O fracasso do leilão de transmissão - Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro

O fracasso do leilão de transmissão - Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro

Ao contrário do discurso oficial, no dia 18 de novembro testemunhou-se outro episódio de fracasso para a expansão da transmissão de energia elétrica no Brasil. É crucial mudar as diretrizes que têm levado o setor elétrico a um cenário de atrasos na implantação dos empreendimentos, custos desnecessários para os consumidores em razão desses atrasos, afastamento de competidores privados e imposição de prejuízos para as estatais.

O leilão de 18 de novembro licitou a concessão de 9 lotes de linhas e subestações de transmissão. A competição se deu por meio de Leilão Reverso, em que o vencedor de cada lote seria o empreendedor que oferecesse a menor Receita Anual Permitida (RAP) como contrapartida para a construção, operação e manutenção das instalações de transmissão por 30 anos. A oferta global dos 9 lotes previa 34 linhas de transmissão e R$ 6,3 bilhões em investimentos.

Ao fim do leilão, apenas 4 dos 9 lotes receberam propostas, e não houve disputa por nenhum dos lotes. O Lote A, maior lote do leilão, foi arrematado pela Eletrosul (estatal) com deságio de 14,01%. O Lote E foi vencido pelo consórcio entre Elecnor (privada), Eletrosul (estatal) e Copel (estatal), com deságio de 3,62%. O Lote F foi conquistado pela Celg GT (estatal), com deságio de 0,32%, e o Lote H pela Isolux (privada), com deságio de 0,6%. O investimento previsto para os lotes arrematados é de R$ 3,6 bilhões.

Além da ausência de competição em todos os lotes (o que revela falta de interessados), os lotes vazios representaram 42,5% (ou R$ 2,6 bilhões) de investimentos não materializados. E quando se coloca uma lupa sobre os lotes licitados, nos quais o único interessado foi o próprio vencedor, nota-se a predominância massiva de empresas estatais, que responderam por 93,2% dos investimentos. Que razões explicariam um leilão que contou com só 6,8% de investimentos privados e o domínio de subsidiárias da Eletrobrás, holding que atravessa enormes dificuldades financeiras e acaba de anunciar que provavelmente não terá caixa para honrar os dividendos que deveriam ser pagos aos seus acionistas?

A resposta está na insistência do governo em distorcer os pilares da Teoria de Leilões. Paul Klemperer, renomado pesquisador do tema, aponta três pecados capitais a serem evitados na formulação de um leilão eficiente. Dois deles estão presentes neste caso: barreira para a entrada de participantes e prática de preços artificialmente baixos por competidores. A barreira de entrada foi estabelecida pelas baixas RAPs, que desincentivaram uma disputa saudável, que poderia ter ocorrido se outros competidores tivessem participado do certame. O segundo pecado foi o preço artificialmente baixo da oferta estatal, que certamente contribuirá para agravar a situação econômica a que chegou o Grupo Eletrobrás.

As hipóteses de falta de disciplina econômica e baixa governança corporativa das estatais também requerem sérias reflexões. Qual a racionalidade do lance da Eletrosul no Lote A, com deságio de 14%, se não houve nenhuma disputa? De um lado, os demais interessados neste lote fizeram seus cálculos e concluíram que não havia lance possível para recuperar, ao longo dos 30 anos, o investimento. De outro lado, a estatal vencedora não só enxergou viabilidade, como fez uma oferta ainda mais agressiva para ganhar o lote "a qualquer custo", com 14% de deságio.

As distorções competitivas verificadas no último leilão de transmissão requerem a revisita urgente dos patamares de rentabilidade impostos por uma Receita Anual Permitida irrealisticamente baixa - e que não têm estimulado a competição - e a imposição de maior disciplina no comportamento das estatais, que não podem assumir compromissos maiores do que sua real capacidade financeira e de implantação.

 
Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são Presidente e Diretor-executivo do Instituto Acende Brasil.