O Brasil tem exemplos concretos de que trilhar uma nova economia, responsável e escalável, é possível.
Ao longo dos últimos séculos, a humanidade contratou um futuro nebuloso na agenda da sustentabilidade. E cabe ao presente reverter a tendência de desfecho desastroso, incluindo a imperativa concertação com vistas a uma nova civilização verde. O aquecimento global e as mudanças do clima se transformaram em emergência climática. Se falávamos em mitigação, diante de danos irreversíveis, agora já devemos cuidar de adaptação, conforme último relatório do IPCC.
Não seria exagero afirmar que o planeta se aproxima de momento dramático. A solução para evitarmos ponto sem retorno depende da viabilização de acordo em escala mundial, que sirva de ponte para ações estruturantes devotadas a uma efetiva virada verde em escala global.
A primeira seção da COP-15 da Biodiversidade, ocorrida em outubro, de maneira híbrida, mas a partir da China, constatou que nenhuma das 20 metas de Aichi foi plenamente atingida. Desses debates iniciais, em processo a ser concluído em 2022, foi elaborada a Declaração de Kunming. Assinado por mais de 100 países, o documento exige atitudes urgentes e conjuntas para que a biodiversidade esteja inserida no planejamento de todos os segmentos da economia mundial.
Uma união global, baseada em ciência e em tecnologia, também é indicada no documento final divulgado pelo Fórum Mundial de Bioeconomia, recentemente realizado, de maneira inédita, em Belém do Pará.
Neste momento, Glasgow recebe a mais simbólica das COPs do Clima. Manifestações em diferentes pontos do mundo demonstram o anseio popular para que dali saiam ações para salvar o planeta. Espera-se que os líderes globais se mostrem à altura dos desafios. A Cúpula do G-20, em Roma, ficou aquém da necessária estruturação de um plano de convergência entre os países responsáveis pela emissão de 80% dos gases de efeito estufa (GEEs). O encontro, que deveria inspirar as discussões no Reino Unido, parece ter sido frustrado. Isso aumenta a responsabilidade das negociações na COP-26, que terão o dever de produzir decisões consequentes, factíveis e lastreadas no efetivo engajamento de todos os signatários.
O mercado global de créditos de carbono tem de deixar de ser potencialidade para virar realidade, criando incentivos na rota da descarbonização. Nesse sentido, também é necessário que saia do papel o compromisso de financiamento climático anual de US$ 100 bilhões, previsto desde o Acordo de Paris, para que países em desenvolvimento possam atingir suas metas específicas.
Não se trata de mera ajuda, mas de justiça. Os maiores emissores de gases de efeito estufa desde a Revolução Industrial precisam contribuir significativamente para que sejam minimizadas as consequências de todas essas décadas de despejo de CO2 na atmosfera. Ao mesmo tempo, são os povos dessas nações menos desenvolvidas que mais sofrem com os impactos de eventos climáticos extremos que foram exacerbados pela ação humana no planeta.
Sem uma biodiversidade saudável, gradativamente teremos florestas menos efetivas no sequestro de gás carbônico, agricultura menos produtiva e um cenário crescentemente perigoso para toda a vida no planeta.
São diversos os modelos que podem ser implantados na construção desta trajetória de sustentabilidade. O Brasil tem exemplos concretos de que trilhar uma nova economia, responsável e escalável, é possível.
A Natura, por exemplo, investe em ciência e pesquisa para, de maneira sustentável, utilizar matéria-prima vinda da Amazônia, levando até os consumidores produtos com importantes traços da maior floresta tropical do mundo.
Já o setor de árvores cultivadas, que atua fora do bioma Amazônia, trabalha com a técnica chamada mosaico florestal. Este manejo integra cultivo produtivo, comumente realizado em áreas antes degradadas, com florestas nativas preservadas. Criam-se verdadeiros corredores ecológicos. Essa ação faz com que, na escala de paisagem, seja assegurada a biodiversidade, não só entre áreas de cultivo e de conservação, mas também com árvores plantadas em idades diferentes. Quanto mais diversificado esse mosaico, mais sustentável é o território. Esse conjunto de conhecimentos e técnicas já é aplicado há anos pelo setor no País e é referência mundial.
Assim, o Brasil chega a Glasgow com sua maior mobilização para uma Conferência do Clima. A iniciativa privada levará seus avanços sustentáveis; a academia e a sociedade civil chegam em peso para cobrar e contribuir com as indispensáveis convergências. Esta capacidade, aliada ao nosso imenso ativo ambiental, deveria fazer do País um dos líderes da COP-26.
Para superar a posição ambientalmente defensiva em que nos encontramos e colocarmos o País na vanguarda das soluções para o futuro, é fundamental mostrar ao planeta que somos contrários e vamos coibir duramente as ilegalidades, como desmatamento, queimadas e grilagem, e faremos da melhor ciência a bússola para realizar uma transição verde. Fazer disso uma realidade é urgente, pois a convulsão climática não dá trégua
*Paulo Hartung, economista, presidente-secutivo do IBÁ, foi governador do Estado do Espírito Santo