Gradualmente, desde 2018, a Índia vem adotando medidas que aproximam sua estratégia de energia e meio ambiente àquela implementada no Brasil a partir de 1975. Esse movimento atingiu seu ápice em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, com o anúncio do primeiro ministro indiano, Narendra Modi, colocando o etanol no centro de sua política de energia e meio ambiente.
Em fevereiro de 2018, uma missão do governo brasileiro visitou a Índia para oferecer colaboração na reformulação de sua política de combustíveis. A oportunidade foi identificada porque a Índia é o segundo maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, atrás apenas do Brasil, tem população que beira 1,4 bilhão de almas e uma economia que cresce a taxa superior a 6% ao ano. Lá, os preços da cana, açúcar e etanol são fixados pelo governo por valores que tem como objetivo manter elevada a renda de mais de 50 milhões de agricultores que cultivam a cana. Essa política tem estimulado a geração de excedentes que são exportados com subsídios e que, como consequência, distorcem o mercado livre mundial.
Ao mesmo tempo em que gera excedentes de açúcar, a Índia importa cerca de 85% de suas necessidades de petróleo e derivados, ou cerca de 3,57 milhões de barris por dia, com um dispêndio anual de mais de 55 bilhões de dólares. Além disso, a poluição atmosférica gerada pela queima de combustíveis fósseis é problema crônico em todo o país. Portanto, transformar o excedente de açúcar em etanol, reduzindo a importação de petróleo e gasolina, e reduzindo a poluição do ar, deveria amenizar simultaneamente esses três grandes problemas.
Em fevereiro de 2018, a recomendação das autoridades brasileiras foi para que o governo indiano suspendesse a proibição de conversão de mel rico e caldo direto de cana em etanol, que na prática limitava a capacidade da indústria local - a autorização foi dada em julho daquele ano. Ao mesmo tempo, foi iniciado um esforço concentrado do governo e setor privado brasileiros para transmitir experiência e conhecimento acumulados ao longo do tempo no Brasil com a produção, distribuição e uso do etanol em larga escala.
Isso se deu através da participação em eventos locais como o MOVE, primeiro evento global de mobilidade realizado em Délhi em setembro de 2018, e o World Future Fuels Summit em fevereiro de 2020, bem como a organização de seminários técnicos como o Ethanol Talks India em Março de 2020, além de inúmeras palestras direcionadas a produtores de etanol, empresas de petróleo, indústria automobilística e autoridades do governo.
Poucos dias após a apresentação da experiência brasileira no MOVE, o governo indiano realinhou os preços de etanol em níveis mais vantajosos do que os do açúcar, com o objetivo de estimular a conversão. A reação começou a ser observada e na safra 2019/20 a mistura de etanol à gasolina foi de 4,8%, em 2020/21 atingiu 8,5%, e é esperado que supere 10% em 2021/22. Em janeiro de 2021, o ministro indiano do petróleo, Dharmendra Pradhan, anunciou a antecipação da meta de mistura de 20% de etanol na gasolina de 2030 para 2025; em março de 2021, autorizou a distribuição de etanol puro nos postos de revenda abrindo as portas para a introdução de veículos e motocicletas com tecnologia flex, e em maio anunciou nova antecipação da meta de mistura de 20%, de 2025 para 2023.
No seu discurso, Narendra Modi anunciou o mapa do caminho (roadmap) para a mistura de etanol na gasolina no período de 2020 a 2025, um detalhado estudo produzido pelo NITI Aayog, superministério técnico que oferece suporte e inteligência a outros órgãos do governo, que reconhece a experiência bem sucedida do Brasil com o uso do etanol como combustível, onde é misturado à gasolina na proporção de 27%, e usado puro pela frota flex, que representa mais de 80% da frota total. Com essa política, o governo indiano prevê reduzir as emissões de monóxido de carbono em até 50% no caso de motocicletas, e em até 30% nos veículos de passageiros, e reduzir emissões de hidrocarbonetos em até 20% em todos os tipos de veículos.
No Brasil, desde 1975 o etanol já substituiu 3,3 bilhões de barris de gasolina, um volume expressivo considerando que o País possui reservas provadas de petróleo e condensados de 12,71 bilhões de barris, incluindo o pré-sal. O valor da gasolina substituída a preços de mercado de cana/ano, corrigidos para valores de dezembro de 2020 e incluindo o custo da dívida externa evitada, é de 607,7 bilhões de dólares. Além de reduzir consideravelmente as emissões locais de monóxido de carbono, hidrocarbonetos reativos, aldeídos tóxicos e material particulado, e substituir os aromáticos cancerígenos contidos na gasolina, entre 1975 e 2020 o etanol já evitou emissões na atmosfera de 709 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Através do RenovaBio, o Plano Nacional de Biocombustíveis, aprovado na forma da Lei 13.576 de 2017, até 2030 deverá substituir outros 620 milhões de toneladas de CO2 equivalente. Tudo isso realizado com produção certificada, livre de qualquer risco de ser associada a ações de desmatamento, utilizando critérios mais rígidos do que o próprio Código Florestal brasileiro, considerado o mais restritivo códice de terras do mundo.
Aos números superlativos da experiência brasileira, também adotada pelos EUA, em breve se somarão os da Índia indicando que o etanol é uma estratégia replicável, escalável, de custo acessível, que usa tecnologia e recursos disponíveis, incluindo infraestrutura já instalada de distribuição de combustíveis.
A liderança de Narendra Modi em outros países começa a ser sentida, visto que sua política na direção do etanol trouxe a atenção de vários outros líderes regionais sobre o papel do etanol para a mobilidade sustentável do planeta.
*Plinio Nastari é presidente da DATAGRO e do Instituto Brasileiro de Bioenergia e Bioeconomia (Ibio). De nov/16 a ago/20 foi o representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), período em que foi concebido, aprovado, regulamentado e implementado o RenovaBio.