O Acordo de Paris e o setor elétrico - Por Claudio J. D. Sales

O Acordo de Paris e o setor elétrico - Por Claudio J. D. Sales

O Acordo de Paris, firmado em 2015 por 196 países, é hoje o principal instrumento de cooperação internacional focado na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e na adaptação às mudanças climáticas globais. Cada país signatário oficializou sua adesão por meio da publicação de suas "Contribuições Pretendidas Determinadas Nacionalmente" (CPDNs, tradução para "iNDCs - Intended Nationally Determined Contributions"), nome dado ao conjunto de metas aderentes aos objetivos do acordo.
 
O compromisso geral assumido pelo Brasil prevê redução de 37% nas suas emissões até 2025, tomando como base 2005. Em relação ao setor elétrico, as CPDNs preveem, entre outros pontos, o aumento da participação de fontes renováveis, diferentes da hídrica, na geração. No entanto, o incremento da geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis e a redução relativa da participação da fonte hídrica na matriz elétrica é um fenômeno anterior às CPDNs, e que já vem sendo observado há mais de 10 anos.
 
A crescente necessidade de despacho de termelétricas para complementar a variabilidade da geração de fontes renováveis e o consequente aumento do fator de emissão de CO2 do setor elétrico são efeitos diretos deste processo. Apesar desta conjuntura, o setor elétrico brasileiro é, atualmente, responsável por uma parcela inferior a 10% das emissões totais de CO2 do Brasil.
 
O recém-publicado estudo "O Setor Elétrico Brasileiro no contexto das mudanças climáticas e do Acordo De Paris" (disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos) discute os desafios que deverão ser enfrentados para que a redução de emissões seja materializada compatibilizando três grandes objetivos: 1- incremento de fontes renováveis na matriz de geração; 2- atendimento aos critérios de segurança de fornecimento no médio e longo prazo; e 3- manutenção do já atualmente baixo nível de emissão de GEEs do setor elétrico quando comparado ao de outros países.
 
A análise das contribuições para redução de emissões relacionadas à geração de energia elétrica assumidas pelo Brasil em Paris indica que as propostas endossam, mesmo que de forma indireta ou implícita, a tendência recente de redução da participação de hidrelétricas na matriz elétrica brasileira. Porém, esta opção vem acarretando modificações estruturais significativas.
 
Isso ocorre porque, apesar de o país contar com relevante capacidade instalada em hidrelétricas com reservatórios, a relação entre a energia potencialmente armazenada por essas usinas e a carga demandada pelo sistema vem caindo nos últimos anos. Se o sistema elétrico necessita, cada vez mais, de flexibilidade de despacho para complementar a inserção de fontes de geração variável, a diminuição relativa da capacidade de armazenamento de energia em reservatórios deve ser compensada pelo aumento da capacidade de outro tipo de fonte que atenda a esses requisitos de flexibilidade operacional.
 
Portanto, à medida que a participação de fontes de geração variável na matriz de geração de eletricidade se expande, cresce a necessidade de inserção de fontes que possam ser despachadas sob demanda com o objetivo de "firmar" a geração variável.
 
Todas as fontes de energia com as quais se pode contar no Brasil - e que nos dão vantagem competitiva - aportam atributos relevantes para a matriz elétrica e devem ser valorizadas por suas contribuições do ponto de vista de operação do sistema.
 
Como exemplo, no dia 11 de outubro de 2016 a geração eólica respondeu por 48% da carga média diária do subsistema Nordeste. Essa diversidade de fontes foi essencial para atender ao consumidor nordestino em um momento de vazões naturais muito abaixo das médias históricas e de níveis de armazenamento reduzidos nos reservatórios hidrelétricos. Nas palavras do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), "esta situação extremamente desfavorável só não se transformou em uma ameaça para o abastecimento energético porque a região Nordeste passou por uma mudança em seu perfil de geração nos últimos anos, com a instalação de usinas termelétricas e parques geradores eólicos".
 
Portanto, todas as fontes de eletricidade são importantes, mas sua inserção na matriz precisa ser planejada de forma a otimizar seus diferentes atributos.
 
Feitas as ressalvas acima, e considerando que o aumento de fontes de geração variável (com baixa emissão de GEEs) requer aumento de fontes despacháveis sob demanda (que emitem GEEs por envolverem termelétricas movidas a combustíveis fósseis), a contribuição do setor elétrico para redução das emissões tende a ser muito menor do que a desejada.
 
Consequentemente, a redução líquida das emissões de GEEs do Brasil deverá ser cumprida predominantemente a partir de ações concentradas em outros setores da economia.
 
Além disso, a participação da geração de eletricidade nas emissões de GEEs do Brasil indica que o setor elétrico possui relevância limitada para a diminuição de emissões do país. Apenas para ilustrar tal limitação, caso fossem zeradas as emissões do setor elétrico, interrompendo-se integralmente a geração de todas as usinas termelétricas nacionais, que têm sido essenciais para a operação do sistema brasileiro, haveria uma redução de menos de 10% das emissões de CO2 no país.
 
Atividades como transporte, agricultura, uso da terra e indústria, diante da intensidade de carbono que apresentam, são aquelas com maior potencial de contribuição para o alcance da meta de redução de emissões de GEEs. Esta flexibilidade é possível devido ao fato de que a meta de redução de emissões não está vinculada a setores específicos da economia.
 
Apesar da tendência de baixa contribuição do setor elétrico para redução das emissões, a inserção de fontes renováveis deve ser mantida na lista de prioridades nacionais. Além disso, as baixas emissões do setor elétrico frente a outros setores econômicos não eximem o setor de sua responsabilidade na formulação de políticas climáticas nacionais.
 
Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil