Incentivos para o biometano: um detalhe que não pode ser esquecido - Por Paulo Campos Fernandes e Patrícia de Albuquerque de Azevedo

Incentivos para o biometano: um detalhe que não pode ser esquecido - Por Paulo Campos Fernandes e Patrícia de Albuquerque de Azevedo

Diversas empresas, no Brasil e no exterior, têm adotado o uso do biometano em suas cadeias produtivas tendo em vista seus atributos ambientais. Segundo a publicação World Energy Outlook 2022 (em inglês), publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA), diversos países estão estabelecendo alvos ambiciosos para produção e consumo de biogás e biometano.

A publicação informa que a demanda mundial de biometano pode crescer de 8 bcme (bilhões de metros cúbicos equivalentes) em 2021 para 143 a 267 bcme em 2050, conforme o cenário analisado. A taxa média de crescimento anual até 2050 é estimada em 11%.

No Brasil, por sua vez, a produção atual de biogás, conforme dados publicados pelo CIBiogás no Panorama do Biogás no Brasil 2022, que complementa o BiogasMap, é de 0,64 bilhões de m³.

Nesse sentido se destaca que houve aumento significativo no número de plantas de biogás dedicadas ao biometano. Acompanhando esta tendência, estudo elaborado pela a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indica que a produção de biometano pode alcançar 19,2 bilhões de m³ em 2032. Brasil será um dos 5 maiores produtores de biometano do mundo, prevê IEA

O biometano pode ser usado em substituição ao gás natural ou também misturado. Nesse sentido, o energético é utilizado como combustível para: geração de energia elétrica; geração de energia térmica; transporte; uso residencial. Além disso, o biometano pode ser usado para geração de hidrogênio, produção de aço, amônia e metanol.

Uma das principais vantagens de se utilizar o biometano é que ele pode ser movimentado nas redes de gasodutos de transporte e distribuição sem que seja necessário modificar essas infraestruturas.

Na perspectiva ambiental, o potencial de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelo biometano é significativo. Em alguns casos, quando em substituição a combustíveis fósseis, a redução das emissões pode chegar a 80%.

Esta redução considera que durante o ciclo de vida do biometano (fases de produção, distribuição e consumo), gases de efeito estufa deixaram de ser emitidos ou foram removidos. Vale destacar que é na fase de produção do biometano que se observa a maior parte das reduções de emissões.

Os benefícios ambientais resultantes do uso do biometano são considerados a partir da elaboração do inventário de emissões de GEE da empresa inventariada. O inventário é feito segundo as regras em que a estratégia de descarbonização se insere, podendo ser em mercado regulado de permissões (allowances) ou voluntário de crédito de carbono. Na epbr: Biometano aposta na descarbonização como modelo de negócio

A variável utilizada para apurar as emissões de GEE é o fator de emissão, que considera a quantidade de CO2 equivalente gerada pelo uso do produto.

Considerando que o biometano tem composição química equivalente ao gás natural, o seu fator de emissões, na fase de consumo é o mesmo do combustível fóssil. Sendo assim, as regras de inventário incluem provisões específicas para capturar os atributos ambientais do biometano originados na fase de produção.

Nesse sentido, é oportuno conhecer como algumas normas internacionais o consideram o fator de emissões do biometano: Agência de Energia da Dinamarca: 0 kg CO2 eq/GJ; Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial do Reino Unido: varia em função do tipo de biomassa e da tecnologia de produção do biometano, podendo ser entre 100 e 73 g CO2 eq/GJ; Departamento de Alteração do Clima, Energia, Meio Ambiente e Água da Austrália: 0,13 kg CO2 eq/GJ; Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia do Estado de Nova York: 0 t CO2/MM BTU; Ministério do Meio Ambiente e Alterações Climáticas de British Columbia – Canadá: 0,2932 kg CO2 eq/GJ.

É importante destacar que o fator de emissões do gás natural é 55 kg CO2 eq/GJ, o que evidencia o benefício ambiental trazido pelo uso do biometano.

[sc name="whatsapp_share" ][/sc] Mecanismo “baseado no mercado” para biometano

As normas citadas anteriormente, se referem ao mercado regulado de controle de emissões de GEE. No entanto, nos locais em que não há mercado regulado é comum que as empresas inventariantes façam uso de protocolos voluntários para controle de suas emissões, como por exemplo o GHG Protocol.

