Pragmatismo diplomático, recuperações produtivas, crescimentos elevados no PIB e Monções acima da média dos últimos 50 anos devem ser as marcas da nova temporada 2020/21 no continente
A análise dos movimentos do continente asiático assume um papel muito complexo diretamente vinculado à ancestralidade histórica dos povos que habitam este continente, que também é um dos "berços" da civilização mundial. O mercado de açúcar, de um modo muito direto, está ligado a estes conceitos.
Recentemente, na passagem de setembro para outubro, o atual contrato driver da bolsa de Nova York Março/21 deu sinais de saturação de suas máximas de curto prazo entre US$/cents 13,60 a US$/cents 13,50 com recuos mais expressivos a partir destes níveis. Este movimento de baixa tem como contexto secundário também uma fragilidade assumida pelo mercado de petróleo, que tem tido movimentos de recuo no curto prazo. Análoga a esta leitura temos um cenário de fraqueza da conjuntura macro internacional, que também serve como plano de fundo para percepções de demanda saturada também sobre o açúcar. Porém esta é uma questão secundária do petróleo, conforme comentamos, assunto talvez para outro artigo. O que realmente tem pesado o tom no mercado é a questão da proximidade da safra nova da Ásia.
Esta temporada que começa em outubro agora também serve como referência para o padrão internacional da commodity. Ela tem como característica uma forte recuperação produtiva por parte de alguns países drivers pelo lado da oferta como Índia e Tailândia e, em segundo grau de influência, a China. A Índia, conforme temos alertado desde junho, tende a ter uma produção na faixa dos 34 milhões de toneladas após uma safra anterior em 27 milhões. Ainda na entressafra este país conseguiu carregar pouco mais de 16 milhões de toneladas de estoques, deixando o cenário de oferta obviamente elevado, ainda mais frente a uma demanda interna em baixa, acentuada em um contexto de queda de 23,9% no PIB do segundo trimestre deste ano.
Neste contexto é fácil observar como os produtores locais fazem lobby ao governo para subsídios á exportação de mais 6 milhões de toneladas ao longo da próxima temporada 2020/21 que começa agora em outubro. Se optassem por exportar 8 milhões de toneladas, facilmente conseguiriam. A problemática da questão é mesmo na capacidade do governo em "financiar" tais movimentos, visto que nem mesmo parcelas de subsídios da safra anterior foram pagos ainda. Agora com o PIB caindo quase 24% no segundo trimestre deste ano, o cenário fica ainda mais nebuloso. A fatura, ao que parece, está chegando. Já olhando para a Tailândia podemos ver o centro da discórdia entre consultorias internacionais e entidades representativas de classe locais.
Estas argumentam que uma nova quebra está por vir na próxima temporada, reduzindo o volume da faixa atual de 9 para algo entre 7 a 8 milhões de toneladas. A base da argumentação para tal cenário é uma nova seca que se desenvolve no país. Porém o relatório mais recente da Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos indica um caminho oposto, o da recuperação da quebra de 9 para uma oferta de 12 milhões de toneladas, próxima aos patamares anteriores de 13 a 14 milhões que a produção local era mantida antes da seca da safra anterior. A SAFRAS & Mercado alerta que este direcional do USDA tem um amparo forte no comportamento do clima, visto que a mais recente temporada de monções na Ásia, ocorrida entre junho a agosto de 2020, veio com chuvas muito acima da média dos últimos 50 anos.
Foi destaque na mídia internacional durante estes meses inundações em países como China, Índia, Paquistão e até mesmo o Japão, que não fica na porção continental da Ásia. Logo se mostra muito clara a tendência de baixa dos preços internacionais ao longo dos meses finais de 2020 e da primeira metade de 2021. Para finalizar cabem algumas observações sobre a China, um importante player internacional que tem investido a cada ano mais em sua independência quanto a demanda de açúcar do mercado internacional, sendo um desdobramento de sua política interna de segurança alimentar de longo prazo. Pelo lado da oferta o país se encaminha gradualmente em direção a um padrão de produção de 11 milhões de toneladas, com uma matriz tanto de cana quanto de beterraba.
A próxima safra não vai ser diferente. A grande questão é o novo padrão de consumo do país que passa ainda por seu ajuste de "novo normal" de crescimento no PIB, que resultará em uma demanda um pouco menos pressionada pela ótica de crescimento em meio a uma oferta interna moderadamente em alta. Aliada a China temos a Índia que, disputas geopolíticas a parte, mantém um tom pragmático na diplomacia quanto ao fornecimento de commodities, com o açúcar tendo um longo histórico de acordos bilaterais que servem a ambos os lados. Servem tanto para a Índia escoar seu excedente interno, e manter seus preços locais relativamente sustentados, quanto para a China que consegue manter seus estoques graduados em meio a uma demanda interna que, por mesmos crescente que possa ser, ainda se contextualiza em um PIB avançando entre 5% a 6% em taxas anualizadas.
Maurício Muruci - Analista de Mercado SAFRAS & Mercado/CMA. Atua há 13 anos com análises do setor de açúcar, etanol e petróleo