El Niño coloca o agro em alerta para a safra de verão

El Niño coloca o agro em alerta para a safra de verão - Por Desirée Brandt

No Sul, as tempestades podem prejudicar os trabalhos de finalização e colheita do trigo

Os reflexos do El Niño tendem a ser percebidos em todo mundo nos próximos meses. Isso porque o Pacífico é o maior oceano do planeta e nele existem diversas variações de temperatura que podem impactar o comportamento da atmosfera globalmente.

Considerando que o El Niño – aquecimento atípico na parte tropical do Pacífico – faz parte dessas variações, certamente, vamos notar sua influência, inclusive no Brasil.

Por aqui, sua presença se fará sentir, sobretudo ao longo dos próximos meses, quando ganhará mais intensidade. Justamente nesse período se inicia a safra de verão 2023/2024, um momento de extrema importância para o setor agrícola no Brasil e na América do Sul.

Nas próximas semanas, aos poucos, a atmosfera começa a apresentar mudanças no padrão de chuva do Brasil. Gradualmente devem ocorrer as primeiras pancadas, ainda que de forma rápida e localizada, entre o Sudeste e Centro-Oeste.

A antecipação da chuva típica de primavera, mesmo que timidamente, já está associada à presença do El Niño, cuja vigência foi confirmada em meados de junho de 2023, quando a Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) identificou que as condições neutras no Pacífico equatorial passaram para condições mais quentes que o normal.

Os produtores rurais enfrentarão diversos desafios relacionados ao El Niño e o primeiro deles poderá impactar ainda as lavouras de inverno no Sul. Os impactos variam conforme as regiões brasileiras, mas os agricultores devem se preparar para uma realidade bastante diferente daquela que experimentaram nos últimos anos.

Na região Sul, a primavera será marcada por fortes temporais em importantes áreas produtoras. Se, por um lado, o El Niño diminui o risco de geadas tardias, por outro, aumenta o risco de tempestades nessa região.

A expectativa é de acumulados acima da média – o que pode prejudicar os trabalhos de finalização e colheita do trigo. Essa chuva poderá se apresentar como uma ameaça considerável capaz de derrubar as plantações devido ao acamamento, sem falar no alto risco de queda de granizo – um dos principais vilões aos agricultores.

Já para o início do verão, o El Niño deverá ser benéfico. Em janeiro, sobretudo no Rio Grande do Sul, por enquanto a expectativa é de chuva acima da média, diminuindo o risco de secas mais prolongadas.

No Sudeste e no Centro-Oeste, mais do que quantidade, o importante será a qualidade da chuva. Embora os modelos de previsão sugiram que a chuva aconteça de forma antecipada, atinja e até mesmo ultrapasse a média histórica durante a primavera, frequentemente ela virá de maneira irregular, ao longo do período e do ponto de vista espacial.

Pode chover muito em poucos dias, ou mesmo em poucas horas, com intervalos de tempo seco mais longos do que se deseja entre uma chuva e outra, gerando estresse hídrico nas lavouras.

Início do verão
Alguns modelos de previsão apontam para um início de verão desafiador, com volumes abaixo da média histórica entre São Paulo, Mato Grosso do Sul, centro e sul de Minas; e importantes áreas agrícolas do sul de Goiás. E, com base em registros históricos, é comum que o El Niño possa aumentar a probabilidade de uma interrupção precoce da chuva de verão, o que poderia gerar dificuldades para o milho safrinha de 2024.

No Norte e Nordeste, a chuva dificilmente atingirá a média histórica. Podem ocorrer episódios de forma antecipada, que se vierem, ainda que de forma pontual, poderão fazer com que o sistema radicular das plantas, em certas áreas produtoras, não tenha um desenvolvimento suficiente para eventualmente enfrentar um período mais prolongado de tempo seco.

Os modelos de previsão sugerem um enfraquecimento do El Niño entre janeiro e fevereiro de 2024, quando a chuva poderá ultrapassar a média histórica, para o Matopiba – contração de Maranhão, Tocantins, Piauí e oeste da Bahia – e leste do Pará nesse período.

Embora não garanta condições ideais para safra, ao menos contribui para minimizar os riscos envolvidos. Esta será uma safra desafiadora para o Matopiba, mas nada próximo aos grandes períodos de seca que a região já enfrentou, como na safra de 2015/2016, quando estava vigente o El Niño mais forte do século.

Em resumo, o cenário é de atenção. Lembramos que os efeitos do fenômeno são globais e podem impactar outras regiões produtivas do mundo, causando aumento no preço das commodities. Investir em um bom planejamento, que leve em conta as variáveis meteorológicas e os efeitos do El Niño em cada região, será fundamental para evitar perdas e garantir uma boa safra.

Por Desirée Brandt - meteorologista na Nottus

 

Globo Rural