Não há crise generalizada no agronegócio, diz José Roberto Mendonça de Barros

Não há crise generalizada no agronegócio, diz José Roberto Mendonça de Barros

O economista José Roberto Mendonça de Barros refuta a ideia de crise no agronegócio, como diz o setor produtivo. Para o sócio da consultoria MB Associados e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, o setor passa por um momento difícil, mas natural de um ciclo baixista.

“Temos uma situação mais difícil, o que é normal nos mercados”, disse Mendonça de Barros, em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro. “Desde 2021, a agricultura brasileira viveu anos excepcionalmente bons com aumento de produção – à exceção do Rio Grande do Sul –, alta da produtividade e dos preços simultaneamente. É normal no setor que anos bem-sucedidos sejam precedidos de anos ruins”.

Mendonça de Barros disse não acreditar em casos generalizados de recuperações judiciais e elevado endividamento no setor e, portanto, não vê a necessidade de um “pacotão” de socorro do governo ao agronegócio.

“Não há crise generalizada. Há problemas localizados de crédito e não há razoabilidade nessas circunstâncias de o Tesouro Nacional ser chamado para cobrir a situação do produtor que alavancou demais”, defendeu.

O economista ainda vê ainda uma contribuição neutra do agronegócio para o Produto Interno Brasileiro (PIB) neste ano, mas positiva para inflação e para a balança comercial.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista:

Vemos uma combinação de preços baixos das commodities com uma safra menor de grãos. Como o senhor avalia este momento?
Essa questão é central. Do ponto de vista do agro, é curioso você ter uma queda simultânea de produção com queda de preços. Essa atual redução de preços decorre do mercado internacional que está com um balanço muito tranquilo entre oferta e demanda de grãos. A projeção com a qual trabalhamos é de quebra de 15 milhões de toneladas na safra de soja do Brasil, enquanto a previsão é de aumento de mais de 20 milhões de toneladas na produção argentina. Do ponto de vista global, a quebra brasileira é mais que compensada pela recuperação na Argentina e, com isso, não tem reação nas cotações globais. Com o conflito do Oriente Médio não escalando, o petróleo tende a seguir em torno de US$ 80 por barril. Além disso, vemos o enfraquecimento do dólar no Brasil, que não voltou ao patamar acima de R$ 5, e a expectativa de uma boa safra nos Estados Unidos. Não há fundamentos para os preços dos grãos subirem. A aparente contradição de quebra de safra e preços baixos é resultado inerente de uma agricultura que é global e trabalha para o mercado externo.

Esse cenário configura uma crise no agronegócio? O setor produtivo e o governo se dividem sobre classificar a conjuntura atual como crise...
O produtor que teve quebra forte de safra não terá fluxo de caixa para cumprir seus compromissos, mas não acho que isso configura uma crise. Temos uma situação mais difícil, o que é normal nos mercados. Desde 2021, a agricultura brasileira viveu anos excepcionalmente bons com aumento de produção – à exceção do Rio Grande do Sul –, alta da produtividade e dos preços simultaneamente. É normal no setor que anos bem-sucedidos sejam precedidos de anos ruins, são os ciclos. A gestão minimamente cautelosa das propriedades rurais e das empresas no setor sugere que em anos bons é imperioso fazer um colchão de liquidez, especialmente no agronegócio, que é uma indústria a céu aberto. No agronegócio, se tiver forte alavancagem e baixa liquidez, a maré vira e o barco vira junto. Não há crise generalizada. Se este é o diagnóstico do governo, estou de acordo. Há problemas localizados de crédito e não há razoabilidade nessas circunstâncias de o Tesouro Nacional ser chamado para cobrir a situação do produtor que se alavancou demais. Três anos muito bons antecederam este ano, momento que seria para fortalecer o balanço. Não acho que haja uma crise generalizada, que demande programas muito especiais do governo, embora seja isso que parte do setor peça.

