E agora? - Por Joaquim Levy

Há várias maneiras do Brasil baixar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) na esteira da recente Cúpula do Clima e antes mesmo da Reunião das Partes em Glasgow, no final do ano. A maneira mais direta e assertiva é diminuindo o desmatamento e as queimadas na Amazônia já na temporada seca que se inicia.

Se chegarmos ao fim de 2021 com o desmatamento em 12 meses na faixa de 7 mil km2, como foi a média da década passada, já se dará uma sinalização interessante. Se limitarmos a destruição aos 4,5 mil km2 verificados no começo dos 2010, será o tipo de sinal que ajudará a reativar o fluxo de investimento estrangeiro para o Brasil, em uma hora em que precisaremos de máximo apoio para engrenar a retomada econômica após a covid. Essa retomada não vai parecer tão fácil quanto aquela de 2020, que foi estimulada por mais de R$ 0,5 trilhão de gastos públicos e uma política monetária muito expansionista. Essas condições não se repetirão e a retomada dependerá de haver mais investimento no país.

Construir um mercado de carbono nos permitirá entender o real potencial do setor florestal gerar créditos

Olhando para o desmatamento no médio prazo, a presidente da Comissão das Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado posicionou-se a favor de formalizar o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2025. Para aumentar as chances de sucesso de uma ação como essa é essencial, além de fortalecer os órgãos ambientais, designar como áreas protegidas as áreas de propriedade pública federal ou estadual com florestas e ainda sem destinação explícita, de forma a diminuir a chance de serem invadidas. Essa designação cria um direito a favor da defesa do patrimônio público, orientando os recursos privados para melhorar a produtividade das áreas abertas até o começo da década passada, ao invés de ampliar o desmatamento.

Essa moratória na apropriação de áreas públicas com florestas é compatível com o princípio de "minimizar o arrependimento" que muitos economistas defendem ser aplicável aos casos em que o uso equivocado de um recurso cria perdas difíceis de serem revertidas. Esse é o caso do desmatamento, que tem resultado em tantas áreas com baixa produtividade ou abandonadas, que fragilizam a floresta e a economia, e cuja recuperação é cara e sempre incompleta, mesmo quando há regeneração ou reflorestamento.

Outra maneira de avançarmos na economia de baixo carbono é instituir um mercado que precifique as emissões de GEE e oriente as escolhas de investimento nos próximos anos. O Banco Mundial preparou para o Ministério da Economia uma uma análise de como isso poderia ser desenhado e implementado, baseado em estudos conduzidos por mais de 80 especialistas1. A conclusão no relatório de resultados preparado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro é de que, se as emissões e a captura de carbono pela indústria, serviços incluindo transportes, agropecuária e atividades florestais forem medidas e tarifadas, é possível chegar a um preço para a tonelada de carbono que atenda a uma meta de redução de GEE bastante agressiva e com custos de implementação relativamente baixos.

Como toda solução de mercado, o equilíbrio alcançado pela precificação das emissões de carbono tem chance de exigir menos investimentos, criar mais empregos, e estimular mais a atividade econômica do que a imposição de programas setoriais restritivos.

Parte importante da indústria brasileira está disposta a construir um mercado de carbono com o governo. Além de abrir portas para o Brasil entre membros da OCDE, começar esse mercado nos permitirá ainda entender o real potencial do setor florestal gerar créditos de carbono - algo para o qual temos que nos preparar rapidamente no caminho de Glasgow.

O estudo entregue ao Ministério da Economia mostra que um mercado de carbono incentiva ações relacionadas à conservação e à recuperação das florestas nativas e, por vezes, às florestas comerciais. É a compensação oferecida por essas ações para setores em que a diminuição de emissões é mais difícil ou cara que permite reduzir as emissões do país com um preço de carbono baixo, atendendo objetivos climáticos e estimulando o PIB e o emprego.

Aproveitar as soluções baseadas na natureza exige também trabalho árduo para desenvolver novas tecnologias. Exemplo disso é o futuro dos biocombustíveis. O etanol como combustível pode morrer com os motores a combustão interna por volta de 2030, ou ter nova vida alimentando as células combustíveis dos motores elétricos nos veículos que serão dominantes a partir dos anos 2040.

Há muitos desafios até se conseguir extrair íons das moléculas de etanol e gerar uma corrente sustentada e forte em veículos. Mas o etanol é mais fácil de transportar do que o hidrogênio ou a amônia, e poderá ser uma opção segura e barata para os motores elétricos. O estímulo às pesquisas sobre o uso do álcool em células combustíveis é assim uma chave para revitalizar nossa indústria e criar oportunidades duradouras para o agronegócio, sem sacrificar a produção de alimentos de qualidade para o Brasil e o mundo.

O Brasil tem o capital humano e os recursos naturais para ser vitorioso na corrida da descarbonização da economia global. Sucesso nesse tipo de ambição em geral exige estabelecer metas e prioridades, reforçar instituições e encontrar aliados. Essa é a motivação, por exemplo, da Coalizão dos Ministros da Fazenda pelo Clima, que reúne mais de 60 países e à qual os EUA se juntaram recentemente, mas que ainda não conta com o Brasil.

Os objetivos da Coalizão de Ministros são desenvolver a infraestrutura institucional para incorporar clima e ambiente ao processo orçamentário, com definição de metas e métricas adequadas, apoiar a introdução e expansão de mercados de carbono, e, quando cabível, orientar os reguladores financeiros para adaptar o sistema financeiro e os mercados de capital à dinâmica do clima.

Essas são as oportunidades que o Brasil tem que agarrar para voltar a crescer e oferecer uma vida melhor para nossa população.

* Joaquim Levy - Foi ministro da Fazenda e Diretor Gerente do Banco Mundial e é Diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercado do Banco Safra