Nações se desenvolvem aprendendo a lidar com a complexidade - Por Maurício Antônio Lopes

Nações se desenvolvem aprendendo a lidar com a complexidade - Por Maurício Antônio Lopes

Rupturas e mudanças profundas que marcam este  tempo não deixam dúvidas de que estamos imersos no que se pode chamar de  a “era da complexidade”, em que aspectos importantes da vida da sociedade se tornam cada vez mais interconectados e interdependentes. Já vemos temas essenciais —  alimentação, recursos naturais, clima, saúde e bem-estar — se tornando cada vez mais entrelaçados, exigindo um modo sistêmico de pensar e agir e modelos de governança cada vez mais transversais e sofisticados.  

Não existem equações milagrosas que nos permitam lidar com a complexidade que emerge da realidade social e econômica, e, por isso,  nossa tendência é desprezar a incerteza e a insegurança, acreditando que cenários estáveis emergirão, o que pode nos levar a perigosas zonas de conforto.  É imperativo  aceitar a complexidade e as incertezas como elementos irrefutáveis e  ampliar a capacidade de modelagem e antecipação de futuros possíveis, para melhor visualização de respostas a desafios cada vez mais difíceis e multifacetados.  

Os cientistas César Hidalgo, do MIT, e Ricardo Hausmann, da Universidade de Harvard, nos oferecem possíveis formas de iluminar essa importante reflexão.  Em seu Atlas da Complexidade Econômica eles demonstram que países desenvolvidos criam condições que permitem que a complexidade surja nas suas economias, e que isso pode gerar crescimento e prosperidade.  Neste momento em que a crescente complexidade da realidade social e econômica causa receio e insegurança, os autores, ao contrário, a defendem como forma de promover o progresso das nações.  

Hidalgo e Hausmann pensam em economias como coleções de "capacidades" que podem ser combinadas de diferentes maneiras naquilo que países são capazes de gerar.  Um país é considerado complexo se produz e exporta não apenas produtos altamente sofisticados, como aviões, mas também um grande número de diferentes produtos.  E produtos exportados apenas por economias sofisticadas são usualmente mais complexos e tem maior valor agregado.  Portanto, itens com peso significativo na atividade econômica de um país dizem muito sobre o seu nível de especialização e sobre a complexidade e a competitividade da sua economia.  

É impossível discutir aqui todas as dimensões dessa nova maneira de visualizar o desenvolvimento de um país, mas é importante destacar algumas das suas conclusões.  A primeira é que os países tendem a convergir para o nível de renda determinado pela complexidade de suas estruturas produtivas, indicando que os esforços de desenvolvimento devem ser sistêmicos e concentrados na geração de condições que permitam que a complexidade surja na economia.  O  grande desafio é modelar uma configuração inteligente de atividades e setores adequados à realidade e à visão de futuro do país.  

Mas a outra conclusão importante é que os países raramente fazem mudanças estruturais radicais. Ao contrário, as economias mudam de estrutura ao longo do tempo, migrando de configurações e produtos mais simples para configurações mais sofisticadas e produtos mais valiosos. Novas capacidades são geradas gradualmente e novas indústrias usualmente emergem a partir das já existentes.  Portanto, esforços de inteligência estratégica e planejamento são fundamentais para se definir as configurações mais adequadas e os setores que demandarão políticas públicas e estímulos para se ajustarem e contribuirem para a elevação da produtividade da economia.  

Esta é uma discussão fundamental para o Brasil, país com reconhecido potencial para alcançar novos patamares de sofisticação produtiva e complexidade econômica.  Por isso, é muito importante que se pense qual a melhor configuração e nível de complexidade a se buscar para a economia do país no futuro.  Por exemplo, o potencial de inserção do Brasil na emergente bioeconomia é nada menos que extraordinário, com possibilidades de impacto em importantes setores, como agricultura, indústria e serviços.  

A economia de base biológica e renovável pode se converter no promissor caminho para se mobilizar o que há de melhor na capacidade inovadora brasileira para, a partir da nossa rica base de recursos naturais,  alavancar segmentos vitais como a produção de alimentos, a saúde, e as indústrias química, de materiais e de energia.  Para isso, é necessário mobilizar a nossa infraestrutura de pesquisa e inovação, o ambiente regulatório e os investimentos privados para busca de especialização e sofisticação produtiva em setores que possam impactar a produtividade e a competitividade da nossa economia.  

Esse pode ser o caminho para consolidar o Brasil como uma economia desenvolvida, capaz de oferecer soluções coerentes, eficazes e concretas para grandes desafios da humanidade, como as mudanças climáticas, a substituição de insumos de origem fóssil, a segurança alimentar, a saúde e o bem-estar da sociedade.

Maurício Antônio Lopes é pesquisador e ex-presidente da Embrapa.