O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira com o primeiro vencimento, agora o março de 2021, cotado a 13.58 centavos de dólar por libra-peso, apenas 7 pontos (ou 1.50 dólar por tonelada) acima do fechamento da semana anterior.
Os valores convertidos em reais por tonelada, no entanto, tiveram maior apreciação em função da desvalorização do real na semana, que fechou a R$ 5,6832 uma queda de 2.25% em relação à sexta-feira anterior. A curva de preços da safra 2021/2022 valorizou-se em média 46 reais por tonelada, enquanto a 22/23 apreciou 30 reais por tonelada.
O fantasma da seca nos canaviais está muito longe de ter sido espantado. O clima tórrido que tem atingido às regiões produtoras de cana no Centro-Sul acende o alerta para que não apenas a moagem desta safra termine antes do que se esperava, mas também que o possível dano na planta provoque um atraso no início da próxima safra. Se isso realmente se consumar, veremos um fortalecimento do spread março/maio em razão da menor disponibilidade de produto no inicio da 2021/22 e, embora prematuro falar, uma redução no total da disponibilidade de cana.
A safra de beterraba na Rússia também foi afetada pela seca, bem como a Tailândia terá uma redução na sua produção de açúcar. Esses fatores, cada um com seu peso, podem trazer robustez aos preços. A força do mercado depende, porém, não apenas desses fatores, mas principalmente da recuperação da economia global (veja mais adiante).
O assunto da semana foi a entrega. Sempre que o mercado de commodities se depara com uma grande entrega física como ocorreu agora, na quarta-feira passada, no vencimento do contrato futuro de outubro, em que 2.6 milhões de toneladas de açúcar foram entregues, a primeira pergunta que vem à cabeça dos operadores é: uma entrega física de açúcar dessa magnitude é altista ou baixista?
Seguem-se uma pletora de narrativas que justificam ambos os lados. É altista, dizem uns, porque o recebedor tem uso imediato para o seu produto, o que mostra que o mercado está bastante fortalecido. É baixista, dizem outros, porque conceitualmente a entrega é o último recurso do vendedor, ou seja, se não há melhor comprador disponível no mercado, a entrega surge como a mais adequada (ou única) alternativa.
Vale observar, no entanto, que nesta entrega, o spread outubro/março negociou a 62 pontos de desconto na média dos 100 pregões anteriores a expiração do contrato futuro. O volume aumentou substancialmente quando esse desconto negociava acima de 70 pontos. Se tomarmos a média do fechamento diário do contrato com vencimento para outubro no período de 100 dias, de 11.93 centavos de dólar por libra-peso concluímos que o spread outubro/março representou um carrego de quase 13% ao ano. E aí, o rótulo de baixista fica prejudicado.
Um carrego de 13% a.a. indica que o comprador do spread, ou seja, o trader que comprou o outubro e concomitantemente vendeu o março, o fez com o intuito de receber o açúcar fisicamente no outubro e eventualmente, mas não necessariamente, entregar o mesmo volume em março do ano que vem a um preço superior ao seu custo de carregar o produto (custo financeiro, armazenagem e seguro). Esse ganho pode ainda ser maior quanto mais tempo o comprador levar para nomear o navio, pois os custos mencionados serão menores, e também se o basis no mercado físico apresentar elevação.
Em resumo, sim é possível que apesar de uma grande entrega física o sentimento do mercado seja neutro ou mesmo positivo apesar de os livros dizerem o contrário. O fraco spread outubro/março deu o tom, ou seja, o fato de o outubro ter sido oferecido a um grande desconto em relação ao preço do março fez com que o usuário final se apresentasse para (ou, quem sabe até mesmo) antecipar a aquisição de matéria prima aproveitando o desconto.
O importante dessa movimentação é não esquecer que o spread é a manifestação no mercado futuro da percepção que os participantes do mercado identificam no mercado físico. E nisso, o spread tem feito seu papel a contento. Mas, o que vai delinear o futuro do mercado de açúcar depende se vamos ter uma recuperação vigorosa da economia global ou se vamos enfrentar uma nova onda de covid-19. Até que tenhamos uma vacina que possa imunizar a população mundial, esta espada permanecerá presa em tênue linha sobre nossas cabeças. Desse cara-ou-coroa macabro depende se vamos ter déficit ou superávit mundial de açúcar, o que torna difícil querer especular sobre a trajetória de preços. Os fundos continuam acelerados e agora estão sentados em cima de 200.000 contratos num mercado invertido.
Uma coisa, no entanto, não dá para especular. Deixar de fixar os preços dos açúcares para exportação em reais por tonelada para os vencimentos de NY correspondentes às safras 21/22 e 22/23 pode ser uma decisão equivocada. Mesmo que a usina tema que os preços podem continuar a subir em reais por tonelada, sempre há a possibilidade de comprar uma call (opção de compra) out-of-the-money (opções fora-do-dinheiro), cujo preço de exercício é acima do nível atual de mercado.
O ministro Guedes continua célere no seu processo de perda de credibilidade junto ao mercado financeiro alternando seu comportamento entre um sabujo e um macaquinho amestrado atendendo mansamente aos caprichos do seu estrambelhado mestre. Embora tenha a ideia fixa de emplacar uma nova CPMF que dificilmente teria apoio do Congresso num ano eleitoral, Guedes agora pensa em criar a CPMAgro, um imposto sobre as exportações de commodities.
A profusão de ideias mirabolantes do ministro tem trazido demasiada insegurança aos investidores e, não por acaso, o real segue se desvalorizando enquanto os investidores estrangeiros revoam para terrenos mais seguros. Há exatos três meses, Guedes prometera que “em 90 dias pelo menos 4 estatais estarão vendidas” (veja aqui https://bit.ly/33ikHPA ). Sua promessa vence na próxima semana, mas seu prazo de validade como ministro há tempos expirou.
O primeiro (e único dado que Trump pegou a covid-19) debate entre Trump e Biden foi um festival de horrores ou, como disse a comentarista da rede CNN americana “a shit show”, que dispensa tradução. Interrupções, provocações e ofensas que refletem bem a polarização que estamos vivendo também aqui no Brasil. Um deserto de ideias, sempre muito fértil para o aparecimento de populistas como Trump e Bolsonaro. O mundo realmente está muito chato.
O inconveniente é que outubro vai ser um mês de muita instabilidade fundamentada pelo cenário interno das incertezas de sempre e pelo cenário externo de olho no que pode ocorrer com a saúde de Trump, que agora provou que usar máscara diminui a chance de pegar a covid-19.
Está mais fácil ser controlador de tráfego aéreo na Indonésia do que ser trader de açúcar.