As exigências de descarbonização serão cada vez maiores e em prazos cada vez mais exíguos.
Fala-se muito em mercado de carbono e do potencial de recursos que poderão tornar o Brasil no maior ator mundial nessa área. Na prática, o assunto continua difícil de ser entendido e implementado.
O Brasil, desde a formulação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, em 2009, está prometendo a regulamentação de um mercado de carbono sem, na prática, qualquer avanço no âmbito do Ministério da Economia. Em fins de 2020, o governo brasileiro recebeu estudo do Banco Mundial (BM) com a recomendação da criação de um instrumento de precificação de carbono como mercado regulado ou um imposto sobre emissões. Como essa matéria não progrediu, o Brasil ficou sem o apoio estratégico do BM para a preparação do mercado e para a fase de implementação, ao contrário de 15 outros países, entre os quais Chile, Colômbia e México.
Em paralelo, a questão continua em exame pelo Congresso, por meio do Projeto de Lei 528 proposto pelo deputado Marcelo Ramos. Não se prevê uma decisão no curto prazo dessa matéria. Na reunião da COP-26 em Glasgow, avançou-se na regulamentação global do mercado internacional de crédito de carbono entre países, o que coloca pressão sobre as autoridades brasileiras.
Mais importante para a indústria e para o agronegócio nacionais é o mercado voluntário de carbono. Não só pela crescente necessidade de apresentar resultados para cumprir suas responsabilidades dentro da expectativa do ESG (sigla em inglês para princípios ambiental, social e de governança), como pela perspectiva de criação de uma taxa alfandegária para desestimular a exportação para a União Europeia de produtos que no processo produtivo emitem gás de efeito estufa. Existem duas possibilidades que podem ser exploradas voluntariamente pelas empresas: mercado de dívida relacionado com investimentos em projetos ambientais, no contexto das práticas ESG do mercado financeiro e de capitais; e o mercado de serviços ecossistêmicos, que tem a ver com o carbono estocado ou sequestrado usado para compensação ambiental.
O mercado voluntário, assim, é formado a partir de projetos que comercializam créditos de carbono originários de conservação de floresta, reflorestamento, carbono em solo agrícola ou regeneração de áreas. Nesse seguimento, o mercado deverá ter a sua consolidação e um crescimento exponencial, pois as exigências de descarbonização serão cada vez maiores e em prazos cada vez mais exíguos, a exigir a compensação ambiental via aquisição de títulos de descarbonização. Os certificados de floresta serão os maiores atores, pois a manutenção de áreas florestais preservadas será indispensável. Vários títulos podem ser emitidos como representativos do carbono estocado.
O título, criado em 1989, atualizado em 2020 e recentemente regulamentado (Decreto 10.828/21), é a Cédula de Produto Rural (CPR) para pagamento de “serviços ambientais” referentes à redução de gases de efeito estufa, manutenção ou aumento do estoque de carbono, redução de desmatamento e degradação, conservação da biodiversidade, conservação dos recursos hídricos, conservação do solo e outros benefícios ecossistêmicos. Esse título tem sido chamado de “CPR Verde” e poderá ser custodiado na Cetip e listado na B3, portanto, ser comercializado. Com ele, surge o produtor rural que oferece o serviço intangível da preservação ambiental e com ele o comprador compensa sua emissão.
Em suma, o que existe hoje é um mercado voluntário, com títulos comercializados pelos quais empresas nacionais e estrangeiras assumem metas ambientais por conta própria, como forma de demonstrar suas práticas ESG para investidores, parceiros comerciais e consumidores. Setores que necessitam comprovar a neutralidade nas emissões, como o da mineração, deverão apresentar contrapartidas como a CPR Verde. No comércio exterior, empresas exportadoras de produtos como fertilizantes, aço e alumínio ficarão afetadas, caso a taxa de carbono seja aplicada pela União Europeia.
Nesse caso, as empresas desses setores deverão buscar formas de neutralizar e compensar as emissões que forem geradas na produção desses produtos, pois existe a possibilidade concreta de virem a ser afetadas. Com isso, deverá surgir um mercado para certificações verdes para o comércio exterior com a garantia de que os referidos produtos não foram produzidos em áreas de desmatamento da floresta. Outra área que começa a ser examinada no mercado de carbono são projetos de energia renovável (PCH e fotovoltaica), que poderão beneficiar-se de novas receitas para viabilizá-los.
Em todos esses casos, o modelo de negócio é simples e transparente. As reservas florestais são auditadas e certificadas por empresas internacionais e nacionais especializadas e uma porção significativa dos recursos captados vai para o produtor rural que se compromete a preservar a floresta, tanto a Amazônica como a Mata Atlântica.
Há diversas iniciativas de empresas que oferecem esses títulos ao mercado nacional e a oferta tende a aumentar. Há empresas (poucas) que estão se organizando para oferecer esses títulos não só para o mercado doméstico, mas também internacional, na China, na Europa e nos EUA. As empresas industriais e do agronegócio terão de examinar com cuidado as ofertas para terem certeza de que a operação é segura
*Rubens Barbosa é presidente do IRICE e ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington
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