O contrato futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira amargando uma queda acumulada na semana de 7 dólares por tonelada no primeiro vencimento março/21, cotado a 14.36 centavos de dólar por libra-peso contra 14.72 centavos de dólar por libra-peso na sexta passada. Para os vencimentos da safra 21/22 a queda média foi de 12 dólares por tonelada na semana e para o período seguinte, ou seja, safra 22/23 a queda foi maior: 16 dólares por tonelada.
Para compensar a queda na semana, o real se desvalorizou frente à moeda americana em 1%, encerrando a sexta a R$ 5.7429 depois de ter atingido o pico de R$ 5.8087. Em razão disso, a curva futura do dólar, para aqueles que optaram em fazer NDF (Non-Deliverable Forward), um contrato a termo de moeda com liquidação financeira, mostrou excelentes valores em reais por tonelada para os açúcares de longo prazo. Pode ser essa uma das razões para a cotação de NY ter tido uma queda tão acentuada nos vencimentos mais longos. A melhora dos preços esta semana, foi em média de R$ 17,00 por tonelada.
Renovam-se as preocupações acerca de uma segunda onda do coronavirus e o impacto que ela pode ocasionar na economia global. Como comentamos aqui inúmeras vezes, permanece incerto o tamanho do rombo no consumo mundial de açúcar e de combustíveis provocado pela pandemia. É penoso se manter positivo em termos de preços sob este cenário de incertezas. A recente e vigorosa subida dos preços do açúcar sempre nos intrigou.
Europa e Estados Unidos vão intensificar as medidas sanitárias para evitar a propagação do vírus. Especialistas gabaritados que acreditam na ciência (não esses que pululam nas redes sociais todos os dias vindos de sabe Deus onde) admitem que a vacina poderá vir apenas em 2021, mas não descartam o primeiro trimestre 2022. Um desastre.
Existem dois elementos, no entanto, que sabemos, tem dado suporte ao mercado de açúcar de maneira incontestável. Primeiramente, os fundos que elevaram substancialmente suas posições para mais de 262,000 contratos comprados, exercendo intensa pressão altista. (São mais de 13 milhões de toneladas de açúcar que eventualmente terão que vender.) Não apenas os fundos se posicionaram na compra seca dos contratos futuros, mas também aumentaram a pressão sobre o vencimento março/2021 com a compra do spread março/maio.
A posição, dos fundos, não poderia ser mais confortável, pois embora ainda temos mais de 100 dias pela frente até a expiração do contrato futuro de março/21, a inversão do mercado favorece a rolagem da posição comprada de março para maio uma vez que o fundo, ao faze-la, estará vendendo o março mais caro do que a nova compra no maio, gerando um lucro realizado no seu portfólio.
Em segundo lugar, colabora ainda mais com a estratégia dos fundos, os rumores (veja bem …. rumores) de que uma trading estaria também comprando agressivamente o spread março/maio para beneficiar sua posição de açúcar no físico numa eventual (re)entrega no próximo vencimento.
Hipoteticamente, a trading poderia, digamos, ter iniciado a compra do spread março/maio a 50-70 pontos e quando chegou a 80-100 pontos, vendeu o dobro. Dessa forma, o resultado líquido da estratégia equivale a vender o spread com 120 pontos. Em resumo, ela entrega o açúcar no março e recebe de volta em maio com um desconto anualizado de 35-39% ao ano. Nada mal.
Nossos leitores sabem que estamos conjecturando e tentando entender a imagem que se forma com as informações que nos chegam. Parece-nos cristalino que os especuladores estão conduzindo o mercado para patamares artificias ao mesmo tempo que os fundamentos, que deveriam dar suporte à narrativa dos fundos, enfraquecem à medida que, devido à pandemia, os ativos de risco apresentam forte viés negativo.
Um componente que tem trazido desequilíbrio ao mercado é o atraso na divulgação do subsidio indiano. Acredita-se que o subsídio vai sair, no entanto, poderá ser inferior ao valor dado no ano passado (cerca de 140 dólares por tonelada) em função do enorme déficit fiscal vivido pela Índia. Nada será divulgado ou apresentado antes do final das eleições estaduais indianas que ocorrem em meados de novembro. Espera-se que também seja aprovado o preço mínimo do açúcar para Rs 33,000 por tonelada (que equivale aproximadamente a 442 dólares por tonelada).
Se não houver subsídio, não tem preço mínimo que resista e o que vai ocorrer – num primeiro momento – é que as usinas serão forçadas a vender seus açúcares abaixo do preço mínimo, o que já está ocorrendo nesse momento. O sentimento é que sem subsídio, uma situação que poucos acreditam que possa ocorrer, primeiramente nós assistiríamos um colapso no preço do açúcar internamente na Índia e NY teria que atingir um ponto em que atrairia a Índia para o mercado internacional e mantivesse o equilíbrio com o mercado interno. Considerando que o custo de produção de açúcar naquele país deve estar por volta dos 19 centavos de dólar por libra-peso. Precisa combinar com o vírus da covid-19.
Para deixar claro, o preço mínimo na Índia hoje é de Rs 31,000 (que poderia ir para Rs 33,000) ou perto de 19 centavos de dólar por libra-peso. É óbvio que esse preço tem que colapsar sem subsídio para a exportação, pois 5-6 milhões de toneladas de açúcar trarão enorme pressão no mercado doméstico. A pergunta de um milhão de dólares é como o mercado internacional de açúcar vai reagir se forem enxugadas 5-6 milhões de toneladas de açúcar? E qual seria o preço de equilíbrio em NY sem a garantia de preço mínimo interno na Índia? Também precisa combinar com o vírus da covid-19.
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Está mais fácil descobrir quem é o assassino logo nas primeiras páginas do mais fascinante livro de Agatha Christie, “O Assassinato de Roger Ackroyd”, do que acertar o que vai ocorrer na Índia. Um excelente livro para a quarentena.