Crescimento ficará bem abaixo de 4%, o que significa que o Brasil viverá mais um ano de contração econômica
Com a divulgação dos indicadores das principais atividades econômicas (indústria, comércio e serviços) relativos a dezembro de 2020, já se pode afirmar que o resultado do último trimestre deverá ser melhor do que vinha sendo projetado pela maioria dos analistas.Os dados apontam para um crescimento trimestral (já descontado o efeito sazonal) de ao menos 3,5%, superior aos 3% implícitos na projeção mediana da última pesquisa Focus para o PIB de 2020. Dessa forma, o resultado oficial, a ser divulgado pelo IBGE apenas no início de março, deverá ser de -4,2%, ligeiramente inferior ao consolidado anual do IBC-Br (-4,1%), a série mensal de PIB calculada pelo Banco Central.
Com base nesta projeção, o efeito estatístico para o cômputo da taxa de crescimento de acordo com a metodologia padrão (comparativo entre médias anuais) para 2021, também denominado de carry over, ficará entre 3,7% e 4%. Isto significa que a estagnação da economia brasileira ao longo de todo ano já seria suficiente para que a expansão do PIB ficasse neste intervalo, o que corresponderia à maior taxa da última década.
No entanto, não são muitos aqueles que apostam em um crescimento mais próximo de 4% neste ano. A última mediana Focus projeta uma expansão de 3,3%, o que, portanto, é compatível com uma queda na atividade econômica entre janeiro e dezembro de 2021. Neste sentido, embora a projeção possa aparentar otimismo, a realidade econômica atual difere daquela que a estatística sugere.
Para aprofundarmos esta realidade e as perspectivas para o PIB, é importante abordarmos os desempenhos esperados para os componentes da demanda. Os principais drivers de crescimento continuarão sendo o consumo das famílias e as exportações. Dado o elevado nível de incerteza e o grau de ociosidade ainda significativo, não se espera uma contribuição mais robusta dos investimentos (expansão de 2%). Tampouco é esperado um crescimento mais expressivo do consumo governamental (crescimento de 1%), dada a provável manutenção do teto de gastos.
Quanto às exportações, vale destacar que o volume exportado cresceu 0,6% em 2020, ano no qual houve contração do PIB global de -3,5%, segundo a última projeção do FMI. Para 2021, na medida em que se espera um crescimento mundial de 5,5%, além de uma expansão nos preços das commodities e uma taxa média de câmbio próxima de R$/US$ 5, podemos projetar um desempenho “acima da média” para o setor exportador. Nestas condições, é razoável estimar, sem nenhum otimismo exagerado, um crescimento real de 6% das exportações.
Quanto ao consumo das famílias, a situação é mais complexa. Devemos nos atentar para três aspectos fundamentais, quais sejam: a distribuição setorial do consumo, a política de transferência de renda aos mais vulneráveis e o ritmo de vacinação contra a covid-19.
A queda real no consumo em 2020 foi próxima de 5%. Este resultado contempla trajetórias bastante heterogêneas do ponto de vista setorial. Enquanto o consumo de serviços (52% do gasto total) retraiu cerca de 9%, a demanda das famílias por itens agrícolas, industriais e comércio sofreu uma queda bem menor, algo em torno de 1%.
Essa discrepância tem relação direta com a pandemia, na medida em que as restrições à mobilidade reduziram o consumo de serviços, assim como o confinamento e as transferências relativas ao auxílio emergencial estimularam muito mais a demanda por bens e comércio do que pelos serviços.O peso de serviços na cesta de consumo dos beneficiários do auxílio é relativamente pequeno. Uma recuperação mais robusta deste segmento depende fundamentalmente da imunização em massa pela vacina e pela volta à normalidade, em particular das famílias de rendas média e alta, que têm mais condições de aderir ao isolamento.
Dito isto, a dinâmica setorial do consumo em 2021 deve ser bastante distinta entre o primeiro e o segundo semestres. Para o primeiro, espera-se um avanço lento da vacinação, com a pandemia em patamares preocupantes e a volta de uma política de transferências emergenciais.Assim, o consumo voltará a ter algum impulso via demanda por bens e comércio, uma vez que os serviços ainda continuarão sofrendo as principais consequências negativas do vírus.
Espera-se que o novo auxílio retorne em março, com duração de 4 meses. No entanto, a massa de renda a ser transferida será significativamente menor em relação ao ano passado, com um valor mensal inferior (R$ 250) destinado a um contingente de beneficiários que na melhor das hipóteses será a metade dos 67 milhões que receberam o auxílio em 2020. Nestas condições, após uma queda expressiva no primeiro bimestre, o consumo deve apresentar alguma recuperação, convergindo, no entanto, para níveis aquém daqueles verificados no final de 2020. Com base na trajetória esperada para a massa de renda efetiva, estimo que o consumo ao fim do primeiro semestre estará cerca de 2,5% abaixo do patamar verificado no último trimestre de 2020.
Já no segundo semestre o desempenho do consumo deverá ser impulsionado pelos serviços, apoiado em um maior controle da pandemia a partir dos avanços na execução do plano de imunização, principalmente voltado aos mais jovens.
Já o consumo de bens e comércio deverão sentir o impacto da nova retirada do auxílio, sendo razoável assumir que este tipo de consumo fique estagnado no segundo semestre, o que já estaria ancorado em uma premissa de melhora no mercado de trabalho que viabilize ao menos uma sustentação de renda dos mais vulneráveis após o fim das transferências do governo.
Assumindo todas as premissas mencionadas, o ritmo médio de expansão do consumo de serviços no terceiro e quatro trimestres precisaria ser de improváveis 7,2% para que o PIB agregado atinja ao menos a marca de 3,7% de crescimento. O choque positivo sobre a demanda de serviços no segundo semestre, decorrente da poupança represada das famílias de renda mais alta ao longo da pandemia dificilmente propiciará um ritmo de expansão nesta magnitude.
Enfim, embora as incertezas ainda sejam enormes, uma análise mais detida sobre os componentes do PIB evidencia que mesmo com o benefício estatístico, a taxa de crescimento em 2021 ficará bem abaixo dos 4% (com chances crescentes de encerrar o ano abaixo dos 3%), o que na prática significa que teremos mais um ano de contração econômica.
*Thiago de Moraes Moreira é mestre em economia pela UFRJ, professor de macroeconomia do Corecon/RJ e da pós-graduação do Ibmec/RJ