É uma conjuntura que deve se estender pelos próximos anos? Estamos em um ciclo baixista ou há um novo normal no agro?
Isso é normal no agro. O novo normal é um ciclo de clima cada vez mais recorrente, mas ter quebra de safra por clima adverso é normal. Os preços elevados de grãos de dois a três anos quebraram muitos produtores de proteínas, da suinocultura e da avicultura. Por outro lado, os atuais preços baixos dos grãos estimulam a recomposição desses setores, além de que a demanda interna e a competitividade de exportação também melhoram. É um mecanismo absolutamente normal de mercado. É um ano difícil e, em alguns casos, o seguro agrícola e os credores terão que ser acionados. Se o clima for normal daqui para frente, acho que a maior parte da agricultura terá condições de limpar a poeira e retomar as condições. Não vejo nenhuma solução de contingenciamento no processo de crescimento do agronegócio. A demanda interna está se recompondo com salários melhores e desemprego baixo. Para grãos, temos que reconhecer que foi uma perda significativa, mas para outros como o setor de cana-de-açúcar a produção cresceu bastante. Não está no horizonte um impulso de preços que vimos nos últimos anos. A China está crescendo menos e não há exuberância da demanda por um tempo, mas a população do mundo vai continuar crescendo. Vamos digerir esse período e voltar ao normal.

O setor produtivo alega que há alto nível de endividamento dos produtores rurais, sobretudo de grãos e pecuaristas. O senhor vê o risco de uma nova bolha de recuperações judiciais (RJs) no agronegócio?
Vemos neste ano, muita insolvência dentro da porteira, que são as RJs de pessoa física. Haverá movimento em alguns segmentos, como o de distribuição, que estão com estoques caros. Não há crise universal e generalizada, mas há problemas específicos e concentrados em algumas regiões no caso dos produtores. Percebemos isso nos dados de crédito. Tivemos um período de juros muito altos com crescimento menor e determinados setores vivendo momentos delicados com parte em dificuldades financeiras. No agro, do ponto de vista financeiro, a média de solvência não é ruim, mas aqueles excessivamente alavancados entrarão em um período mais difícil.

Considerando que a receita agrícola será menor e a produção também, como será a contribuição do agronegócio para a economia brasileira neste ano? No ano passado, o agro puxou o PIB nacional com aumento recorde de 15,1%. Neste ano, será uma força contrária ao crescimento?
O agronegócio terá uma contribuição neutra para o PIB, não puxando nem para cima e nem para baixo. Dependemos do clima, mas o PIB agro neste ano deve ficar praticamente estável. Apesar da queda na receita, a contribuição do agro para o saldo comercial continuará muito robusta e o setor contribuirá com oferta significativa de dólares para a balança. O cenário também será razoavelmente positivo do ponto de vista da inflação, porque o agronegócio não vai voltar a ter forte pressão inflacionária. Em relação ao PIB, o que ocorreu no ano passado não se repetirá neste ano. O PIB como um todo será menor em 2024. Eu estou mais otimista que a média, projetando um crescimento de 2,5% no PIB Brasil, enquanto a Focus projeta alta de 2%. Vejo sobretudo o consumo das famílias em crescimento, com demanda maior por bens duráveis e maior renda das famílias. Acho que o investimento vai ser um pouco melhor, seja por infraestrutura seja por construção civil. Ainda temos algumas contribuições boas associadas ao comércio exterior. O petróleo, por exemplo, ao contrário do agro, vai crescer de forma enorme nos próximos anos, com impulso econômico, inclusive na arrecadação. O agro continua sendo importante para o PIB, mas puxar o PIB como no ano passado ocorre uma vez a cada cinco a oito anos em combinação de clima bom, produção boa e preços altos.

Nesse cenário mais desafiador, na sua opinião, há necessidade de medidas emergenciais de socorro aos produtores, como é pedido pelo setor para mitigar os prejuízos? O que seria um pacote ideal de ajuda do Executivo na conjuntura atual?
Sempre tem coisas que podem ser otimizadas, como a preocupação de devolução e remanejamento dos recursos pelos bancos que não emprestam toda a fatia dos recursos equalizados previstos (em estudo pelo Ministério da Fazenda). Isso é uma iniciativa razoável. Outra ação foi tomada pelo Conselho Monetário Nacional que restringiu os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) para limitar a emissão para quem é realmente do setor agropecuário. Isso vai aumentar a oferta de CRAs para a verdadeira agricultura e não para empresas que só de longe olham a agricultura. Há um conjunto de ações para otimizar o setor, como aberturas de mercado, que vêm sendo feitas, e desembaraços comerciais. Não vejo a necessidade de um pacotão que envolva alguma linha especial do Tesouro. Não vejo necessidade disso pelas condições do setor, ao mesmo tempo que não vejo condições de oferta pelas questões fiscais.

 

Por Isadora Duarte

Agência Estado