Entressafra e o caixa - gestão estressante e de alto risco - Por Marcos Françóia

Entressafra e o caixa - gestão estressante e de alto risco - Por Marcos Françóia

Com cenário adverso, há empresas que entram na entressafra sem estoque e já fazendo vendas antecipadas da produção da safra 2019/2020

A safra 2018/2019 está se alongando devido a instabilidade climática, impactando até as unidades mais eficientes, que previam uma safra finalizada em menor tempo, e está se repetindo mais longa para aquelas unidades que sofrem há anos para promover uma logística de colheita eficiente e que agora estão mais impactadas com as chuvas.

Algumas dessas unidades continuarão a deixar cana em pé para ser colhida na safra seguinte, prejudicando-se economicamente.

Com a chegada do mês de novembro aumenta a pressão psicológica sobre os gestores das empresas, principalmente os gestores financeiros, que precisam de uma dose extra de criatividade para transitarem pela longa entressafra canavieira, promovendo o mínimo de investimentos na lavoura, uma gestão linha dura nas despesas e o equilíbrio emocional necessário para renegociar os passivos existentes. Um perfil de grande parte das empresas do setor e que tem se repetido por dez anos, desde que a crise financeira mundial abalou o mercado de crédito e pegou o setor sucroenergético em um momento de transferência da prioridade energética do governo federal para o pré-sal, deixando o setor abandonado e com alto grau de endividamento.

Conjugar o caixa com as prioridades operacionais e estratégicas da administração da dívida não é jogo fácil e muito menos para qualquer aventureiro interno ou externo às organizações. Os riscos econômicos de uma entressafra com pouco dinheiro em caixa são grandes.

Impactam na qualidade da reforma e na manutenção da indústria, das máquinas e implementos agrícolas, bem como na qualidade dos tratos culturais da lavoura, onde se prioriza o essencial ou quase isso. E os impactos são cumulativos para a safra seguinte, com paradas maiores na indústria, ineficiência na colheita e impactos negativos na produtividade agrícola. Ou seja, é um ciclo que só piora as condições econômicas das empresas e tem desenhado o quadro atual para mais de 60% do setor muito endividado e com custos de produção acima dos padrões médios.

Padrões médios de custos que também estão distorcidos, pois como na média a maior parte das empresas estão com baixa produtividade e acabam por elevar seus custos, acabam por distorcerem a média, que tristemente ainda está sendo um indicador de qualidade para alguns gestores que preferem se enquadrar na média do que entenderem qual é o DNA de seus custos, já que cada empresa tem o seu potencial e que deve ser entendido e trabalhado para ser minimizado. Enquanto o gestor se conformar em ficar dentro da média, estará levando o empreendimento para a média dos piores resultados econômicos do setor.

Para as empresas com alto grau de endividamento a solução não será no curto prazo e passa por uma revisão geral de seus processos produtivos, de apontamento e revisão de seus custos de produção e de um plano orçamentário e estratégico financeiro muito bem elaborado. Para isso precisam cercar-se de especialistas que entendem o processo produtivo agroindustrial do setor e que conseguem, separando a emoção, olhar os pontos falhos nos planejamentos estratégicos operacionais e renegociação de dívida, do campo ao banco.

Algumas empresas se aventuraram em algumas assessorias e estão em condições econômicas piores do que quando renegociaram suas dívidas. Acabaram por vincular mais ativos em garantias e estão mais reféns. Foram assessorados a focarem nas renegociações de dívidas e não em reverem o processo produtivo e até mesmo a necessidade de profissionalizarem a gestão com um modelo de governança. O resultado é que como a crise econômica está se estendendo, precisam novamente “passar o chapéu” aos credores pedindo novos acordos. Fato é que cada vez mais diminui a credibilidade dos gestores dessas empresas.

Com esse cenário adverso, há empresas que entram na entressafra sem estoque e já fazendo vendas antecipadas da produção da safra 2019/2020, algumas delas sem cumprir com as vendas antecipadas da safra 2018/2019 e vendendo até mesmo a cana da safra seguinte. Esse cenário requer cautela nas decisões, pois até mesmo a oferta de um possível processo de recuperação judicial precisa ser estudada para não ser um problema ainda maior para a empresa e seus acionistas.

As soluções virão com o tempo e não significam que continuaremos a ver as mesmas famílias no comando dos grupos empresariais.
A próxima entressafra do setor será mais uma etapa de grandes desafios para os gestores empresariais em toda a cadeia produtiva e que irá novamente distanciar as empresas sustentáveis das que precisam passar por um processo cirúrgico doloroso e até mesmo de amputação. Cautela e uma boa assessoria estratégica é parte da solução.

Marcos Françóia – MBF Agribusiness e Grant Thornton
http://www.mbfagribusiness.com/