Tal como nas normas dos mercados regulados, a metodologia do GHG Protocol também considera os benefícios ambientais do biometano.

No entanto, no final de 2022, a entidade colocou em consulta pública uma minuta de procedimento relativo ao cálculo das emissões geradas pelo biometano, que estabeleceu que os atributos ambientais do uso do biometano só poderão ser considerados se o seu fornecimento se der através de tubulação exclusiva de biometano ou por meio rodoviário.

Ocorre que, raramente, os consumidores de biometano estão localizados próximos às usinas produtoras. Sendo assim, tipicamente, a entrega do produto é feita através de redes de transporte e/ou distribuição de gás. Vale ressaltar que o fornecimento de biometano por rede é forma mais eficiente tanto do ponto de vista ambiental como econômico.

Sendo assim, a regra proposta inviabiliza o aproveitamento dos atributos ambientais do biometano, desestimulando assim o uso do energético e criando entraves para o crescimento da produção e consumo do produto.

Preocupada com esta possibilidade, a Associação Internacional de Biogás em conjunto com diversas associações nacionais do setor de biogás, incluindo a associação brasileira (ABiogás), encaminhou carta aos dirigentes do GHG Protocol para solicitar que estas provisões fossem retiradas da proposta.

E que fosse considerado para o biometano, nas emissões relativas aos Escopos 1 e 3, a adoção do mecanismo “baseado no mercado”, que permite o uso dos atributos ambientais do energético baseado na apresentação de certificado de origem renovável, tal como previsto para as emissões do Escopo 2.

A carta destacou que o procedimento proposto não é consistente com a regulação europeia e, vale dizer, com as regulações de outros países, que permitem o uso de certificados de origem renovável para comprovar o uso do energético renovável, sem impor restrições ao fornecimento por dutos.

Em face destes questionamentos, o GHG Protocol publicou em agosto último, uma nota de esclarecimentos para informar que: os procedimentos relativos ao biometano na proposta de procedimento em consulta não farão parte da norma a ser publicada em 2024; que o tratamento a ser dado ao biometano será feito em conjunto com uma revisão geral dos procedimentos do GHG Protocol; e que na ausência de procedimentos específicos para o biometano, as empresas que adquirirem certificados poderão consultar seus auditores e considerar as regras fornecidas pelos programas relevantes de definição de metas ou pelos regimes regulamentares aplicáveis nas suas respectivas jurisdições, devendo seguir todos os princípios de contabilidade previstos no protocolo. Segurança para inventário brasileiro de emissões é urgente

Esta questão tem aplicação imediata no Brasil, uma vez que o Programa Brasileiro GHG Protocol tem seus procedimentos baseados no protocolo internacional.

Haja vista a demanda de biometano no país, é urgente que os dirigentes do programa brasileiro se antecipem a questão e tragam solução para criar segurança na apuração do inventário de emissões de GEE pelo uso do biometano, permitindo assim que os investimentos no setor cresçam ainda mais. Brasil precisa de política pública para dar escala ao biogás, diz Renata Isfer

No reboque desta discussão é importante ressaltar o Senado Federal aprovou em 18/10/2023 o Projeto de Lei n. 412/2022, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), estando previsto o uso de certificados de origem renovável para o cumprimento de metas de emissão.

O projeto de lei está sendo apreciado na Câmara dos Deputados em regime de urgência, em conjunto com outros projetos sobre a mesma matéria que tiveram início da referida casa. Sendo assim, seria conveniente que o programa brasileiro fosse ajustado com urgência para se alinhar ao texto de eventual futura lei.

Destacamos também a possibilidade de redução tributária para os biocombustíveis prevista na Proposta de Emenda Constitucional n.° 45/2019 sobre a Reforma Tributária sobre o consumo, aprovada pela Câmara dos Deputados em julho e recentemente aprovada pelo Senado Federal, com emendas, que retorna para apreciação da Câmara dos Deputados.

Enquanto se discute a necessidade de regulações e incentivos para promover uma inserção mais rápida do biometano na matriz energética brasileira, não se deve esquecer que os procedimentos para contabilização das emissões geradas pelo produto precisam ser equacionadas com urgência, pois tais regras trazem segurança para o aproveitamento dos atributos ambientais do produto.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

*Paulo Campos Fernandes e Patrícia de Albuquerque de Azevedo são Advogados do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados.

 

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