio/2017, hoje a fixação estaria em R$ 1,660 (já incorporando o ganho obtido com a compra da call). Na sexta-feira, o maio/2017 fechou a 19.09 centavos de dólar por libra-peso e o NDF (contrato a termo de dólar com liquidação financeira) com vencimento no mesmo período está em R$ 3,7655, ou seja, uma fixação equivalente a R$ 1,650 por tonelada. Apenas R$ 10 por tonelada de diferença numa análise feita há 180 dias, que permanece consistente apesar de o mercado ter subido mais de 30% em dólares. Disciplina é o nome do jogo.
Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting