Mercado que mais cresce no agronegócio, os bioinsumos carecem de regulação

Mercado que mais cresce no agronegócio, os bioinsumos carecem de regulação

Mercado que mais cresce no agronegócio, os bioinsumos vivem seu apogeu. A previsão de consultorias especializadas, como a inglesa Kynetec, é de crescimento anual do setor de 50%, mantendo-se em alta nos próximos ciclos.

O boom começou em 2015, quando o registro dos insumos de base biológica praticamente quadruplicou, passando de 8 para 31. Em 2020, atingiu 95 registros. No ano passado, 136 produtos do tipo foram aprovados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. “Estamos falando de insumos totalmente brasileiros nas fronteiras da inovação. Além disso, servem para todos, do agricultor familiar ao grande exportador, reduzem custos e tornam a agricultura mais sustentável”, diz Daniel Vargas, coordenador do Observatório de Bioeconomia, da Fundação Getulio Vargas.

Os bioinsumos são usados na nutrição das plantas, controle de pragas e doenças e podem, até mesmo, substituir agrotóxicos. Trata-se de um elenco vasto de produtos à base de vírus, bactérias, fungos, insetos, nematóides, ácaros, enzimas, hormônios e vacinas veterinárias, entre outros.

O Brasil encabeça o ranking dos países que mais produzem e usam os bioagentes, além de exportá-los. Mas eles não são novidade. Em 1921, o país importou uma vespa dos Estados Unidos na esperança de controlar a cochonilha-branca-do-pessegueiro. O experimento não deu muito certo, mas o inseto entrou para a história da agricultura nacional como o primeiro “inimigo natural” importado para controle de uma praga que, até hoje, tira o sono dos fruticultores do Sul.

Em 1991, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) inaugurou o Laboratório de Quarentena “Costa Lima”, em Jaguariúna (SP), para introduzir organismos benéficos ao controle de pragas preocupantes e para finalidades científicas. A unidade colaborou, ainda, com instituições do exterior, exportando organismos coletados em diferentes regiões do país. Por volta de 770 espécies de predadores foram importadas em mais de duas décadas, acelerando a adoção de métodos de controle de pragas. O quarentenário ainda faz testes de segurança ambiental para introdução de organismos exóticos a pedido do Ministério da Agricultura, mas não está exportando nativos.

Hoje, a Embrapa continua encabeçando as pesquisas no ramo e mantém uma dezena de coleções oficiais que somam 60 mil microrganismos isolados. Muitos deles foram liofilizados e fazem parte dos acervos da instituição há décadas. Para Fábio Reis, presidente do Portfólio de Insumos Biológicos, na Embrapa Cerrados, os bioinsumos estão chegando para ficar. “Há um universo de possibilidades a explorar. Esse mercado avança ao dobro da velocidade do segmento convencional [...] Nossos bancos estão crescendo cada vez mais”, anima-se.

Reis acredita que a alta dependência do país de fertilizantes sintéticos importados, cuja cadeia foi abalada pela guerra na Ucrânia, é um dos fatores por trás do boom. A empresa pública, que cobra royalties pelos produtos desenvolvidos, possui um quadro de 300 cientistas trabalhando em 94 projetos de pesquisa — 41 deles em parceria com empresas privadas, entre elas Corteva e Basf.

O inoculante líquido BiomaPhos é um case de sucesso desenvolvido pela unidade de sorgo e milho da Embrapa. O produto, comercializado pela paranaense Bioma, chegou ao mercado em 2019 após 19 anos de pesquisa. Pioneiro no mercado, é formulado à base de cepas selecionadas de duas bactérias importantes para a biotecnologia mundial: Bacillus megaterium (proveniente do solo e usado na produção de penicilina sintética) e Bacillus subtilis (também encontrada no solo e amplamente estudada há mais de um século).

Com a aplicação do inoculante por meio de um “banho” nas sementes, a soja ganha raízes mais profundas e o milho rende espigas mais graúdas. O inoculante age disponibilizando o fósforo do solo para as plantas absorverem — o macronutriente é vital para seu desenvolvimento. Como resultado, a produtividade aumenta.

“Usamos no plantio da soja e estamos colhendo os benefícios no milho também. Os bioinsumos têm seu lugar garantido em associação com o tratamento químico e o manejo do solo. A agricultura não vai sobreviver sem eles”, opina Kissia Poltronieri, produtora que, junto com o marido, cultiva 680 hectares em Ipiranga do Norte, no Mato Grosso. Na safra de milho que colhe no momento, o casal não usou adubo básico (o do plantio). Os preços estavam muito altos e eles optaram por usar apenas adubo de cobertura, mais barato. Ainda assim, foram surpreendidos com uma safra maior do que o previsto — esperavam 110 sacas/ha e colheram 127. No ano passado, colheram, em média, 117.

“Acho que o BiomaPhos disponibilizou o fósforo que já estava ali, na terra, para o milharal inteiro. O benefício foi nítido”, conta Poltronieri. O casal faz rotação de culturas plantando uma safra de milho após a soja — prática muito comum do agronegócio.

O bom momento do setor tem encorajado investimentos de risco. A holandesa Koppert, presente no Brasil desde 2011, é referência na área com um portfólio de 28 produtos e serviços que incluem drones para liberação precisa das vespinhas Cotesia flavipes (predador da broca-da-cana) e Trichogramma spp (para controle de lagartas). No ano passado, a subsidiária lançou um fundo de capital de risco de R$ 50 milhões, com dinheiro próprio. A intenção é acelerar startups hospedadas no Gazebo, primeiro hub nacional de inovação em controle biológico, instalado em Piracicaba. Com duas agtechs já incubadas, mais sete estão sendo consideradas para apoio.

Para Felipe Itihara, gerente de inovação da empresa, a expectativa é que os bioinsumos cheguem a uma taxa de crescimento de dois dígitos, no curto prazo, no mercado total de defensivos. Atualmente, a participação é de somente 3%, mas com tendência de aumento. “O produto biológico não é moda, já é realidade. Em breve, será rotina”, crava. Ele diz que a agricultura 4.0 demanda, além de produtos, serviços sofisticados como, por exemplo, monitoramento digital das aplicações para evitar desperdícios. “As parcerias que buscamos sempre navegam entre desenvolvimento de produtos e serviços inovadores que beneficiem o produtor”, afirma.

No Distrito Industrial de Jardinópolis, região metropolitana de Ribeirão Preto (SP), Leonardo de Melo e Fábio Hamasaki inauguraram a Solatus há três anos. A biofábrica está instalada em um galpão com escritórios, laboratórios e amplas áreas de convivência e eles já estão de olho no imóvel ao lado. Vindos da área de fertilizantes, os sócios preparam-se para lançar três produtos, todos à base de fungos.

Os insumos controlam pragas da cana, café e cereais e estão em fase final de registro no Ministério da Agricultura. “O ponto central da explosão dos bioinsumos é a resistência das pragas. Existem ameaças que o manejo químico não dá mais conta, mas sua associação com biológicos dá. Trabalhamos com complementação aos defensivos e não sua substituição completa”, explica Hamasaki.

Além dos biológicos prestes a colocar na praça, a Solatus oferece produtos “on farm”, ou seja, para uso na própria fazenda, que envia via transportadora para agricultores de Goiás, Bahia e Tocantins. A dupla de agrônomos desenvolve, no momento, um protótipo de purificador de água por osmose reversa e inventou um biorreator descartável incorporado por vários clientes. A ideia é evitar a contaminação do bioinsumo, um líquido preparado na fazenda pelos produtores agitando água e o insumo-base, um pó parecido com fermento seco, que recebem de Jardinópolis. “Vamos investir R$ 12 milhões nos próximos anos. No nosso plano de cinco anos, projetamos crescimento orgânico de 400%. A demanda dos agricultores é muito grande”, diz Melo.

Apesar do otimismo no mercado, há quem argumente que a regulamentação do setor é precária. Pesquisadores da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), no Mato Grosso, sustentam que falta um marco legal robusto. Para os estudiosos, há carência de normas que contemplem responsabilização por eventuais danos ao meio ambiente e à saúde humana decorrentes de interações imprevistas entre as espécies e assegurem proteção jurídica do patrimônio genético brasileiro contra acesso indevido, como biopirataria.

“O aplicativo [do Ministério da Agricultura] (app Bioinsumos, que lista informações sobre insumos catalogados) traz orientações [...] Porém, vai faltar assistência técnica e extensão no momento do uso para orientar sobre o manuseio seguro. A agricultura familiar, por exemplo, costuma ser afetada pela dificuldade de acesso a profissionais treinados. Mal utilizado, algo benéfico poderá se tornar maléfico”, adverte Tatiana Castilho, pesquisadora que defende uma legislação baseada na economia ecológica.

Já a agrônoma Fabiana de Souza, que também estuda o tema, diz que o Programa Nacional de Bioinsumos, instituído por decreto em 2020, dá margem a muitas incertezas. “A política é muito abrangente e faltam estudos qualificados sobre o assunto. As pessoas acham que, porque é biológico, é natural, então, é bom [...] Os bioinsumos são urgentes na agricultura de transição, mas precisam observar os pilares social e ambiental também, para que sejam sustentáveis. Não pode ser tudo feito pela produtividade à revelia da conservação e inclusão das comunidades, de fato. Sustentabilidade tem três pernas”, enfatiza.

Um projeto de lei, que tramita na Comissão de Meio Ambiente do Senado, não define responsáveis ou atribui penalidades em caso de distúrbios no balanço de um ecossistema pela inserção de organismos exógenos, como extinção de espécies nativas, transformação de uma praga em “superpraga” ou aparecimento de seres patogênicos por transferências genéticas indesejadas. Já outro PL, em tramitação na Câmara dos Deputados, pretende normatizar a produção on farm, mas não elucida os riscos que a fabricação amadora país afora pode trazer — tampouco trata sobre repercussões ecológicas indesejadas.

 

Valor Econômico