Hemicelulose do bagaço de cana é utilizado na produção de bioplástico - Por Júlia Martins

Hemicelulose do bagaço de cana é utilizado na produção de bioplástico - Por Júlia Martins

Projeto de grupo de pesquisa vinculado à Unesp de Rio Claro busca desenvolver bioplástico biodegradável a partir de fontes renováveis, com o objetivo de mitigar impactos ambientais

 

O intenso crescimento da população mundial, aliado aos hábitos de consumo da sociedade, levou a um aumento na produção de materiais plásticos. Aproximadamente 360 ​​milhões de toneladas de plástico foram produzidas em todo o mundo em 2018, levando a diversos impactos negativos ao meio ambiente. Por exemplo, cargas drásticas de detritos plásticos estão sendo dispersadas por longas distâncias no oceano e, quando finalmente se instalam nos sedimentos, podem persistir por séculos. A degradação desses plásticos sintéticos é muito lenta em condições ambientais. Polímeros sintéticos não são utilizados diretamente por microrganismos como fonte de energia, assim sua degradação é um processo muito lento que envolve fatores ambientais como luz, calor, umidade e condições químicas.

Em busca de mitigar tais problemas ambientais, novas tecnologias e bioprodutos estão sendo pesquisados atualmente, com a utilização e conversão de resíduos agroindustriais, muito abundantes no Brasil, com destaque especial para os da cana-de-açúcar: a estimativa de produção na safra 2020/2021 é de 568.430,2 mil toneladas colhidas, segundo a Companhia Nacional do Abastecimento. Assim, muito esforço tem sido direcionado à aplicação de polissacarídeos vegetais advindos desses resíduos – como celulose, hemicelulose, lignina e pectina, encontrados na parede celular de plantas – na produção de bioplásticos.

No entanto, uma substituição total dos plásticos sintéticos traz diversos desafios, em virtude, principalmente, dos maiores custos de produção e pela preocupação com a funcionalidade. Quando comparados aos plásticos sintéticos, os diferentes biopolímeros utilizados podem apresentar algumas desvantagens, como alta permeabilidade ao vapor de água e ao oxigênio, fragilidade, baixa resistência térmica, baixas propriedades mecânicas, vulnerabilidade à degradação e altos custos de produção. A fim de contornar tais desvantagens, realizam-se alterações químicas nos biopolímeros, de forma a manipular suas propriedades e, consequentemente, as propriedades finais do bioplástico formado.

Em projeto desenvolvido pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Caracterização e Conversão de Biomassa, liderado pelo Prof. Dr. Michel Brienzo e associado ao Instituto de Pesquisa em Bioenergia (IPBEN), que por sua vez está vinculado à Unesp de Rio Claro, a hemicelulose do bagaço de cana-de-açúcar foi utilizada para a formação de bioplástico. Também foram aplicados amido e glicerol, este último para garantir características plastificantes ao produto final. Ainda, com o objetivo de se introduzirem melhorias no produto, foi executada a alteração química conhecida como acetilação, na qual grupos acetil são ligados à cadeia da hemicelulose.

Como resultado do processo, o material final apresentou:

- Biodegradabilidade no período de 16 dias, atestada por sua alteração visual em solo com teor de umidade de 40%, a 30°C;

- Eficiente barreira à passagem de óleo: conseguiu-se evitar a passagem de óleo vegetal pelo período de pelo menos 30 dias;

- Aumento de 10% em barreira a vapor d’água, quando comparado ao material não alterado;

- Aumento de 400% em sua resistência a rompimentos, quando comparado ao material não alterado.

Sem dúvida, diversos testes e análises ainda precisam ser executados, e melhorias das propriedades do material devem ser consideradas e estudadas, para que este possa passar a competir no mercado com os plásticos tradicionais. No entanto, os resultados apresentados são bastante promissores, tendo em visto a necessidade – do Brasil e do mundo – de reduzir a dependência de produtos de origem fóssil, na corrida contra as mudanças climáticas.

*Júlia Martins é Engenheira Ambiental, formada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp Rio Claro. Atualmente, é mestranda em bioenergia pelo Instituto de Pesquisa em Bioenergia, também associado à Unesp.

 

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