O ponto de virada pode estar a caminho - Por Arnaldo Luiz Corrêa

O ponto de virada pode estar a caminho - Por Arnaldo Luiz Corrêa

O mercado físico mostrou toda sua fragilidade refletida numa entrega de um milhão de toneladas contra o vencimento do contrato futuro. Normalmente entregas volumosas de qualquer commodity em um contrato futuro, refletem a desolação do mercado físico quando vendedores não encontram outro porto seguro que não a própria entrega em bolsa. Como as regras do contrato da bolsa permitem ao comprador apresentar o navio no porto de embarque até 75 dias após o vencimento do contrato futuro, vamos ficar de olho nas nomeações dos navios a serem feitas pelos compradores. Quanto maior a demora em fazê-las, maior a percepção de que o mundo não precisa de açúcar. Se acelerarem as nomeações, isso reflete no mercado físico (via prêmio), no spread e no futuro. Vasos comunicantes.

Os tempos são difíceis para o setor que assiste a mais uma recuperação judicial nesse inicio de ano e observa aflito o contrato futuro de açúcar em NY negociar na cotação mais baixa desde setembro de 2014 quando o mercado negociou a 13,70 centavos de dólar por libra peso. No entanto, a pressão ocorrida nessa semana, segundo alguns traders, pode ser devidamente atribuída às usinas retardatárias que deixaram para o último minuto a fixação de seus contratos de exportação de açúcar, acelerando a desvalorização da commodity.

Sempre procuramos analisar aqui os valores em reais por tonelada, uma vez que é o parâmetro normalmente usado pelas usinas. Nesse ponto, mesmo com o fechamento negativo observado nesta sexta-feira, o valor correspondente foi de R$ 912 por tonelada FOB Santos. Permita-me repetir aqui, uma parte do comentário no inicio do mês de fevereiro: "prefiro me ater aos valores negociados em reais por tonelada que é o ponto em que muitas das empresas do setor se balizam. A média de fixação para 2015/2016 é de R$ 971 por tonelada. O mínimo visto foi R$ 880 por tonelada. Vamos imaginar o pior cenário com o dólar a 3.000 devido a um eventual agravamento do cenário político. Isso coloca NY equivalente a 12.78 centavos de dólar por libra-peso na mínima do ano".

Ainda estamos acima do valor mínimo negociado. No ano passado, a média foi de R$ 880 por tonelada com a mínima do ano ocorrida em setembro quando NY fechou a 13,55 centavos de dólar por libra peso e o dólar valia 2,3286 reais.

Será que a situação do mercado de açúcar hoje é pior, do ponto de vista dos fundamentos do mercado? Faz sentido que tenhamos o superávit mundial de açúcar diminuindo consideravelmente nos últimos dois anos; que a produção brasileira de cana esteja estagnada há cinco anos; que a situação de insolvência do setor amargando uma divida que equivale a 110% do faturamento previsto no ano ameaça o fechamento de mais usinas afetando a oferta de produto; enquanto as perspectivas de demanda adicional de etanol em função da melhor competitividade do produto em relação à gasolina aumentam, e, ainda assim os preços continuem a despencar? "Ah, esse Arnaldo é incorrigivelmente altista", dirão alguns. Mas, meu ponto é que estamos efetivamente longe dos preços mais baixos, ou seja, os preços estão mais construtivos ainda que vivamos uma turbulência.

Em 2013, a média dos fechamentos de NY convertida em reais foi de R$ 864 por tonelada. A média de 2014 foi de R$ 880 por tonelada. A média de 2015, até agora é de R$ 920 por tonelada. Entendem meu ponto? NY pode e deverá mesmo cair mais se o real continuar sua desvalorização em relação ao dólar, que é muito mais um fator exógeno que reflete - entre outras coisas - o momento político e econômico que vivemos no país. O mercado de açúcarpode até se desvalorizar ainda mais, pois os mercados normalmente exageram tanto na alta quanto na baixa. Um bom balizador a meu ver são os R$ 880 por tonelada equivalente.

A arbitragem com o mercado de etanol internamente deverá destinar mais cana para o combustível nesse inicio de safra, mesmo porque é a maneira mais rápida das usinas fazerem caixa para atender às necessidades urgentes e pagarem suas contas aos fornecedores. O mercado externo não deve ter levado isso em consideração ainda. As previsões de safra continuam a sair fresquinhas do forno com números cada vez menores. A Archer divulgou há duas semanas sua previsão para o Centro-Sul de 573,7 milhões de toneladas. Nesta semana, uma consultoria americana divulgou ao mercado seu número: 571 milhões.

Um executivo do mercado, conhecido pelo seu sangue frio e extrema ponderação, observou para alguns interlocutores que o mercado deve sofrer um ponto de virada que, segundo ele, deverá ocorrer no segundo semestre desse ano. Coincidentemente, conversando com um analista gráfico, esse me disse quase a mesma coisa com palavras diferentes. O mercado pode ser explosivo no segundo semestre se algumas etapas forem cumpridas.

Discutir sobre essas viradas, a propósito dos sólidos fundamentos do mercado (que sempre falam mais alto), são atividades que deveriam ser constantes na vida dos traders. As oportunidades geralmente surgem de onde menos se espera e no momento exato que todo mundo está olhando para outra direção. Terá chegado esse momento?

 
Arnaldo Luiz Corrêa é  diretor da Archer Consulting