Lula precisa se desculpar - Por Editorial O Estado de S.Paulo

Lula precisa se desculpar - Por Editorial O Estado de S.Paulo

Presidente da República deve esse gesto aos judeus e aos humanistas ofendidos por suas declarações.

 

Já se passou mais de uma semana da ofensiva declaração do presidente Lula da Silva comparando os horrores vistos na Faixa de Gaza ao Holocausto. É um tempo evidentemente curto demais para a História e breve o suficiente para o esquecimento do erro e sua substituição por outra crise. Por sua gravidade, no entanto, nem a repugnante declaração foi esquecida nem a História deverá preservar o presidente do julgamento moral por ter ultrapassado a fronteira do antissemitismo e do desconhecimento dos fatos.

Nos últimos dias, Lula tentou redirecionar sua fala para a defesa de que o governo de Israel pratica genocídio em Gaza. Seu principal assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim, também pôs o dedo em riste para o governo israelense e assim respondeu à cobrança para que o seu chefe peça desculpas a Israel por ter equiparado as ações em Gaza aos métodos de Hitler: “Vai ficar pedindo. (...) Não sei se ele (Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel) faz isso por demagogia interna ou por qualquer outra razão, mas, certamente, se ele está esperando isso, não vai receber”. 

Acostumado a enxergar o mundo segundo os estreitos limites de seu umbigo, e com a convicção de que é moralmente superior por se considerar a encarnação do “povo”, Lula pode achar que as reações críticas a ele se restringem a extremistas, direitistas, conspiradores, imperialistas do Norte e elites do Sul. Não. A lista de atingidos é muito mais extensa: o presidente ofendeu não só os judeus e não só a memória dos assassinados nas câmaras de gás, mas todos os cidadãos de consciência justa e humanista.

Se é verdade que a barulhenta reação da diplomacia israelense colocou limites políticos a um eventual recuo do presidente brasileiro, também é verdade que Lula, Amorim, os bajuladores de praxe e a militância mais empedernida não perceberam o óbvio: é o momento de separar as sandices do governo israelense dos seus cidadãos e de todos os judeus que se ofenderam com a comparação. A contrição será o único modo de atenuar os efeitos de sua absurda declaração, mostrar que está genuinamente interessado na paz e se desculpar por uma comparação que, na prática, desmereceu o sofrimento de milhões de judeus, seus descendentes e todas as pessoas solidárias mundo afora. Ao fazê-lo, Lula dará ainda mais peso às suas críticas, legítimas, à truculência israelense em Gaza.

Além da ofensa que espalhou, as brasas sopradas pelo presidente moldam um ambiente no qual floresce o oportunismo de extremistas – em Israel e no Brasil. Lá, a canelada diplomática do Brasil ajudou Netanyahu a galvanizar apoio interno contra os que criticam a guerra. Aqui, estimulou factoides como um pedido de impeachment de Lula e vitaminou ânimos bolsonaristas, algo providencial para o fortalecimento da manifestação do último domingo, em São Paulo, em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Lula pode até se recusar a se retratar perante o governo israelense, dada a grosseria com que foi tratado, mas ainda precisa pedir desculpas ao povo judeu. A um só tempo, Lula demonstraria grandeza e esvaziaria a crise. Mas a soberba parece falar mais alto.

 

Estadão - Via BrasilAgro